Entrevista de Domingo

Kaumer Chieppe: "O empreendedor capixaba é forçado a pensar grande"

Kaumer Chieppe garante que o Grupo Águia Branca está atento a oportunidades de mercado e a empresa deve continuar com foco em logística para manter o crescimento em torno de 20% ao ano. Crédito: Reprodução de TV
Kaumer Chieppe garante que o Grupo Águia Branca está atento a oportunidades de mercado e a empresa deve continuar com foco em logística para manter o crescimento em torno de 20% ao ano. Crédito: Reprodução de TV

A logística é um dos principais arranjos produtivos da economia capixaba. O Estado tem atraído mais de R$ 100 bilhões em investimentos logísticos até 2030, a maioria de capital privado ou misto. Ou seja, o mercado confia no potencial capixaba. E temos por aqui empresas gigantes do setor, como o Grupo Águia Branca.

Nesse contexto, do Espírito Santo como um dos principais hubs logísticos do Brasil, é preciso citar a importância de empresas capixabas que atuam no segmento. Nesse sentido, uma das mais tradicionais e importantes empresas voltadas para a logística no Brasil é capixaba. A Águia Branca nasceu aqui no estado, mais precisamente em Colatina, em 1946. 

A empresa começou como viação de ônibus, cresceu, diversificou e se adaptou. Hoje, o grupo opera com o transporte de passageiros por meio rodoviário na Bahia, no Espírito Santo, em Minas e São Paulo. A divisão de logística opera com soluções customizadas, incluindo locação e gestão de frotas, movimentação de cargas, traslados de pessoas e comercialização de seminovos. Tudo isso com operações que abrangem todo o Brasil e ainda o Mercosul. 

Já a divisão de comércio é formada por concessionárias de veículos leves e comerciais de marcas renomadas como Toyota, Jeep, Mercedes-Benz e agora, mais recentemente, a chinesa BYD. E além disso, ainda atua com locação de automóveis. 

O grupo tem hoje mais de 14 mil colaboradores. Em 2024, registrou receita líquida consolidada de R$ 14,4 bilhões, bem como um crescimento de 20% em relação a 2023. 

Quem está à frente do grupo é Kaumer Chieppe. Da família dos fundadores, ele atua nas empresas desde 1982, quando começou como auxiliar de escritório. É um movimento planejado para que cada membro da família conheça a empresa de perto. Do mesmo modo, a preocupação com a formação de sucessores acabou se transformando em um ponto forte do grupo.

Veja abaixo a entrevista com Kaumer Chieppe:

Como você vê o processo de sucessão e que lições o mercado pode tirar da experiência do Grupo Águia Branca?

A gente sempre teve uma governança muito mais organizada a partir de 1993. Antes disso, basicamente, cada um dos irmãos ia para uma região, decidia e resolvia por conta própria. Estou falando dos meus tios e do meu pai. 

A partir de 1993, começamos a nos organizar melhor e essa transição para a minha geração foi um sucesso. Tivemos um crescimento médio de 16% a 18% ao ano como grupo.

Sempre tivemos muito cuidado com organização, transparência e clareza. O pior que pode acontecer numa empresa familiar é uma briga na família, porque isso impacta diretamente a empresa. Por isso, a governança sempre foi tratada com muito cuidado.

Tivemos, inclusive, um sócio na VIX Logística com uma conselheira que foi presidente do IBGC (Instituto Brasileiro de Governança Corporativa), o que fortaleceu ainda mais essa estrutura.

O grande desafio agora é fazer a sucessão da nossa geração. Eu fico mais um ano e meio como presidente do grupo. Nossa missão agora é preparar bem essa transição, com antecedência e assertividade. Ou seja, para que quem vier esteja preparado. Depois disso, seguimos no conselho de acionistas.

O que o mercado capixaba ensina ao Grupo Águia Branca e como isso contribui para estratégias locais e globais?

O Espírito Santo tem um ambiente de negócios muito qualificado, com empreendedores de muita competência. Por ser um estado pequeno, ele praticamente obriga o empreendedor a sair, a expandir. O Grupo Águia Branca mesmo, por exemplo, começou sua operação fora do Estado, de Valadares a Teófilo Otoni, antes de se consolidar aqui.

Hoje, estamos presentes em todo o Brasil e na Argentina. Temos a maior rede de concessionárias Toyota da América Latina e somos a segunda maior rede Mercedes-Benz de veículos comerciais e BYD no Brasil. A VIX Logística tem operação na Argentina. 

Outros grupos capixabas também expandiram para fora do Estado: Autoglass está até na Colômbia. A Fortlev também já ultrapassou as fronteiras nacionais, o Francisco Carvalho, da Timenow, está com operações em Nova Iorque e projetos no Chile. Ou seja, o empreendedor daqui já nasce com essa limitação de espaço. O empreendedor capixaba é forçado a pensar grande. Isso acaba sendo um fator de sucesso.

Como foi receber o prêmio Brazilian Jaguar of the Year, em Nova York?

Me senti honrado por ter recebido esse prêmio em nome de todos os nossos colaboradores. Quem faz o dia a dia do Grupo Águia Branca são essas pessoas: vendendo veículos, transportando pessoas, atendendo grandes clientes na logística. Eu apenas represento esse time todo. Ou seja, foi uma honra estar lá por eles.

O que falta para o ES ganhar mais espaço na agenda de investidores e empreendedores internacionais?

Acho que isso já está acontecendo. Nós mesmos tivemos um investimento de um braço do Banco Mundial. O pessoal da Medsenior, por exemplo, tem um investidor de Singapura. O Léo Vieira, da Tractian, está nos EUA, morando lá. Nesse sentido a empresa dele foi avaliada em mais de R$ 1 bilhão. Isso está se tornando natural, porém poderia estar em uma velocidade maior.

O governo do Estado tem investido em startups e criou uma secretaria nova para atração de investimentos, o Invest ES. Além disso, há um esforço para qualificar o turismo, o que também é importante. A Apex está fazendo um trabalho excelente nesse sentido. O evento em Nova York (Brazilian Regional Markets) foi muito bem frequentado, com governadores, ex-ministros, CEOs e investidores. Acho que estamos no caminho certo, estou otimista.

Como você vê o atual momento logístico do ES? Como o Grupo Águia Branca vai aproveitar esse cenário?

O Espírito Santo vive um momento logístico muito promissor. Tem investimentos importantes como o do Grupo Imetame com o porto. Do mesmo modo tem o Porto Central no Sul do Estado, a linha ferroviária que está para sair (EF-118), melhorias na BR-262. Ou seja, tudo isso vai qualificar ainda mais o Estado e fortalecer sua vocação natural para o comércio exterior.

O Grupo Águia Branca sempre foi referência no transporte rodoviário. Tem participação na Azul Linhas Aéreas. E em relação aos portos?

A gente sempre estudou o setor portuário, mas o nosso perfil nos levou a atuar mais como prestadores de serviço nos portos e não como investidores diretos. O investimento em porto exige muito capital e o nosso grupo já é bastante asset heavy — caminhões, automóveis, empilhadeiras, etc.

Então, preferimos participar prestando serviço para os clientes ou para os próprios portos. É onde conseguimos gerar mais valor.

Como você avalia o mercado de veículos eletrificados no Brasil?

Só para pontuar, além da BYD, investimos recentemente na New Holland, no setor do agronegócio, já presente em Goiás. O momento no agro, especialmente com a soja, não é tão bom, mas está começando a melhorar.

Quanto aos eletrificados, acho que há espaço para os 100% elétricos, mas ainda é limitado. Para quem mora em cidade grande, pode fazer sentido. Mas, nas estradas, ainda faltam carregadores. Por isso, o momento atual é do híbrido.

Nos veículos comerciais, como ônibus e caminhões, os VUCs (Veículos Urbanos de Carga) para entregas urbanas podem ser 100% elétricos. Porém para longas distâncias, o futuro deve passar por soluções como o hidrogênio ou o diesel verde. Vou até a Portugal agora em junho para conhecer uma operação de ônibus com hidrogênio. 

O diesel verde também é promissor, embora mais caro. Ele vem de óleos e gorduras e é uma solução limpa. Ainda é incipiente, mas acredito que o mercado caminha para isso.

O Grupo Águia Branca sempre teve atuação na logística, mas também buscou diversificação em alguns momentos. O grupo pensa, a médio ou longo prazo, em diversificar novamente?

Pode ser, não descarto. No entanto, nosso foco, na verdade, é entender as opções que existem. Nossos clientes também querem estar atualizados sobre isso. Ou seja, hoje, nosso foco é entender para onde as coisas estão indo e oferecer isso para os nossos clientes.

Inclusive, nós já temos uma operação com caminhão 100% elétrico. E por que funciona? Porque está em uma área restrita do cliente. Não roda em rodovias públicas, é uma área fechada. Nesse caso, funcionou muito bem e acho que vamos até crescer com isso.

A gente mesmo fez essa adaptação: pegamos um cavalo mecânico seminovo, com três anos de uso, tiramos a motorização a diesel e fizemos a transformação para 100% elétrico. Está funcionando muito bem. Ou seja, tem várias soluções que funcionam em situações específicas. No entanto, algumas fazem sentido em determinados contextos e em outros, não. 

Para automóveis, acho que hoje o modelo híbrido faz mais sentido. Para veículos comerciais, ainda é o diesel. O futuro pode estar nos combustíveis alternativos.

O Grupo Águia Branca tem concessionárias de marcas diferentes, inclusive concorrentes. Como conciliar esses interesses?

Escolhe o cliente. Deixa o cliente escolher. A gente tem todos os produtos à disposição. É verdade que, às vezes, existem sobreposições entre as marcas, mas nossa relação com todas elas é muito boa. Sempre buscamos relações de longo prazo, tanto com fornecedores quanto com clientes.

A relação com marcas como Toyota e BYD, por exemplo, é excelente. Do ponto de vista do cliente, ele tem à disposição as melhores marcas para escolher.

Como o grupo lida com a chegada de novas marcas, principalmente chinesas, no mercado de eletrificados?

A gente está aproveitando por outro ponto de vista. Ou seja, nossa área de logística, por exemplo, ganhou contratos com marcas como Omoda e Great Wall. Nesse sentido, estamos transportando para eles, os concorrentes das marcas que representamos.

A gente agrega valor. Tem espaço para todo mundo. A BYD é a maior na China. A Toyota é a maior no Japão – e no mundo, se considerarmos valor de mercado. A gente busca parceiros fortes no setor de concessionárias e também presta serviço logístico para quem quiser. É assim que agregamos valor.

Nossos caminhões “cegonha” são modernos, oferecem eficiência operacional e têm índices de avarias muito baixos em comparação com os concorrentes. Isso tem nos permitido crescer, mesmo transportando veículos das marcas concorrentes.

Como surgiu a decisão de entrar no mercado de aluguel de carros? Isso é bem diferente de vender veículos.

Quando assumi a logística do grupo em 1998, a gente estava começando essa experiência com aluguel de carros. E tudo na vida é aprendizado. Parece simples, mas não é. Nosso primeiro cliente era do setor de segurança e esses operadores eram, como a gente brinca, “cupins de aço”. Não foi uma experiência boa. Mas a gente aprendeu.

Aprendemos a precificar, a entender o valor residual dos veículos. Se o cliente destrói o carro, lá na frente é prejuízo. Então fomos evoluindo para entender como prestar esse serviço com eficiência. Você aprende ao longo do caminho.

E como saber o momento certo de investir, diversificar ou até mesmo desistir de um negócio?

Esse é o pulo do gato. A gente aposta em algo e faz de tudo para aquilo dar certo. Vai aprendendo, ajustando. Mas chega um momento em que você diz: “Alguém faz isso melhor que eu, e eu não consegui”. E aí a gente desapega.

É como uma startup: testa, erra, ajusta. A gente sempre foi uma empresa mais tradicional, mas esse espírito de testar e avaliar sempre esteve presente. Hoje, estamos menos diversificados. Focados em três verticais: transporte de passageiros (linhas de ônibus regulares), concessionárias e logística.

Essas são as áreas em que somos bons. E é para elas que direcionamos nossos recursos e talentos. Onde colocamos energia, as coisas evoluem com mais sucesso.

Como você avalia o momento institucional do ES?

É um momento muito bom. Desde 2003, temos um Estado bem gerido, com uma gestão pública qualificada, entregando uma administração financeira sólida. Nesse sentido, ao mesmo tempo, há investimentos que ajudam o Estado a crescer. E isso principalmente na área de logística, que é a nossa praia. Porém, há também investimentos em infraestrutura como um todo.

Esse ambiente institucional tem sido muito positivo para os empreendedores capixabas e também para quem vem de fora. É um ambiente de negócios favorável, onde o governo faz o seu papel e, o mais importante, não atrapalha.

Em 2024, o Grupo Águia Branca cresceu 20%. Até onde você acha que o grupo pode chegar?

Crescer faz parte da nossa cultura. A gente não para. Sempre quer mais, quer expandir para outras regiões.

Na logística, somos grandes, mas nossa participação de mercado no Brasil ainda é pequena – não chega a 1%. Ou seja, tem muito espaço para crescer.

Temos crescido com a BYD, com a New Holland. Estamos consolidados com Toyota, Mercedes, Jeep… há muita oportunidade. 

O Brasil é difícil, com juros altos, mas tem espaço para quem quer trabalhar. E a gente quer. Por isso, seguimos crescendo.

Kaumer Chieppe é presidente do Grupo Águia Branca

Veja abaixo a entrevista completa: