As mudanças da reforma tributária podem influenciar diretamente a atração de empresas e a geração de negócios para o Espírito Santo. As mudanças na forma de arrecadação começam a ser implantadas a partir do ano que vem e especialistas apontam o conjunto de medidas como uma profunda reestruturação no sistema de imposto sobre o consumo. Na teoria, a reforma prioriza simplificação, transparência e justiça fiscal.
O novo modelo substitui tributos federais, estaduais e municipais por dois impostos principais e será implementado de forma gradual até 2033. A grande novidade será a criação do IVA dual: a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), de competência federal, e o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), de competência estadual e municipal. Eles vão substituir impostos como PIS, COFINS, ICMS, ISS. Do mesmo modo o Imposto Seletivo vai incidir sobre produtos prejudiciais à saúde e também ao meio ambiente.
O advogado Flávio Cheim é especialista em direito empresarial, lida com grandes empresas e conhece de perto os temores com as novas regras que vêm por aí. E aqui no Espírito Santo essas dúvidas têm um peso diferente, já que o Estado é apontado como dos maiores afetados no país com a reforma. Vamos saber como vamos sentir os efeitos e como se preparar para o que vem por aí.
Veja abaixo a entrevista com o advogado e professor Flávio Cheim:
Como o ES deve se preparar para a reforma tributária e o fim dos incentivos fiscais?
Durante muito tempo, o Espírito Santo usou incentivos fiscais para atrair grandes empresas. Nosso Estado sempre buscou compensar a ausência de indústrias locais com políticas que estimulassem a vinda de empresas de fora.
Usamos o Fundap e a estrutura portuária como atrativos. Porém a reforma tributária vai acabar com a guerra fiscal. Os estados não poderão mais conceder benefícios fiscais. Com isso, vence a meritocracia. Ou seja, os estados mais organizados politicamente, juridicamente e administrativamente terão vantagem para atrair empresas.
O Espírito Santo já percorreu um caminho importante de reconstrução institucional. Eu voltei ao Estado em 1999, em um momento de grave crise política e moral. Vivíamos sob forte influência do crime organizado. A partir do governo Paulo Hartung, houve uma mudança completa de rumo. A sociedade civil, a OAB e o Fórum Espírito Santo Real reagiram.
Construímos estabilidade institucional e um ambiente de segurança jurídica que se mantém há mais de 20 anos.
Que fatores sustentam essa estabilidade?
Temos instituições sólidas e coerentes. O Tribunal de Contas é referência nacional. O Ministério Público atua com eficiência. A Assembleia Legislativa cumpre seu papel. E o Judiciário capixaba é rápido e transparente.
Essa coerência institucional garante previsibilidade. E previsibilidade é o que o investidor mais valoriza.
Como avalia o amadurecimento democrático do ES?
Vivemos um amadurecimento claro. Tivemos duas eleições marcantes: Érika Neves, primeira mulher a presidir a OAB-ES, e Janete Vargas Simões, primeira presidente eleita diretamente no Tribunal de Justiça. Isso mostra inclusão e evolução institucional.
Também temos uma renovação política importante na Grande Vitória, com jovens prefeitos em Vitória, Vila Velha, Serra e Cariacica.
O ES é um dos poucos estados com nota máxima em gestão fiscal. O que isso representa?
É um selo de credibilidade. O Espírito Santo tem nota “A” do Tesouro Nacional, junto com Mato Grosso, Ceará e Pará. Isso significa que o Estado cumpre a Lei de Responsabilidade Fiscal, paga em dia e pode captar recursos.
Essa reputação atrai empresas e empreiteiras de fora, que confiam que receberão pelos serviços prestados.
Você acredita que a localização geográfica também é uma vantagem competitiva?
Sim. O Espírito Santo está bem posicionado, próximo aos grandes centros e com acesso direto ao litoral. Essa localização facilita exportações e importações. No entanto, precisamos investir mais em logística e infraestrutura.
A privatização da Codesa, por exemplo, foi um marco importante. Ela modernizou o porto e trouxe eficiência, tecnologia e novos players.
Que outras privatizações você destacaria nesse processo?
A privatização da ESGás também foi essencial. A empresa Energisa assumiu e se comprometeu com grandes investimentos. O gás encanado é vital para a indústria, pois é energia barata e eficiente. Com a ESGás e o porto privatizados, o Espírito Santo ganha competitividade.
A logística ainda é um desafio?
Sim. Tivemos avanços com o Contorno do Mestre Álvaro, mas ainda faltam as ferrovias. Temos dois projetos ferroviários importantes: um ligando Santa Leopoldina a Anchieta e outro de Anchieta a Presidente Kennedy. Eles precisam sair do papel para destravar o crescimento.
O turismo pode compensar as perdas da reforma tributária?
O turismo é uma grande vocação do Espírito Santo. Temos praias e montanhas maravilhosas. O setor gera emprego e renda, porém precisamos qualificar o serviço. Falta treinamento.
Em outros estados, o atendimento é melhor. Precisamos investir em capacitação e em gestão para que o turismo seja realmente competitivo.
Que medidas o ES deve adotar para ser mais eficiente após a reforma?
O ES precisa ampliar parcerias público-privadas. O modelo de PPP permite agilidade, tecnologia e eficiência. O Estado, sozinho, é engessado por leis de licitação.
As PPPs unem o poder público e a iniciativa privada em projetos de educação, transporte e infraestrutura. A eficiência do futuro virá dessas parcerias.
Como as empresas veem o ambiente de negócios no ES?
Veem com otimismo. A segurança jurídica é real. O investidor sabe que as regras são claras e estáveis. O Judiciário é célere, e os órgãos de controle são atuantes. Essa coerência institucional cria confiança.
O empresário quer previsibilidade. Ele investe onde sabe que o contrato será cumprido e o pagamento será feito.
Você lançou recentemente um novo livro sobre recursos. O que espera com ele?
Lancei, junto com o professor Tiago Siqueira, o livro Recursos Cíveis: Teoria Geral e Recursos em Espécie. É fruto da minha experiência de mais de 20 anos como professor da Ufes e advogado.
O livro une teoria e prática, com apresentação do professor Marcelo Abelha e prefácio da ministra Nancy Andrighi. É uma obra que ajuda estudantes e operadores do Direito a compreender o sistema recursal de forma moderna e aplicada.