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'Escrever é minha única forma de preservar a memória', diz Kazuo Ishiguro

Redação Folha Vitória

São Paulo - Em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo em 2015, Kazuo Ishiguro, Prêmio Nobel de Literatura de 2017, explorou suas preocupações com a memória (particular e social). "Escrever é minha única forma de preservar a memória - não de uma forma científica, mas de como o homem consegue preservar sua dignidade ao longo dos tempos", disse na ocasião. "É o que me faz voltar ao conflito central do romance: é melhor preservar alguma lembrança que ponha em risco aquela sociedade ou seria mais prudente esquecê-la para preservar a paz?"

"O Gigante Enterrado", seu romance lançado em 2015, é uma curiosa incursão por uma Inglaterra medieval, cuja população sofre com ameaças que vão de uma invasão de ogros até uma misteriosa névoa que estimula o esquecimento. Ele disse, porém, ter evitado influências externas como a de "Game of Thrones", por exemplo.

"Toda sociedade tem algo enterrado na memória graças à ação de uma força bruta. Em meu romance, questiono se essas lembranças não estão de fato enterradas e se elas, ao ressurgirem, não podem provocar um novo ciclo de violência. Isso leva a um novo dilema, pois não sabemos se é melhor provocar mesmo um conflito para então recomeçar ou se seria melhor manter essa memória enterrada e esquecida", disse o autor.

Na entrevista, ele também se revelou fã de Bossa Nova: "adoro João Gilberto e Roberto Menescal". Ishiguro nasceu em Nagasaki, no Japão, em 8 de novembro de 1954, mas sua família se mudou para o Reino Unido quando ele tinha cinco anos. Ele só voltaria ao Japão depois de adulto.

Depois de se graduar em filosofia e escrita criativa no fim dos anos 1970, ele lançou seu primeiro romance, "A Pale View of Hills", em 1982, e desde então se dedica totalmente à literatura.

Seu livro seguinte foi "An Artist of the Floating World" (1986). Esses dois primeiros romances se passam em Nagasaki, poucos anos após a Segunda Guerra, e os temas aos quais a escrita de Ishiguro é associada já estão presentes aqui: tempo, memória e desilusão.

O romance seguinte, "Vestígios do Dia" (1989), recebeu o Man Booker Prize daquele ano e é provavelmente seu trabalho mais conhecido (um filme com Anthony Hopkins fez sucesso em Hollywood).

Segundo a Academia Sueca, a escrita de Ishiguro é marcada por um modo de expressão cuidadosamente contido, independente da trama. Seus romances mais recentes, porém, enveredam por temas mais ou menos fantásticos.

"Não Me Abandone Jamais" (2005) traz três clones criados para doar órgãos, mas envolvidos em questões puramente humanas, como a solidão e um senso angustiante de desilusão. Leia um trecho.

Influências musicais já eram sentidas nessa obra, mas com "Noturnos: Histórias de Músicas e Anoitecer", a única coletânea de contos de sua carreira, a música tem papel central nas relações entre os personagens, espalhados pela Europa. O livro saiu no Brasil em 2010.

Seu romance mais recente é justamente "O Gigante Enterrado", em que a fantasia se relaciona com a realidade para explorar temas como o esquecimento e a memória. Além dos seus oito livros (sete romances e uma coletânea de contos), Ishiguro também escreveu roteiros de filmes e para a TV.

Nobel

O anúncio de que Ishiguro havia ganho o Prêmio Nobel de Literatura de 2017 foi feito nesta quinta-feira, 5, em Estocolmo. A Academia atribuiu a distinção a ele "que, em seus romances de grande força emocional, revelou o abismo sob a nossa ilusória noção de conexão com o mundo". Depois da escolha pouco ortodoxa em 2016, com Bob Dylan, a premiação voltou a escolher um escritor mais tradicional.