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Laís Bodanzky assume o discurso feminista em 'Como Nossos Pais'

Redação Folha Vitória

São Paulo - Menos de uma semana depois de ter vencido o Festival de Gramado - no sábado, 26 -, "Como Nossos Pais" estreia em 126 salas de todo o País para que você possa comprovar o acerto de tantos Kikitos. Foram seis - melhor filme e direção (Laís Bodanzky), ator e atriz (Paulo Vilhena e Maria Ribeiro), melhor coadjuvante feminina (Clarisse Abujamra, o mais merecido de todos) e melhor montagem. Gramado, este ano, privilegiou a questão da representatividade - mulheres, trans, afrodescendentes. Como Nossos Pais virou emblema da questão do feminismo.

Mulheres empoderadas

O filme abre-se num almoço de família. Ao final de uma típica disputa familiar, a mãe (Clarisse) faz uma revelação bombástica. A filha (Maria) é produto de um affair. O pai não é aquele sujeito que ela aprendeu, a vida toda, a reconhecer como tal.

Interpretado por Jorge Mautner, esse pai está longe de ser exemplar. É o maior 171. Mesmo assim, é um choque para a personagem de Maria. Chama-se Rosa e, durante todo o restante do filme, ela passa em litígio com a mãe, tentando reafirmar a própria identidade - como mulher, mãe, profissional.

Laís Bodanzky tem uma das carreiras mais exitosas do cinema brasileiro da chamada "Retomada". Com "Bicho de Sete Cabeças", ela venceu os festivais de Brasília e do Recife. Com "As Melhores Coisas do Mundo", bisou o Cine PE. Faltava Gramado e ela venceu este ano com "Como Nossos Pais". Seis Kikitos, incluindo filme e direção.

Seus filmes diferem, mas no fundo são os mesmos. Personagens sensíveis, histórias humanas. Um garoto que conhece o inferno do sistema manicomial ("Bicho"), o típico adolescente em crise ("As Melhores Coisas") e o "tal" feminismo ("Como Nossos Pais"). Todos esses filmes abordam relações de família, e o conflito de gerações. O corpo estranho, mas não é, poderia ser "Chega de Saudade", sobre um clube de terceira idade.

Filha de diretor - Jorge Bodanzky, autor de um título emblemático do cinema brasileiro: "Iracema, Uma Transa Amazônica" -, Laís admite que pode ter feito outros filmes preparatórios para esse, mas a urgência do discurso feminista surgiu nesse momento. E não é certo que vá perseverar - o próximo filme com Cauã Reymond, será sobre a juventude de d. Pedro, o 1.º, um notório mulherengo.

"Vai ser uma delícia fazer." Vai mudar o personagem, não necessariamente o discurso. O que lhe interessa é sempre a espessura dramática. Como se não bastassem todos os problemas de Rosa/Maria Ribeiro, ainda tem mais um. A mãe, com quem ela vive em litígio, está morrendo de câncer.

É demais, mas Laís, guerreira do feminismo, não muda sua estética. O filme bate na tela com suavidade. O elenco todo, o ex-marido e corroteirista Luiz Bolognesi dizem a mesma coisa. Laís institui no set uma ditadura suave. Sem grito, mas com persuasão, ela convence todo mundo a fazer exatamente como quer.

Ela acha graça da definição. A força da persuasão - seu agradecimento em Gramado não poderia ter sido mais engajado. "Somos poucas (as mulheres na direção e no roteiro), e esse é o espaço do discurso, no qual a gente coloca nossas ideias. Essa consciência é muito nova na minha vida, mas é uma reflexão necessária. Será que nós, mulheres, não queremos dirigir nem roteirizar? Somos apenas 15% na indústria do audiovisual. Por quê? É importante refletir, porque não é que a gente não queira contar nossas histórias, mas há um filtro. É preciso romper com isso e conquistar o espaço do discurso", disse.

Para avançar nessa conquista, Laís teve sua tropas de choque - o maravilhoso elenco de seu filme. Foi o segundo Kikito de coadjuvante para Clarisse Abujamra, que já venceu o prêmio por "A Coleção Invisível", em 2013. Clarisse é extraordinária como uma mulher madura e sensual.

"Foi tudo muito rápido", ela diz. "Laís me chamou, fizemos algumas leituras de mesa, mas o essencial já estava no roteiro", contou. Uma das mais belas cenas mostra Clarisse ao piano, tocando justamente "Como Nossos Pais", de Belchior. "Queria o título, mas não a letra da música", diz a diretora. "A Clarisse tocando só a versão instrumental foi um achado. Saiu muito melhor do que imaginava."

E Paulo Vilhena, trazendo para a realidade a luta de seu personagem antropólogo - em Gramado, ao receber seu Kikito, ele bradou "fora, Temer e viva a Amazônia", criticando o presidente por extinguir uma reserva e permitir a mineração no local. O protesto, também de Gisele Bündchen, ecoou e, na segunda, o presidente recuou.

Em Gramado, Laís e o roteirista Luiz Bolognesi assumiram que não estão mais casados, embora continuem trabalhando juntos (e sócios na Buriti Filmes). Bolognesi justificou a separação dizendo que o casamento estava empatando o crescimento de Laís.

Ele também revelou que seu roteiro foi reescrito pela ex-mulher, e que ela é a autora de "Como Nossos Pais". Até por esse perfil, o filme aborda muitos temas da contemporaneidade feminina, mas é basicamente sobre o choque entre mãe e filha.

Desde antes da revelação que lhe retira o chão, Maria já vive em litígio com a mãe. Acha que a personagem de Clarisse Abujamra favorece o genro, seu marido (Paulo Vilhena). Palavras de Maria: "Quando a gente tem filho, pelo menos foi assim comigo, a gente começa a questionar o jeito como foi criada. E você fala que vai fazer diferente do que sua mãe fazia com você. Mas, sem nem se dar conta, você faz as coisas parecidas."

É um pouco a tragédia do filme. Maria acha que o marido antropólogo é folgado e está mais preocupado com as tribos da Amazônia do que com a família. Suspeita estar sendo traída por ele. Você pode achar que é demais para uma só mulher, mas ainda tem mais - e é essa complexidade que faz de "Como Nossos Pais" um filme rico. E, como todos anteriores de Laís, é muito bem feito, muito intenso. Muito bom.

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