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'O Pequeno Quinquin' se tornou fenômeno na França

Redação Folha Vitória

São Paulo - Na contramão de Fábio Porchat, que arrisca seu sucesso como ator de comédias num drama - Entre Abelhas -, um grande diretor francês de dramas muda o tom e se ensaia na comédia. Não é a única novidade sobre Bruno Dumont e seu O Pequeno Quinquin, que também estreou nessa quinta, 30. O filme foi produzido como série em quatro episódios para a TV. Com a duração de 200 min. - mais de 3 horas -, fez sua estreia no Festival de Cannes do ano passado, na Quinzena dos Realizadores. Só em setembro, Le P’tit Quinquin estreou na TV, na França. Virou fenômeno de público e mídia. Dumont, que sempre dividiu o público e os críticos, tornou-se uma unanimidade. Seu filme foi saudado como ‘um evento’. No Brasil, até os críticos que reclamavam dos ‘excessos’ do autor - seja lá o que quisessem dizer com isso - capitularam. Numa entrevista por e-mail, Dumont confessa-se ‘ravi’, muito feliz. Mas ressalta - "A comédia é menos uma evolução natural que um verdadeiro aprofundamento do meu trabalho passado."

O Pequeno Quinquin passa-se na região em que o diretor nasceu e filmou A Humanidade. Crimes bizarros - os restos das vítimas aparecem dentro de vacas - são investigados por dois policiais improváveis. Tudo é esquisito - os crimes, o investigador e seu auxiliar e o pequeno Quinquin, que chama dois amigos e uma garota (a namoradinha?) para também investigar. A pergunta inevitável - a comédia foi um desafio ou a certeza de que, para retratar a França profunda, só com humor? "O cômico é a última instância do drama. Revela-nos a essência da vida, da qual o drama é a superfície. E nos liberta de sua forma ordinária, a psicologia."

Dumont, que sempre escreveu seus roteiros como romances, conta que agiu da mesma forma. Mas, considerando que o timing é decisivo na deflagração do humor, diz que a realização de Quinquin foi menos improvisada que a dos filmes precedentes. "O burlesco obedece a um mecanismo muito preciso de ações e diálogos de precisão. Os atores têm de atuar como se estivessem tocando uma partitura, e justamente por isso a escolha do elenco foi decisiva. Precisava de atores que subvertessem a regra dessa organização estrita." E ele acrescenta - "Não conhecia nenhuma dessas pessoas, e a maioria nem é de atores. Escolhi-os por causa dos papéis e da ligeira disfunção que queria provocar na enquete policial. Tradicionalmente, os investigadores são ‘competentes’ aos olhos dos espectadores. Eu queria que não fossem, mesmo que, eventualmente, chegássemos a uma solução. Escolhi pessoas comuns e que nem são engraçadas na vida. Do jeito que trabalhamos, foram ótimos."

O filme já começa engraçado em seu estranhamento. Foi uma estratégia para prender a atenção do público? "Nãããooo. O cômico e o dramático são variações de um mesmo tema, mesma gama. Não houve ‘estratégia’. Trabalho com ‘pessoas’, o que não é usual. Por sua necessidade de simplificação, o cinema comercial restringe a gama dos intérpretes e tende a trabalhar com modelos identificáveis de atores, representando tipos também identificáveis. Essa idealização é tanto mais deplorável porque restringe a possibilidade de descoberta e de abertura para o outro. Nosso dever, como autores, deveria ser subverter as normas."

No final de A Humanidade, o personagem era algemado e nem sabíamos se era culpado. Aqui, o desfecho é outro. "O suspense só me interessa como forma de encarar e veicular os mistérios da existência. As soluções só são boas para quem quer transformar a vida em laboratório científico. Prefiro o aspecto mágico e obscuro da realidade da vida." O fato de Quinquin ter estourado na TV não o surpreendeu - "Na sociedade do divertimento, a comédia tende a ser mais amável." E a diferença entre cinema e TV ? "Usei menos planos distantes, porque as pessoas não os veriam na TV. O ritmo, que foi mais importante, foi consequência da necessidade cômica, e não do formato." Sobre o racismo antiárabe que identifica na França profunda, ainda na fase anterior ao ataque a Charlie Hebdo, é definitivo - "O cinema nos espelha e nos purga. Não deve ser um assunto de moral nem de polícia nem de religião. Para mim, o cinema é uma máquina de lavar." As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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