Autores fazem diagnóstico dos desafios da dramaturgia
São Paulo - Resumir um encontro de autores não é tarefa fácil, mas um vocábulo pode dar o tom dos assuntos da reunião: "kafkiano". A palavra foi repetida pelo menos quatro vezes durante as mesas do 1º Congresso Brasileiro de Dramaturgia, que começou quinta e terminou ontem, na Praça das Artes, no centro de São Paulo. O Rio recebe sua edição do evento em versão diminuta, nos dias 3 e 4 de dezembro.
O termo foi usado, é claro, em referência às narrativas de Kafka, para que os dramaturgos pudessem expressar os absurdos da profissão: problemas na arrecadação de direitos, pífias políticas públicas, dificuldades de financiamento e diversos tipos de censura.
Um dos principais objetivos do congresso, a recuperação da Sociedade Brasileira de Autores (Sbat) foi posta em pauta logo na cerimônia de abertura, no Teatro Municipal. Presidente da instituição, o dramaturgo Aderbal Freire-Filho contou a história da Sbat que, criada em 1917 com o objetivo de representar os autores e fazer a arrecadação dos direitos autorais de seus associados, teve momentos de estabilidade e expansão, até entrar em uma fase de crise que tem consequências até hoje. "A Sbat tem uma fama péssima no Brasil e também no exterior, mas essa Sbat acabou", disse, enfaticamente.
De caráter mais histórico, a primeira mesa, intitulada Dramaturgos e Roteiristas - Pontos de Convergência, abordou parte da história da dramaturgia no Brasil, que ganhou outras vertentes com o surgimento de outras mídias: cinema, televisão, internet. A ideia da discussão foi atenuar as diferenças entre as profissões, mostrando que, no fim das contas, o ofício é o mesmo.
A necessidade de organização profissional também ficou clara no debate sobre a Lei do Direito Autoral, ainda em tramitação. Por vezes, palestrantes e público lembraram da classe dos músicos que, muito mais organizada, consegue se mobilizar melhor para receber seus direitos. O dramaturgo Marcílio Moraes falou sobre a necessidade separar os pagamentos de produção dos de exibição - a cada novo uso comercial de uma obra, o autor deveria ter participação nos ganhos. Na discussão, a roteirista Carolina Kotscho cobrou que cada profissional também faça a sua parte na negociação privada, quando o autor fecha o contrato com a produtora. "Não precisamos nos acuar, esperar o protecionismo da lei. Temos que ser ativos", disse, lembrando que, no Brasil, a lei tem de pegar para funcionar. "Estamos nesse 'mimimi' há 10 anos e não fizemos nada pragmático."
No sábado, 22, o dramaturgo Lauro César Muniz deu um tocante depoimento na mesa Existe Censura no Brasil Hoje?. Ele lembrou o caso do empresário Mário Wallace Simonsen, que, por recusar-se a exibir, na TV Excelsior, notícias que enalteciam o regime militar, sofreu graves consequências na própria emissora, na Panair (companhia aérea da qual também era dono) e na exportação de café.
Muniz falou, ainda, sobre a peculiar relação das TVs com o Estado, em que as emissoras dependem das concessões ao mesmo tempo em que têm um grande poder.
Presidente da Associação dos Roteiristas, Ricardo Hofstetter questionou se a classificação indicativa usada atualmente era de fato indicativa ou coercitiva. Responsável pelo roteiro de algumas temporadas da novela Malhação, ele destacou que a classificação era mais moderna antes do governo Lula. "Eu tinha que fazer um programa que refletia o cotidiano do adolescente, mas sem drogas, álcool ou violência. Depois reclamavam que o programa era alienante", reclamou.
Plenária
Até o fechamento desta edição, os participantes do congresso se reuniam para votar sobre dois assuntos: as criações de um Grupo de Trabalho para estudar as possibilidades de regulamentação da profissão e uma associação que una todas as outras associações de dramaturgos e roteiristas, sem tirar a autonomia de cada uma.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.