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Após 4º lugar de Caio Bonfim no Rio-2016, marcha atlética luta contra preconceito

A palavra principal na frase de Caio é "resultado". Ele acredita que as conquistas são uma espécie de antídoto contra o preconceito

Redação Folha Vitória
O brasileiro Caio Ribeiro de Carvalho conquistou a medalha de bronze da Canoagem de Velocidade KL3 na Paralimpíada Rio 2016 Foto: Agência Brasil

São Paulo - Assim que cruzou a linha de chegada dos 20 km da marcha atlética nos Jogos do Rio-2016, Caio Bonfim fez um desabafo. Disse que era xingado em todos os treinos desde que começou nove anos atrás. "Veado", "bicha", "vagabundo" e "para de rebolar e vai trabalhar" eram os insultos publicáveis. Três meses depois de ter conquistado o 4.º lugar, alguns xingamentos continuam; outros se transformaram em pedidos para selfies nas ruas e avenidas de Sobradinho (DF).

Uma parte do treinamento de Caio é feita na pista do atletismo, no estádio Augustinho Lima. A outra tem de ser feita nas ruas para simular as condições reais da prova como piso irregular, descidas e subidas. Aí começa a luta contra o preconceito. "Não culpo a população. Nossa cultura esportiva é voltada para o futebol e as pessoas têm pouco contato com outras modalidades. Com o tempo e os resultados, as coisas vão mudar", disse o atleta de 25 anos.

Na marcha atlética, o competidor não pode tirar os dois pés do chão. Quando um sai do solo, o outro começa o movimento. Para cumprir a regra, a perna tem de ficar esticada e, com isso, o movimento vai para o quadril e parece que ele está rebolando. Oito árbitros olham só isso nas provas. Se o atleta cometer três infrações, está eliminado da disputa.

A palavra principal na frase de Caio é "resultado". Ele acredita que as conquistas são uma espécie de antídoto contra o preconceito. Ele cita o exemplo do vôlei masculino, esporte de relativa valorização no Brasil até os anos 1980 e que carregava a conotação de ser um esporte "para meninas". Esse perfil mudou quando, nos Jogos de Los Angeles, em 1984, a seleção masculina do Brasil conquistou o segundo lugar. A medalha de prata trouxe notoriedade e, a partir deste momento, muitas pessoas olharam para a modalidade.

Rodrigo Scialfa Falcão, psicólogo do Esporte, concorda com o raciocínio de Caio. "A familiaridade com uma modalidade esportiva facilita a aceitação e diminui os estereótipos", explicou. "Isso também aconteceu com o futebol feminino. O caminho ainda é longo, mas a situação mudou muito nos últimos 20 anos", exemplificou.

Neste sentido, Caio já começou a sua caminhada. Em 2015, ele foi bronze no Pan de Toronto e sexto no Mundial de atletismo, na China. Ele completou a prova dos Jogos de Londres em 39.º lugar e, extenuado, precisou ser amparado por uma cadeira de rodas nos 20 km. Corrigiu os erros de Londres e foi o quarto lugar no Rio-2016, apenas cinco segundos atrás do medalhista de bronze, o australiano Dane Bird-Smith. Com 1h19min42s, Caio Bonfim fez o melhor tempo da vida e deixou o circuito certo de que novos marchadores surgirão no próximo ciclo olímpico. Definitivamente, está entre os melhores do mundo. "Meu sonho é colocar a marcha atlética em outro patamar".

MULHERES - O problema dos palavrões não é só com os homens. As meninas também são xingadas quase sempre com conotação sexual. "Não consigo repetir as coisas que falam. São muito feias. No começo, eu ficava com vergonha, mas estou aprendendo a nem ouvir", disse Amélia Fortunato de Lemos, campeã nos 3.000 metros da marcha atlética no Campeonato Brasileiro Sub-16.

Amélia está há um ano no atletismo, gostava de correr, mas os treinadores viram seu potencial para a marcha. "É uma modalidade técnica demais, mas estou motivada com os resultados do Caio e da Erica Sena (sétima na Olimpíada). Meu sonho é disputar os Jogos de Tóquio (em 2020)", disse a atleta de 15 anos.

Isso, as palavras mal-educadas contra as mulheres, não é de hoje. Gianetti Sena Bonfim, mãe de Caio, foi pioneira da marcha atlética em Brasília por volta dos anos 1990. Fundista de origem, ela é heptacampeã brasileira e campeã ibero-americana da modalidade. "Quando comecei, em 1996, não existiam marchadoras em Brasília. Já me jogaram coco, lata de cerveja e até abacaxi. Tem gente que joga o carro em cima da gente", contou a ex-atleta. "A gente não aceita, simplesmente aprende a conviver com isso".

EXEMPLO - A cidade de Blumenau (SC), outro polo importante da modalidade, está conseguindo colocar em prática os sonhos de Caio Bonfim. Tudo começou lá atrás, na década de 1980, quando os alunos começaram a aprender marcha atlética nas aulas de Educação Física no ensino fundamental e médio. Os melhores alunos passaram a ser classificados para o Festival de Marcha Atlética e também para os Jogos Municipais de Blumenau. Eles ganham medalhas e iniciam a carreira como atletas. A última edição dos Jogos teve mais de 100 participantes. "As crianças não têm preconceito. Isso está na cabeça dos adultos", afirmou João Cesar Sendeski, presidente do Clube de Atletismo de Blumenau.

A cidade catarinense foi representada por três atletas na disputa dos Jogos do Rio: José Alessandro Baggio e Moacir Zimmermann, nos 20 km, e Jonathan Riekmann, nos 50 km. "Essa cultura esportiva foi passando de geração para geração. É uma questão educacional. Hoje, nenhum atleta é molestado ou xingado quando marcha pelas ruas de Blumenau. As pessoas só incentivam", explicou Sendeski.

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