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Após acender pira olímpica na Candelária, menino vira símbolo popular dos Jogos

Redação Folha Vitória

Rio -

No momento em que a reportagem do Estado engatava uma conversa com Jorge Gomes e tentava arrastá-lo para mais perto da pira olímpica que ele próprio acendera, a bronca veio cortante. “Vocês não podem levá-lo assim! Ele é nosso, ele é do povo”. A frase foi dita por uma senhora de vestido colorido que queria fazer uma selfie com o menino de 14 anos. Depois de acender o fogo olímpico na Candelária, no último ato da cerimônia de abertura dos Jogos do Rio, na sexta-feira, Jorge Alberto Oliveira Gomes ganhou um novo status: ele é o menino da pira, o menino do povo, o menino da pira do povo.

A bronca da senhora, que saiu batendo o pé sem dar nem o primeiro nome, revela um sentimento coletivo. Não a raiva, mas a admiração. Jorge se transformou no primeiro grande símbolo popular dos Jogos do Rio. A selfie de hoje é o autógrafo de ontem. Ou melhor, o autógrafo da era digital. “Hoje de manhã, eu saí para ir à padaria e todo mundo queria tirar foto comigo. Quase não consegui comprar pão”, sorri.

A imagem de Jorge, jovem negro e pobre com o fogo olímpico, tem uma poderosa carga simbólica principalmente pela moldura da foto. O pano de fundo é a região da Candelária. O mesmo local do massacre que aconteceu 23 anos atrás. Aqui vale uma consulta à enciclopédia. Em julho de 1993, dois Chevettes com placas cobertas pararam em frente à igreja e seus ocupantes começaram a atirar contra dezenas de pessoas que dormiam ali. O ato foi uma retaliação por causa de um vidro quebrado de uma viatura.

Seis menores e dois maiores morreram. As investigações mostraram que os autores dos disparos foram policiais. Um dos sobreviventes, Sandro Barbosa do Nascimento, foi o autor do sequestro do ônibus 174 quase sete anos depois. Três policiais militares foram condenados a mais de 200 anos de prisão, mas cumpriram menos de 20. Quase todas as vítimas eram negros e pobres, como o menino da pira.

A chacina da Candelária mobilizou movimentos sociais e transformou o Rio em um exemplo de cidade violenta. Desde que o Rio foi escolhido como sede dos Jogos, a região integra um projeto de revitalização. Com a pira do povo acesa no local batizado como “Boulevard Olímpico”, a cidade quer mostrar ao mundo uma nova Candelária. A escolha de Jorge como protagonista foi outra oportunidade para tentar amenizar o peso do passado. Tentar virar a página.

A professora de atletismo Edileuza Santos garante que ela própria escolheu Jorge a partir das orientações da Rio-2016. “Ligaram na Mangueira, não sei direito quem, e falaram com o presidente e pediram um menino de cor de 14 anos para participar da cerimônia. Pensei logo no Jorge”, diz a treinadora que revelou Rosângela Santos, que vai disputar as provas de atletismo pelo Brasil.

Jorge sabe apenas que houve uma chacina ali, mas não tem muitas informações. Neste domingo, sua ideia inicial era só voltar ao lugar onde ele viveu o momento mais importante de sua vida. “Minhas pernas estavam tremendo. Nem sei como consegui fazer tudo direito”, conta.

Na sexta-feira, cerca de meia hora depois de Vanderlei Cordeiro acender a pira olímpica no Maracanã, a chama da “pira do povo” foi acesa no centro. O fogo foi levado por um automóvel e entregue a Jorge.

O menino não conseguiu reviver muita coisa. A cada cinco passos, uma selfie; mais dois e um tapinha nas costas para ser reconhecido. Pressentindo dor de cabeça, o irmão Cristiano nem quis ir; a irmã mais nova, a Olívia, ficou meio assustada com aquele monte de gente ao redor do irmão. O pai fechou a cara. “Ele queria aproveitar o momento, mas não conseguiu. Chegamos uma hora. Que horas são agora? Nós já vamos embora”, disse o engenheiro químico Alberto Gomes consultando o relógio para ver que já eram 15h30.

A fama repentina divide seu coração. “A parte boa é que todo mundo me dá parabéns e fala que eu mandei bem. O outro lado é que não consegui fazer mais nada. Todo mundo quer tirar foto comigo”, diz levantando os braços finos.

Da mesma forma que a pira no centro representa uma virada de página para a Candelária, ela marca uma volta por cima pessoal para Jorge. Depois de ter sido abandonado pela mãe quando nasceu, ele passou a infância morando em abrigos para órfãos. Foi adotado pelo casal Alberto e Ana Paula. Hoje, está bem. “Não gosto muito de falar em orgulho, mas estou muito feliz com tudo o que aconteceu. Ele está muito feliz, um pouco assustado, mas feliz”, disse a mãe.

Jorge é atleta da Vila Olímpica da Mangueira, projeto que oferece aulas de vários esportes, entre eles o atletismo. Sua intenção inicial era o pentatlo, prova que reúne natação, equitação, tiro, corrida e ciclismo. Como ele não gosta muito de nadar, vai ficar só a corrida mesmo. Quem o acompanha afirma que ele é um dos favoritos para a disputa dos 250m e 1000m, modalidades dos Jogos Escolares. Deve viajar para a Paraíba para sua primeira disputa.

A pira virou ponto turístico instantâneo. Neste domingo, o local entre a igreja e a região da Baía de Guanabara estava lotada. Virou um centro olímpico para quem quisesse assistir às competições. Na hora da natação, no meio da tarde, o narrador tinha de competir com um show de música eletrônica no palco ao lado. Todo mundo queria fazer uma selfie com a pira. E se pudesse juntar o Jorge, melhor.

“Escuta, você não é o menino que acendeu o fogo da Olimpíada? Posso tirar uma foto?”, pergunta um ciclista para angústia do pai de Jorge.

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