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Francês Jacques Livchine confere no Rio montagem de por Hora

Redação Folha Vitória

São Paulo - O desafio lançado por Jacques Livchine não é pequeno: contar a história do teatro em pouco mais de uma hora. Em parceria com Hervée de Lafond, concebeu 2500 por Hora, reunindo trechos de obras de alguns dos mais celebrados dramaturgos e menções a encenadores emblemáticos. "Os estudantes quase não conhecem a história do teatro. Nos últimos anos, essa situação se agravou. É verdade que existem atores desinformados que são muito bons. Não se trata, portanto, de uma obrigação. Mas é melhor saber", afirma Livchine, em visita ao Rio para assistir à montagem de Moacir Chaves, atualmente em cartaz no Oi Futuro/Flamengo e ainda sem previsão para desembarcar em São Paulo.

A revolução dramatúrgica provocada por Shakespeare, a precisão do humor de Molière, o refinado realismo de Chekhov e a conscientização promovida por Brecht vêm à tona ao longo do espetáculo. Os autores são dispostos fora de ordem cronológica. "Gosto de estruturar por intermédio de associações", justifica Livchine, que, na França, participa de 2500 por Hora como ator. Não é por acaso que os dramaturgos surgem em primeiro plano. "Os diretores não despontaram há tanto tempo", lembra Livchine, em relação aos profissionais que transformaram a cena da segunda metade do século 19 em diante, como Stanislavski, Meyerhold, Artaud e Grotowski. E não se deve perder de vista que certos autores se comprometeram com a prática teatral.

Livchine defende um contato personalizado com o teatro, e não o mero acúmulo de informações. Ao final de 2500 por Hora, os atores enumeram as montagens que consideram mais marcantes, aquelas que constituem seus patrimônios afetivos. Ao destacarem montagens renomadas, os atores evocam momentos em que o teatro tinha um lugar mais especial na esfera pública do que hoje. A constatação não diz respeito apenas ao panorama francês. Pode ser claramente notada no brasileiro, a julgar pela faixa cada vez mais restrita que frequenta as salas de espetáculo. Livchine chama atenção para a natureza popular do teatro. "Essa arte não tem tradição burguesa. E não acontecia dentro de uma caixa fechada. Na época de Shakespeare, era a céu aberto", sublinha Livchine, acerca da disposição da cena elisabetana.

À frente do Théâtre de l'Unité, grupo fundado em 1968 com sede em Audincourt, Livchine valoriza a apresentação na rua e o registro interpretativo calcado na improvisação, o que não significa que não se debruce sobre textos de peso de maneira responsável, mas não acadêmica. "Quando montamos Chekhov, fizemos cortes. Nós não nos deixamos amedrontar pelas peças clássicas. Guardamos, porém, o espírito da obra."

Em décadas anteriores, o grupo firmou oposição a um padrão instituído. "Em 1968, na França, se você não falasse de revolução quatro vezes em uma hora era acusado de reacionário. Mas passamos a nos expressar de forma diversa, a escrever nossos textos, a representar na rua", explica. A necessidade de realizar um teatro que reverbere no espectador é evidenciada pela experiência de Livchine na África. "Acho fundamental que cada um se pergunte o porquê de fazer teatro em vez de dar dinheiro aos pobres. Um nigeriano me disse que o teatro é importante para resolver a questão da fome ao suscitar reflexão", relata.

O projeto de encenar 2500 por Hora no Brasil é antigo. "Eu vi a montagem no Festival de Avignon há 18 anos e adorei. Na tradução, percebi que havia referências mais ligadas ao teatro francês - como Corneille e Racine - e propus alterações", observa Monica Biel, atriz do espetáculo, referindo-se aos tragediógrafos do Classicismo. "A adaptação, contudo, é fiel, no sentido de que a base permanece preservada", declara. Além de priorizar autores em detrimento de outros, Biel incluiu uma parte complementar sobre a história do teatro no Brasil. O contexto que envolve o espetáculo francês também é distinto do brasileiro. "Lá, 2500 por Hora resultou da contribuição dos integrantes de um grupo; aqui, de uma junção de atores, mesmo que sintonizados com o meu teatro", compara Moacir Chaves, citando o elenco composto por Claudio Gabriel, Henrique Juliano, Joelson Medeiros, Júlia Marini e Biel.

Apesar de Chaves ser um diretor voltado para grupos (capitaneou a Péssima Cia. e a Alfândega 88, esta última em atividade), as condições de produção nos dois países são diferentes. "No Brasil, só conseguimos trabalhar com constância reduzida, o que restringe a possibilidade de uma pesquisa continuada. O problema não reside na falta de dinheiro, mas no modo como é utilizado", avalia. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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