Já virou rotina: pais agarrados ao alambrado, no caso do futebol de campo ou soçaite, ou às redes que separam a quadra da arquibancada nas partidas de futsal. Dali, disparam xingamentos, ofensas e cobranças exageradas direcionados aos árbitros, treinadores, adversários e até mesmo em cima dos próprios filhos.
Uma situação que fez a Federação Espírito-Santense de Futsal (FESFS) ligar o alerta e lançar a Campanha “Pra Ontem”, dando cartão vermelho aos pais que exibem mau comportamento nas competições.
Recentemente, viralizou um vídeo da Federação Paulista de Futebol (FPF) justificando a proibição da presença de pais em jogos das categorias sub-11 e sub-12, justamente por conta do aumento da violência verbal e física de quem deveria apoiar e incentivar os seus filhos.
No Espírito Santo, a FESFS também se movimenta, desde o início do ano passado, para “educar” os pais e criar um ambiente mais saudável para os jovens atletas.
“Existe uma preocupação nacional com o comportamento dos pais com os atletas crianças, de 11, 13, 15 anos. Pais que, na maioria das vezes, não conseguiram ser jogador de futebol e que transferem isso para os meninos de uma forma agressiva, de uma forma violenta. Pai indo para quadra, para campo de futebol para xingar árbitro, treinador e brigar com adversário. Isso não cabe no nosso futebol.”
Arnaud Cordeiro, presidente da FESFS
Mau comportamento pode gerar punição aos times
O dirigente explica que os casos mais agressivos podem levar a punição das equipes pelo Tribunal de Justiça Desportiva (TJD-ES).
“Sempre que é possível identificar o autor, levamos o relatório ao tribunal, que tem punido equipes com multas e até proibição de entrar no ginásio. É cultural, não deveria. Mas se depender da federação, isto aos poucos acabará no futsal”, afirma o presidente da FESFS.
A reação dos pais em relação à campanha da federação é, na maioria das vezes, de apoio. Mas há episódios de pais que não entendem assim.
“Alguns pais apoiam, outros dizem ser exagero, que isto não acontece, que a federação quer proteger os árbitros e coisas assim. Só que nem sempre é com a arbitragem. É também com outros pais e até mesmo com os atletas adversários”.
Árbitros são os principais alvos da ira dos pais
Assim como no futebol profissional, os árbitros são os principais alvos da ira dos pais também nas competições de base, seja no campo ou no salão.
Diretor do Departamento de Árbitros da FESFS, Joel Ribeiro dos Santos revela que há relatos que pais que partem para a agressão física.
“Eu até falo para os árbitros: ‘não querem ser xingados, não vão arbitrar jogos’. Mas a minha preocupação maior é quando os pais partem para a agressão física. Nestes casos, enviamos os relatórios dos árbitros para o TJD-ES”, conta Joel.
“Existem falas que inibem o comportamento dos atletas”
Leonardo Pasolini é responsável pela Athlos, equipe que disputa os campeonatos da FESFS e também de outras entidades. No início do mês, o time conquistou a Copa Minas & Espírito Santo na categoria sub-14 (nacional) e sub-12 (regional).
Dirigente e treinador, ele concorda com a campanha da FESFS e pede até que ela seja mais incisiva.
“Acho que ela poderia ser mais explorada pela própria federação, pois fica muito para os clubes a obrigação de informar os pais sobre as punições. Acho que poderia ter uma divulgação diferente, com vídeos informativos, por exemplo. Ficaria mais visível para todo mundo. Não é uma crítica à federação, é só um detalhe. É uma ação que protege os treinadores, protege os atletas e protege o ambiente. Isso é importante”, destaca.
De dentro da quadra, Leonardo percebe mudanças de comportamento dos jovens atletas quando as cobranças dos responsáveis “passa do ponto”. E lembra que há estudos científicos que comprovam essa queda de rendimento.
“Em relação aos atletas ficarem intimidados, incomodados com as cobranças exageradas, isso é visível em muitos jogos. Acontece com as cobranças dos responsáveis, mas também dos treinadores. Existem muitas falas que inibem o comportamento dos atletas, geram estresse e impactam na autoestima. Isso, sendo recorrente, tem estudos que mostram que os atletas abandonam o esporte”, alerta Pasolini.
Ele busca conversar individualmente com os pais quando identifica atitudes inaquadas, mas prevê que, num futuro próximo, será necessário criar uma “cartilha de comportamento”.
“No final de tudo, o que falta é educação. Muitas das vezes, a gente não controla as emoções, e quando entra num ambiente competitivo é pior ainda. Todo mundo tem muito acesso ao futebol, ao futsal e se acha entendendor daquilo, acha que pode falar qualquer coisa”.
Proibição de bebidas alcoólicas nos ginásios
Roberto Gomes é organizador de competições de futsal. E tem a difícil missão de, além de atrair equipes e organizar tabelas, cuidar para que os ginásios sejam ambientes saudáveis para os atletas, treinadores e para torcedores.
Entre os cuidados, está a proibição do consumo de bebida alcoólica nos ginásios. Outra ação tomada por ele é usar o microfone para coibir atitudes desrespeitosas.
“Já aconteceu de presenciar os pais mais exaltados. Inclusive, uma vez foi uma mãe, em Nova Venécia. Ela agiu com preconceito, de forma nada agradável e eu chamei a polícia. E ela ‘deu no pé’. Deu um mês e eu a reencontrei numa quadra e ela estava igual a um anjo. Às vezes, precisamos repreender o pai para que ele pare. Eu pego o microfone e peço pra parar. Pra deixar criança ser criança”.
Roberto conta que também já viu atletas que são crianças chorarem no banco devido às broncas dos técnicos. E cobra uma mudança de postura dos treinadores e, principalmente, dos pais dos atletas.
“Está ficando feio, muito feio. Xingar, reclamar e interferir no trabalho do treinador ou do árbitro não ajuda o atleta, atrapalha. O esporte é aprendizado, respeito e parceria. Devem torcer, incentivar e cabe ao treinador trabalhar. A melhor torcida é aquela que apoia, vibra e inspira bons exemplos!”, define o organizador.