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'O Instante Certo'analisa fotos de autores como Graciela Iturbide

Redação Folha Vitória

São Paulo - Um ano antes da morte da ensaísta norte-americana Susan Sontag (1933-2004), a Companhia das Letras publicou seu último livro, Diante da Dor dos Outros (2003), que, em certa medida, representava um complemento do seu polêmico ensaio Sobre Fotografia. Em sua derradeira obra, ela analisa principalmente as fotos de guerra, tocando em dois pontos que a narrativa literária, de modo geral, é incapaz de traduzir: a dor e o horror. Pois em O Instante Certo, da jornalista Dorrit Harazim, lançado agora pela mesma editora, as imagens de tragédias coletivas e individuais são comentadas com o entendimento de uma jornalista ao mesmo tempo erudita e sensível, capaz de comover e levar o leitor para a cena que descreve.

O Instante Certo reúne 38 textos produzidos entre 1995 e este ano, publicados originalmente em revistas como Piauí e Zum. Nascida na Croácia, em 1943, ela começou sua carreira jornalística há exatamente 50 anos, convidada por Mino Carta para integrar a primeira equipe da Veja. Foi correspondente de guerra (no Vietnã), cobriu o golpe militar do Chile, em 1973, e o atentado às torres gêmeas, em Nova York, em 2001. Agora, dedica-se a escrever longos ensaios sobre fotografia para a revista Zum, publicada pelo Instituto Moreira Salles.

Neles, é possível entender a razão de Dorrit ser atraída "pelo lado avesso do que está nas fotos", ou seja, por aquilo que a imagem não revela de imediato. O primeiro ensaio do livro é exemplar: fala de Robert C. Wiles, fotógrafo que registrou, em 1947, o suicídio de uma mulher na esquina da Quinta Avenida com a Rua 34, em Nova York. Talvez não tenha publicado outra imagem em vida, mas essa passou à história por ter sido estampada em página inteira pela revista Life, revelando, inclusive, o nome da jovem que se atirou do Empire State e caiu sobre uma limusine da ONU.

Evelyn McHale era uma mulher atormentada que, às vésperas do casamento, desiste dele ao descobrir que herdara da mãe o pesado legado da bipolaridade - essa, pelo menos, é a suspeita de sua biógrafa Lauren Anne Rice. Isso não se sabe, mas, em todo caso, a personalidade da suicida, que surge linda sobre a capota da limusine, como se não estivesse morta, é tão enigmática como a de outra personagem eleita por Dorrit, a da fotógrafa amadora norte-americana Vivian Maier (1926-2009).

Vivian Maier foi descoberta por acaso. Ganhava a vida como babá e, nas horas de folga, saía às ruas com sua Rolleiflex. Ao morrer, seus negativos (mais de 100 mil) repousavam num depósito ao lado de chapéus e sapatos velhos. Tudo foi arrematado num leilão por John Maloof, que depois também se tornou fotógrafo.

O livro de Dorrit, porém, não se concentra em fotógrafos anônimos ou amadores. Há gente bem famosa nele, do suíço Robert Frank, 91 anos, que registrou os primeiros passos da geração beat, ao mítico ator e diretor Dennis Hopper (1936-2010), herói da contracultura norte-americana (Sem Destino) que, ao fotografar, como observa a autora, era disciplinado e zeloso, o oposto do rebelde que arrumava encrenca com todos os diretores.

Também do mundo do cinema era Gordon Parks (1912-2006), primeiro diretor negro a rodar em Hollywood um filme baseado no próprio romance (Com o Terror na Alma, 1969). Dorrit dedica a Parks dois ensaios, um sobre a foto O Homem Que Emerge (1952) e outro sobre a passagem do também fotojornalista pelo morro da Catacumba, no Rio, em 1961, quando, ao registrar o cotidiano da favela, ficou tocado pela história de Flávio da Silva, 12 anos, filho de uma lavadeira e um vendedor de querosene. Doente, Flávio foi levado a um hospital americano e salvo graças à ajuda do fotógrafo. No ano 2000, Parks voltou ao Rio para fotografar o cinquentão Flávio para a última edição da revista Life.

São histórias tocantes como essa que emergem das páginas do livro, que traz ensaios sobre pioneiros como Sergei Mikhailovich Prokudin-Gorskii (1863-1944), nobre russo que desenvolveu uma emulsão ultrassensível para fixar cores numa lâmina de vidro, produzindo imagens como a publicada no alto desta página. Gorskii fotografou Tolstoi em sua casa de campo e registrou todo o território russo sob os auspícios do czar Nicolau II, até que a revolução bolchevique o empurrou para a Noruega. Seu arquivo foi vendido para a Fundação Rockefeller e a Biblioteca do Congresso restaurou sua obra.

Os ensaios mais vigorosos, porém, tratam de fotojornalistas de guerra como o lendário Eddie Adams (1933-2004), autor da imagem mais chocante do Vietnã, a da execução de um vietcongue, em fevereiro de 1968. À queima-roupa, com um tiro na nuca. O fotógrafo suíço René Burri (1933-2004), nascido e morto no mesmo ano, jamais teria registrado a cena. Ele voltou do Vietnã com fotos de amputados, mas nunca disparou sua Leica diante da morte. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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