
Entre as salas de aula de escolas públicas e os tatames, a missão de ensinar crianças e adolescentes sempre acompanha o professor Frank Muller. Responsável pela Academia Bulldog, que dá aulas de jiu-jítsu a jovens carentes em Vila Graúna, Cariacica, ele inspira os alunos através da disciplina e da prática do esporte.
Frank Muller é professor de artes na Serra durante a manhã, regente de sala de aula em uma escola municipal de Cariacica durante a tarde, além de mestre em jiu-jítsu, dando aulas da modalidade durante a noite, em Vila Graúna.
A Academia Bulldog recebe jovens em situação de vulnerabilidade, muitos sem condições de arcar com os custos de equipamentos e treinamentos de jiu-jítsu. O mestre não cobra pelas aulas, que são mantidas através de doações de alguns pais e muito esforço do professor e de membros da comunidade.
Nossa academia só funciona porque nós contamos com o apoio dos pais que contribuem com um valor simbólico para a gente pagar aluguel. A gente não tem qualquer tipo de ajuda externa, nenhuma. Isso não quer dizer que a criança cujos pais não podem contribuir vai deixar de treinar. Ela treina, sim.”
Frank Muller, professor

Atualmente, a academia tem cerca de 50 alunos. Frank estima que por volta de 30% das famílias têm condições de contribuir com algum valor para manter a iniciativa viva, enquanto outras ajudam quando podem. Há ainda famílias que não têm condição alguma de ajudar, mas o mestre enfatiza que todas as crianças recebem todos os benefícios.
O mestre também é autista de suporte nível 1, que carece de menos necessidades especiais, e tem alunos autistas na academia, inclusive o filho de cinco anos, de suporte nível 3, o nível que precisa de maiores cuidados.
“Oss”: respeito e disciplina em 1º lugar
Para Frank, o bom comportamento dos alunos no tatame, nas salas de aula e na vida é primordial. “A palavra que a gente usa para tudo é o ‘Oss'”, conta o mestre.

O “Oss”, palavra muito comum no jiu-jítsu, é derivado do termo japonês “Osu”. A expressão é usada para cumprimentar, tanto na entrada como na saída, para respostas positivas e serve para demonstrar respeito com o professor, os adversários e os colegas.
A aluna de 14 anos, Amanda Davoli, conta que, através das aulas de jiu-jítsu conseguiu melhorar o comportamento e até mesmo a sua relação com as pessoas. Ela tem o objetivo de conquistar títulos importantes no esporte, como o pan-americano e o mundial.
O jiu-jítsu me ajudou a melhorar meu foco, minha memória e me ajudou muito nas relações com as pessoas. Eu era muito tímida e meio explosiva, admito.”
Amanda Davoli, aluna da Academia Bulldog

O mestre explica que, semanalmente, os jovens levam um documento para a escola que precisa ser preenchido pelos professores e pelas famílias, de acordo com as atividades realizadas.
Na medida que as marcações da disciplina são preenchidas, os alunos podem graduar a faixa no jiu-jítsu. Quando o aluno atinge o quarto grau em determinada faixa, ele fica apto para progredir para a próxima faixa, mas isso só acontece se ele mantiver a disciplina e o bom comportamento.
Professor promove a inclusão de alunos autistas
Autista, o professor conta que tem quase dez alunos autistas na academia. Ele próprio reconhece as dificuldades, mas vê o potencial de evolução em cada um.
Alguns pais nos procuraram perguntando se a gente aceita aluno autista. Na verdade, eu costumo perguntar se eles vão nos aceitar. Porque o aluno autista tem prioridade em tudo.”
Frank Muller
Segundo o professor, os alunos do espectro costumam ser muito dedicados. No início, os treinos são adaptados até que eles se sintam mais a vontade. “Aos poucos, eles vão se igualando a todo mundo e até passam, se se dedicarem”, comenta o mestre.
É o caso do Ikaney Vieira, de 12 anos, autista de suporte 1 que já é faixa laranja com quatro anos de prática do esporte. Ele ajuda inclusive a ministrar as aulas na Academia Bulldog. Para o adolescente, o jiu-jítsu ajudou muito no seu desenvolvimento.
O jiu-jítsu ajudou muito no desenvolvimento na escola e na vida, porque antes eu fazia muita bagunça e era bastante elétrico. Meu sonho no jiu-jítsu é alcançar o máximo que eu puder.”
Ikaney Vieira, aluno da Academia Bulldog

Aulas de jiu-jítsu começaram dentro de escola
A iniciativa de ensinar jiu-jítsu aos alunos da escola surgiu há quatro anos e tem crescido cada vez mais. Atualmente, são cerca de 50 alunos, a maioria também estuda na escola em que o professor leciona em Cariacica.
O professor começou a ensinar a luta para os alunos dentro da escola após as aulas em 2022. A iniciativa dentro da unidade escolar durou cerca de um ano, mas precisou ser encerrada por questões de logística e grade horária noturna da escola.
Depois do turno, a gente se reunia na escola e lá mesmo a gente fazia o treino. Nós tínhamos o equipamento, os tatames e alguns quimonos. Esse treino aconteceu de 2022 até 2023″
Frank Muller
Frank Muller então cedeu a garagem da própria casa durante meses para não deixar os alunos sem os treinos, até que conseguisse um espaço adequado. A garagem não era coberta e, quando chovia, as aulas tinham que ser canceladas.
Com a ajuda dos pais de alunos, há dois anos, a Academia Bulldog passou a funcionar em um galpão de Vila Graúna, onde segue até hoje.
Além das crianças e adolescentes, Frank Muller também dá aulas para adultos no local. A academia ainda participa de competições de jiu-jítsu no Estado.
Academia Bulldog ganhou 19 medalhas no estadual
A Academia Bulldog marcou presença no Campeonato Estadual Kids de Jiu-Jítsu, realizado no Tancredão, em Vitória, no último dia 4. A competição reuniu mais de 800 crianças entre 3 e 15 anos de idade.
Um dos grandes destaques foi justamente a academia do professor Frank Muller, que levou 24 alunos para competir, dos quais 18 conquistaram medalhas. A academia somou sete medalhas de ouro, oito de prata e três de bronze.

Com o resultado, as crianças levaram a Bulldog a conquistar o 5º lugar geral, entre as mais de 30 equipes participantes. O desempenho garantiu um troféu e uma premiação em dinheiro da Federação Capixaba de Jiu-Jítsu (Fejjes), organizadora do campeonato, para a iniciativa.
*Texto sob a supervisão da editora Erika Santos














