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Núcleo Bartolomeu estreia espetáculo 'Baderna'

Redação Folha Vitória

São Paulo - Quem chegar na Rua Dr. Augusto de Miranda, na Pompeia, pode levar um tempo para reconhecer a sede do Núcleo Bartolomeu de Depoimentos. Ocupando, há oito anos, um espaço alugado em um conjunto de cinco galpões, o grupo viu, desde o fim do ano passado, seus vizinhos deixando o local. A construção, agora, tem aspecto de futuro empreendimento imobiliário, exceto pela área do Bartolomeu, que decidiu resistir até as últimas consequências.

Após receber pedidos para desocupação do espaço desde dezembro de 2013 - a mais recente notificação extrajudicial chegou na última terça, dando um prazo de 30 dias para a liberação do local -, o grupo briga pela permanência e estreia, nesta sexta-feira, 19, o espetáculo "Baderna".

O solo de Luaa Gabanini é inspirado na história da bailarina Marietta Baderna (1828-1870). Italiana, a artista viveu no Rio de Janeiro no período imperial. Seu comportamento, transgressor e libertário para a época, fez com que seu sobrenome se tornasse sinônimo de "bagunça" e "confusão" - e seus seguidores foram intitulados baderneiros.

"É uma metáfora da formação do povo brasileiro, algo que a gente discute muito no Bartolomeu", diz Luaa. "O que faz a mestiçagem não é só a mistura, mas o atrito da diferença. Esta história traz isso acima de tudo."

Inicialmente, a atriz, que também concebeu o projeto, não pensava em fazer a estreia na sede do grupo, ainda que já estivesse ciente do impasse do local. Com o agravamento do despejo, ela percebeu que seria uma boa oportunidade para compor um manifesto de resistência. "Eu já tinha a ideia de fazer a peça em um teatro abandonado, escuro, com escombros. Pensei 'Vamos quebrar tudo antes que eles quebrem!'."

Há algumas semanas, o coletivo chamou público e artistas para o que eles denominam de quebradeira - o piso do teatro foi retirado, o chão foi cimentado e a parede recebeu marretadas que deixaram os tijolos à mostra. É neste cenário com cara de abandonado que Luaa dá vida e movimento a Marietta - uma reverberação do que ocorre nos entornos do teatro.

Choque de direitos

Em uma atitude legítima, a incorporadora Ink negociou uma permuta com o proprietário do imóvel para construir o empreendimento residencial Tetrys Pompeia. Pela Lei de Locações, o direito de preferência de compra pelo locatário não alcança os casos de perda da propriedade por permuta. O porta-voz e integrante do Bartolomeu, Eugênio Lima, compreende o fato, mas enxerga, no imbróglio, uma sobreposição de direitos. "Esta questão não está apenas relacionada ao ponto de vista legal, mas tem uma dimensão cultural, social e política", diz Lima. "O direito de propriedade está, literalmente, passando por cima dos direitos à liberdade de expressão e ao acesso à cultura." Ele afirma, ainda, que as negociações não levam em conta a função social da propriedade, garantida pela Constituição.

Em nota enviada à reportagem, a Ink incorporadora afirma que está cumprindo à risca a legislação vigente. A empresa diz que "a tentativa de apropriação da palavra social com o intuito específico fere o real objetivo do dispositivo à luz do direito de propriedade, também consolidado pelo novo Plano Diretor e com regulamentação específica". O texto cita dez itens desta regulamentação que abrangem, entre outras exigências, ações para impedir a deterioração e a degeneração de áreas do Município, a recuperação de áreas degradadas ou deterioradas e a melhoria da paisagem urbana - o que incluiria a preservação de áreas de valor histórico e cultural. A Ink garante que o diálogo foi aberto com o Núcleo Bartolomeu de Depoimentos em dezembro de 2013 e que foi honrada a permanência do coletivo no imóvel até o último mês de maio, mas que, ao contrário do que teria sido acordado no início do diálogo, o imóvel não foi desocupado.

O grupo afirma que não pretende deixar o local. "Nossa ação não está em desocupar. Nossa energia está aqui", dizem. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

BADERNA

Núcleo Bartolomeu de Depoimentos. R. Dr. Augusto de Miranda, 786, Pompeia, tel. (011) 3803-9396. 6ª e sáb., 21h; dom., 20h. Contribuição voluntária. Temporada por período indeterminado.

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