As finanças dos municípios capixabas atingiram um marco histórico em 2024. Foram investimentos públicos de R$ 4,41 bilhões, um recorde que representa aumento de 23,5% em relação a 2023. O ano passado teve um cenário de receitas e despesas equilibradas, mas os gastos com o custeio da máquina pública municipal tiveram um aumento expressivo de 58,4%. Os gastos com pessoal também cresceram.

A Serra foi o município que mais investiu no Espírito Santo no ano passado, seguida por Vitória, Cariacica, Vila Velha e Presidente Kennedy. Pela primeira vez desde 2015, as receitas e despesas totais dos municípios capixabas se equipararam, ultrapassando R$ 25 bilhões. Um sinal de alerta para cidades que gastam demais e podem se complicar mais à frente.

Alberto Borges é economista e editor da revista Finanças dos Municípios Capixabas, que reúne informações fiscais das cidades desde 1994. A primeira publicação da revista foi em 1995 e, nesses 30 anos, muita coisa mudou nos municípios do ES.

Veja abaixo a entrevista com Alberto Borges:

O que os números deste ano significam na prática?

Os números deste ano consolidam um período muito especial das finanças municipais. Os números surpreenderam em vários sentidos. O desempenho das receitas e, sobretudo, porque os municípios terminaram os mandatos com situação fiscal relativamente boa.

Também surpreendeu o nível de aplicação de recursos em infraestrutura, que foi muito significativo em todo o Espírito Santo.

Em 2024, onde foram aplicados esses R$ 4,4 bilhões?

Principalmente em infraestrutura, em obras e aquisição de equipamentos. No economês, investimento significa aplicar recursos em obras e máquinas. Inclui também prédios públicos, pontes e equipamentos. Foram investimentos recordes.

No último mandato dos prefeitos, o Espírito Santo registrou R$ 11,2 bilhões em investimentos totais. É claro que todos esses recursos não vieram apenas do caixa das prefeituras.

Qual o peso do Estado nesses investimentos?

O governo estadual teve presença muito significativa nesses números. Transferiu muitos recursos aos municípios.

Para cada R$ 1 investido pelas cidades, o Estado bancou cerca de R$ 0,25. Ou seja, 25% de todo o investimento municipal foi feito com recursos transferidos pelo governo estadual. Além disso, operações de crédito também tiveram papel expressivo, principalmente nas grandes cidades.

Receitas e despesas próximas acende um alerta?

Significa que as prefeituras estão gastando praticamente o mesmo que arrecadam. O que entra sai para custeio. Isso pode acender um sinal de alerta. Porém, esse equilíbrio não preocupa tanto.

Muitas despesas executadas em 2024 usaram poupanças de anos anteriores. O que preocupa mais é o indicador de poupança das cidades.

O que mede o indicador de poupança?

Mede quanto os municípios destinam da receita corrente para despesas correntes. Na média, ficou em 90%. Se um município arrecada R$ 100, gasta R$ 90 em custeio. Inclui pessoal, limpeza pública, merenda escolar e outros gastos correntes.

Esse número foi maior que nos anos anteriores e merece atenção.

Como a pandemia mudou esse cenário?

Mudou completamente. A pandemia foi um momento particular em todos os aspectos da vida econômica e social. Houve temor sobre as contas públicas. Porém, ao contrário do esperado, as coisas caminharam bem.

As despesas recuaram com a paralisação de serviços e o governo federal deu aportes significativos. Além disso, proibiu reajustes salariais, que são parte importante da despesa corrente.

Então, a pandemia deixou uma herança positiva…

Sim, ironicamente, deixou. Os municípios constituíram uma poupança significativa. Em 2021, o indicador de poupança caiu para 80%. Depois, cresceu rapidamente e fechou 2024 em 90%.

Isso deu fôlego para investimentos e fortaleceu politicamente os prefeitos. Foi decisivo para a maior taxa de reeleição já registrada no Brasil.

E agora, em 2025, o cenário mudou?

Mudou sim. Em 2024 as receitas cresciam quase dois dígitos. Agora, crescem apenas 1% ou 2%. O momento exige que os municípios controlem mais as despesas. Não apenas reduzir gastos, mas também avaliar a qualidade do gasto público.

O Brasil discute pouco a qualidade dos serviços. Isso deveria ser prioridade dos governos locais.

O ano que vem é eleitoral. Isso pode piorar a situação fiscal?

Pode haver ampliação da oferta de recursos aos municípios. Sempre há pressão política, mas não vejo grande risco fiscal. O que pode acontecer é o Estado repassar ainda mais recursos.

Os municípios ganharam protagonismo na execução de investimentos locais. É mais fácil realizar obras pequenas e de infraestrutura básica por meio deles.

Quais são os melhores índices dos municípios capixabas hoje?

Nenhum município gasta acima do limite máximo de 50% da receita com pessoal. Isso é positivo. No entanto, o indicador de poupança piorou e preocupa.

Hoje, os números ainda são relativamente bons. O alerta está ligado, porém o cenário ainda é favorável. Nesse sentido, o desafio é manter a disciplina fiscal e reforçar a poupança.

E qual é o principal ponto de atenção?

Os prefeitos e secretários precisam definir uma taxa de poupança desejada para suas cidades. Essa reserva é essencial para enfrentar crises e manter investimentos futuros.

Boa saúde financeira mostrou ser politicamente positiva. Controle de gastos não atrapalha; pelo contrário, fortalece a gestão e melhora a imagem política.

O ES tem nota A em finanças. Como isso impacta os municípios?

Impacta diretamente. O Estado responde por 25% dos investimentos municipais em infraestrutura. Esse é um índice elevado no Brasil. As contas organizadas do Estado dão segurança ao servidor, garantem obras estaduais e ampliam repasses. Isso significa mais recursos para aplicação nas cidades capixabas.

Entre os municípios, quais se destacam?

A Serra lidera investimentos, seguida por Vitória, Cariacica, Vila Velha e Presidente Kennedy. Serra combina alta capacidade de crédito e dedicação de recursos próprios. Presidente Kennedy investe muito graças aos royalties de petróleo, que só podem financiar infraestrutura. Cariacica vive uma transformação com investimentos logísticos e já disputa espaço com Vitória no ICMS.

E Vila Velha, por que não engrena como esperado?

Vila Velha também investiu muito, com apoio expressivo do Estado e operações de crédito. Porém ainda não apresenta o mesmo ritmo de crescimento que Serra ou Cariacica. Vitória se diferencia, pois investe principalmente com recursos próprios e possui colchão de caixa robusto, acumulado na pandemia.

Investimento público ajuda a atrair empresas?

Sim, porque melhora a infraestrutura e qualidade de vida. Isso atrai investidores. Mas a decisão empresarial envolve também localização geográfica e logística.

Municípios como Serra, Cariacica e Aracruz despontam como polos de atração justamente por esses fatores.

Como você avalia 30 anos de evolução das cidades capixabas?

Evoluímos muito em transparência e tecnologia. Antes os dados eram coletados manualmente, hoje estão disponíveis online.

Passamos por várias crises, mas as instituições e legislações ajudaram a superar. A economia brasileira mostrou resiliência notável em diferentes períodos, mesmo com juros altos ou choques externos.

E o que esperar dos próximos 30 anos?

Temos pela frente a reforma tributária, com longo período de transição. Não será fácil, mas acredito em avanços. Sou otimista.

O Brasil tende a se consolidar como economia forte. Os municípios também se consolidarão e estarão mais preparados. Mas os próximos quatro anos exigirão cautela, pois não teremos a mesma folga fiscal de 2021 a 2024.

Alberto Borges é economista e editor do anuário Finanças dos Municípios Capixabas
Edu Kopernick

Editor de Economia

Edu Kopernick é jornalista formado na Faesa, especialista em Comunicação Organizacional pela Gama Filho, com experiência em reportagens especiais para veículos nacionais e séries sobre economia do Espírito Santo. Já teve passagens pelos principais veículos de TV, rádio e webjornalismo do Estado. É editor de Economia do Folha Vitória desde 2024, apresentador de TV e host do videocast ValorES.

Edu Kopernick é jornalista formado na Faesa, especialista em Comunicação Organizacional pela Gama Filho, com experiência em reportagens especiais para veículos nacionais e séries sobre economia do Espírito Santo. Já teve passagens pelos principais veículos de TV, rádio e webjornalismo do Estado. É editor de Economia do Folha Vitória desde 2024, apresentador de TV e host do videocast ValorES.