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A vida controversa, pulsante e muito politizada de Fela Kuti

A vida do músico nigeriano Fela Kuti (1938-1997) presta-se muito ao sensacionalismo. Do seu casamento múltiplo com 27 mulheres às acusações de uso de drogas e a morte prematura pela aids, tudo nele parece fora dos padrões comuns. No entanto, em Meu Amigo Fela, o cineasta brasileiro Joel Zito Araújo busca um perfil mais sólido do personagem, destacando-lhe o ativismo político. Documentário será apresentado neste domingo, 7, no IMS Paulista, às 18h30, dentro do festival É Tudo Verdade.

Não que o resto da biografia de Fela Kuti fique de fora. Pelo contrário. Fela foi mesmo um homem de comportamento pouco convencional, mas seu caráter contestador parecia estar com frequência a serviço de causas políticas - e esse aspecto ganha relevo no filme. Não apenas o assistimos em cena, em suas apresentações que ganhavam ares de rituais, mas o vemos a partir do olhar dos que com ele conviveram. Parceiros de música, filhos, mulheres - todos entrevistados pelo mestre de cerimônias do filme, o músico afro-cubano Carlos Moore, biógrafo de Fela Kuti.

Pioneiro do gênero afrobeat, Fela fazia apresentações que se assemelhavam a rituais, com presença de palco incrível e músicas de rítmica forte e células melódicas reiteradas, que se assemelham a mantras dionisíacos e levam o público ao transe. Mas não a um transe alienado ou meramente catártico, pois as letras eram fortemente contestatórias do regime nigeriano.

Tal intensidade levou à crença em um artista intuitivo, mas isso está longe da verdade. Filho de um pastor protestante e de uma pioneira feminista, Fela teve educação primorosa. Estudou música em Londres e dominava uma série de instrumentos - saxofone, trompete, teclados, percussão e guitarra - além de compor e cantar. Sua presença esguia, muscular e cheia de energia no palco levava o público ao delírio. Mas a sustentar esse paroxismo emocional, havia uma sólida arquitetura musical.

Rebelde, Fela completou sua educação política na ida aos EUA, em 1969, durante a guerra civil na Nigéria. Lá conheceu os Panteras Negras através de Sandra Smith, que o apresentou às ideias de Malcolm X e Eldridge Cleaver. O Fela Kuti que retornou à Nigéria em companhia de Sandra era um homem mais politizado do que aquele que havia saído. Atirou-se de cabeça às lutas libertárias e à causa pan-africanista.

Seus entreveros com as autoridades se tornaram frequentes. O sucesso do álbum Zombie (alusão pouco elogiosa aos soldados nigerianos) o indispôs ainda mais com o regime. Ídolo popular, Fela tornou-se inimigo público do governo. A comuna que havia fundado, a República Kalakuta, foi atacada com extrema violência. A mãe de Fela, já idosa, foi jogada pela janela e ele foi agredido e preso. A República Kalakuta foi incendiada. A perseguição não deteve Fela, cuja vida e obra tiveram vários outros desdobramentos até receberem o ponto final de uma doença para a qual não havia cura.

O tom encontrado para a narrativa dessa vida épica é trepidante, mas não exclui pontos de reflexão e de contextualização. A excelente música de Fela Kuti cresce quando conhecemos o entorno histórico, tanto pessoal como político, no qual ela surge. Só então ganha sentido pleno. O filme também atenta para as contradições de Fela que, em ocasiões, submerge à violência que combatia e o vitimou e cujo comportamento com as mulheres é pouco exemplar, mesmo quando visto em seu ambiente cultural.

Joel Zito Araújo é um artista antenado na batalha da causa negra no Brasil. Autor de obras importantes como A Negação do Brasil (livro e filme) e As Filhas do Vento, com Meu Amigo Fela põe essa luta em dimensão internacional. Com engenho e arte. E muita paixão.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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