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Ministério Público tenta impedir uso de gandulas menores de 18 anos

São Paulo - O sonho de ficar mais perto dos jogadores de futebol na Copa ficou mais próximo para 445 adolescentes brasileiros de 13 a 16 anos, que serão gandulas no Mundial, mas virou um pesadelo para as entidades que lutam contra a exploração do trabalho infantil. Desde 2004, havia um entendimento com a CBF para utilizar pessoas acima de 18 anos para a função, mas no torneio que tem início na próxima semana, a regra foi quebrada. "Isso é um grande retrocesso social. Será aberta uma exceção que pode trazer consequências muito sérias no futuro", lamenta Isa Oliveira, secretária executiva do Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil.

No entendimento da entidade, a escalação de adolescentes fere a Constituição Federal e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Mas um decreto do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) autorizou a prática, permitindo que crianças a partir dos 12 anos pudessem ser gandulas nos jogos do torneio. "O Ministério Público do Trabalho vai recorrer da decisão, mas sabemos que não será fácil sensibilizar a empresa e a Fifa a esta altura do campeonato", continua, referindo-se à Coca-Cola, que organiza a seleção dos adolescentes com a Fifa.

Isa Oliveira diz que não concorda com os argumentos de que a atividade é lúdica, sem ser caracterizada como trabalho. "Se fosse assim, quero ver fazer um jogo da Copa sem gandula. Na minha opinião, é uma atividade de trabalho, que pode colocar em risco a segurança física ou moral do adolescente. Em uma partida, o gandula é vítima de xingamentos, já vimos casos de espancamento... As crianças não têm maturidade ainda para enfrentar situações desse tipo. E também tem um horário a cumprir."

Para ela, o uso dos gandulas menores de idade e a aprovação do CNJ foram um duro golpe na luta contra o trabalho infantil. "O que mais nos preocupa é a naturalização do trabalho infantil. Isso fragiliza alguns avanços que já tivemos. Acreditamos que será um grande prejuízo que a Copa vai nos trazer. Poderia ter um legado, mas vai abrir uma brecha", desabafa.

Já a socióloga Graça Gadelha explica que a regra para inserção de crianças no mercado de trabalho é a partir dos 14 anos, mas como aprendiz. Para ela, não é possível uma legislação de exceção durante a Copa. "A própria leitura do ECA mostra que a inserção deve ocorrer desde que não prevaleça o produtivo ao educativo. A rigor, isso é um drible na legislação. A atividade de gandula envolve perigo, com exposição das crianças em arenas sem proteção, possibilidade de agressão ou queda."

Os 445 gandulas foram selecionados a partir do desempenho na Copa Coca-Cola 2013, projeto que busca incentivar a prática esportiva e as relações de comunidade, com foco voltado para a reciclagem. A Fifa não considera essa situação como de trabalho infantil, entre outros motivos porque não se trata de trabalho de tempo integral, baseado em remuneração, mas principalmente porque está associado a um projeto social mais amplo.

Procurada pelo Estado, a Organização Internacional do Trabalho preferiu não comentar o tema, por desconhecer a dimensão do projeto, mas insistiu que o envolvimento de crianças em eventos esportivos internacionais é alvo de um acompanhamento detalhado da entidade.

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