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Cia. Razões Inversas celebra data com 'Filoctetes', de Heiner Müller

Redação Folha Vitória

São Paulo - No início, havia o verbo. E uma vontade incontrolável de subvertê-lo. Há exatos 25 anos, quando criou a companhia Razões Inversas, o diretor Marcio Aurelio pôs-se a revirar as palavras. Queria encontrar nos clássicos da literatura dramática perguntas e respostas que ecoassem no mundo sem balizas do contemporâneo.

Em 1990, tendo nas mãos um grupo de atores recém-formados da Unicamp, o encenador lançou-se a um texto consagrado - Fala Comigo Doce Como a Chuva - de Tennessee Williams, esquadrinhou-o à exaustão e fez, da história de amor de um casal nos anos 1950, uma reflexão sobre a condição de abandono que cerca a juventude em qualquer época. "Sempre tive interesse em buscar o que a grande literatura tem a dizer sobre a contemporaneidade", diz o encenador, que celebra o aniversário de sua companhia nesta sexta, 25, com a estreia de Filoctetes.

O texto escolhido não poderia dizer mais sobre o percurso do grupo. Trata-se uma versão de Heiner Müller para a tragédia de Sófocles - que, por sua vez, inspirou-se no mito grego.

Alinhado aos ideais pós-dramáticos, Müller rompe com a narrativa linear, dissolve as individualidades. Mas mesmo o Filoctetes de Sófocles, no século 4º a. C., já carregava uma dose considerável de novidade. Tirando a importância do coro e dando peso ao lugar do ator, diferenciava-se das peças do período.

Ao beber nesse contínuo de desconstruções e reinvenção de procedimentos, a Razão Inversas fez do atual espetáculo um meio de imiscuir-se na ordem do dia: uma profunda discussão ética, posta em movimento pela figura de um jovem que se vê dividido entre duas figuras: Odisseu, político que se vale de todos os meios, inclusive da mentira, para alcançar seus objetivos, e Filoctetes, um herói alquebrado. "O que Heiner Müller vem mostrar é que essa maneira de Odisseu fazer política, que coloca o bem maior como justificativa para todas as ações, que premia o utilitarismo, venceu", diz Marcelo Lazaratto, que integrou a Razões Inversas nos anos 1990 e retorna agora como parte de seu elenco.

A sensibilidade para sintonizar-se às questões que mobilizam a sociedade em determinadas épocas é um traço constitutivo do grupo. Em 1992, às vésperas do processo de impeachment de Fernando Collor, a companhia montava Ricardo III, drama histórico sobre a ascensão de um rei inescrupuloso e seu curto reinado. Em 2004, lançou-se à Agreste, desvelando os limites de gênero quando o tema ganhava vulto. "Ainda que não nos interesse a redução para tratar de uma tema político específico", ressalva Paulo Marcello, que participa do grupo desde sua criação. "Em Agreste, por exemplo, não interessava falar apenas sobre homofobia. Mas observar as muitas formas de intolerância."

Filoctetes é uma montagem inédita, mas inserida em um ciclo comemorativo que visitou trabalhos anteriores da companhia. Visita ao passado que permite entrever na nova peça a presença de uma série de traços constitutivos do trabalho do diretor: não se toma partido das ações que são levadas à cena. Os movimentos são desenhados, como se estivéssemos a mirar uma coreografia. E, o mais importante, busca-se, a todo custo, a completa compreensão do espectador. "Não adianta alguém sair dizendo que achou muito bonito, mas não entendeu nada", crê o diretor. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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