O plano do presidente Donald Trump de impor uma tarifa de 50% sobre todas as importações do Brasil a partir do próximo mês pode afetar a principal atividade agrícola do Espírito Santo, a cafeicultura.

O estado, que tem no agronegócio uma de suas principais forças econômicas, pode ser duramente afetado em cadeias como café, ovos, celulose, gengibre e macadâmia — todas com forte dependência do mercado norte-americano. Somente em 2024, mais de US$ 800 milhões em produtos capixabas foram exportados para os EUA, destino de 20% de tudo o que o agro estadual vende ao exterior. Entenda.

Exportadores vivem incerteza diante da possível sobretaxa dos EUA

O café brasileiro é considerado de alta qualidade pelos Estados Unidos, além de possuir elevada produção, capaz de atender todo o mercado. Boa parte da produção capixaba de café é destinada aos Estados Unidos, sendo o café cru em grãos com uma representação de 7,2% das exportações totais do produto em 2024 e 4,5% em 2025. Já o café solúvel tem mantido uma boa penetração no mercado dos EUA, com cerca de 37% em 2024 e 40% em 2025 das exportações capixabas destinadas ao país.

Se a medida entrar em vigor, o imposto sobre o café brasileiro saltará de 10% para 50%, um aumento de 400%. Segundo dados do setor, em 2024 o Brasil exportou 8,1 milhões de sacas para os Estados Unidos, um crescimento de 34% em relação a 2023. 

Só o Espírito Santo foi responsável por 848 mil sacas no ano passado. De janeiro a maio de 2025, os americanos já compraram 143 mil sacas do estado, sendo o café solúvel o produto mais adquirido, com mais de 84 mil sacas.

Diante da possível sobretaxa, o mercado opera com cautela. O consultor de mercado Marcus Magalhães explica que o momento é de espera e insegurança.

“Estamos diante de uma situação inédita. Nunca vivemos algo semelhante a essa proposta de sobretaxação de 50% sobre todos os produtos brasileiros exportados para os Estados Unidos. E não se trata apenas do café. A medida também afetaria o mamão, as carnes, o aço e outros produtos. Caso entre em vigor, qualquer mercadoria brasileira enviada aos EUA será sobretaxada na entrada, o que naturalmente encarecerá o produto para o consumidor americano,” avalia Magalhães.

Magalhães destaca que a responsabilidade pelo pagamento da tarifa não recai sobre os produtores brasileiros, mas sim sobre os importadores norte-americanos.

“Esse imposto não será pago por nós, brasileiros. São os importadores americanos que arcarão com esse custo, e certamente irão repassá-lo ao varejo, o que aumentará os preços para o consumidor final. A grande dúvida é: o consumidor americano aceitará pagar mais caro pelo café brasileiro e continuará consumindo na mesma proporção?”

A instabilidade gerada pela proposta impactou diretamente os negócios com foco nos EUA. “Os próximos 20 dias serão de muita ansiedade para os operadores que exportam para os Estados Unidos. Muitos negócios foram suspensos. Não se sabe a que preço vender, pois não há clareza se a tarifa será de fato aplicada. O mercado está em compasso de espera.”

Segundo o consultor, exportadores com atuação voltada a outros mercados seguem com suas operações normalmente. “Para quem comercializa com Europa, China e América do Sul, a vida segue. Agora, para quem depende do mercado americano, não há muito o que fazer além de aguardar uma definição oficial.”

Impactos da Tarifa para o agronegócio capixaba

O governo brasileiro tem dialogado com representantes do setor produtivo em busca de alternativas para minimizar os impactos. Entre as possibilidades estão a redução da tarifa ou o adiamento da medida para outubro, dando mais tempo ao mercado para se adequar.

“Essas tratativas ainda estão em andamento. Nada foi oficialmente decidido. Por isso, os exportadores permanecem em estado de alerta, aguardando um posicionamento definitivo,” afirma.

Magalhães também ressalta que, ao contrário de outros produtos, o café brasileiro ocupa uma posição insubstituível no mercado internacional. Segundo ele, é difícil imaginar outro fornecedor com capacidade de igualar a robusta produção do Brasil, tanto em café quanto em outros itens do agronegócio.

“É importante lembrar que o Brasil é o maior produtor mundial de café e suco de laranja. Se os Estados Unidos deixarem de comprar de nós, vão comprar de quem? Não existe café sobrando no mundo em volume suficiente para preencher essa lacuna. É diferente de produtos como aço ou calçados, que podem ser adquiridos de outros países. Com o café, não há essa flexibilidade.”

“Apenas o Brasil responde por um terço das importações de café dos EUA. Se deixarmos de ser competitivos, os americanos terão que escolher entre pagar mais caro ou abrir mão do produto. Ou seja, no caso específico do café, quem pagará a conta, caso queira continuar consumindo, será o consumidor norte-americano.”

Segundo o secretário estadual de Agricultura, Enio Bergoli, a medida pode trazer impactos diretos às exportações capixabas, principalmente em cadeias como café, ovos, gengibre, celulose e macadâmia.

Em 2024, o Espírito Santo exportou mais de US$ 800 milhões em produtos do agro para o mercado norte-americano. Em termos proporcionais, os Estados Unidos responderam por cerca de 20% das exportações do agronegócio capixaba, o equivalente a mais de US$ 700 milhões em divisas geradas.

“O agronegócio capixaba tem nos Estados Unidos um parceiro importante no comércio internacional. Se a tarifa for mantida, poderemos observar redução nas exportações de produtos como café, celulose, pimenta-do-reino, gengibre, mamão, pescado, ovos, macadâmia e outros itens com forte presença no mercado norte-americano,” afirmou Bergoli.

Macadâmia, gengibre e celulose: mercados vulneráveis

Entre os setores mais vulneráveis, o secretário destaca a macadâmia, produzida principalmente na região de São Mateus, cuja exportação é quase 100% destinada aos EUA. O gengibre, outro destaque do agro capixaba, também pode ser afetado. O Espírito Santo é o maior exportador do produto no Brasil e, enquanto em 2024 cerca de 30% das exportações de gengibre foram para os Estados Unidos, nos primeiros meses de 2025 esse índice saltou para mais de 60%.

Outro produto fortemente dependente do mercado americano é a celulose, segundo item da pauta de exportações do agro capixaba. Mais da metade da celulose produzida no Espírito Santo tem como destino os Estados Unidos.

“Temos impactos diferenciados, dependendo da cadeia produtiva. Alguns setores são altamente dependentes do mercado americano. Caso o tarifaço seja mantido, esses segmentos sofrerão de maneira mais direta e imediata,” ressalta Bergoli.

Setor de ovos teme perda de espaço

Outro produto que ganhou destaque recentemente no comércio exterior capixaba foi o ovo. Com baixa expressão em 2024, as exportações capixabas de ovos para os Estados Unidos dispararam em 2025, alcançando 97% do total exportado pelo estado. O bom desempenho se deve à abertura de uma janela no mercado americano, ocasionada pela incidência de Influenza Aviária no país.

O diretor-executivo da Associação dos Avicultores do Espírito Santo (Aves), Nélio Hand, alerta que a nova tarifa comprometeria não apenas as vendas atuais, mas também os planos de crescimento do setor.

“Caso a medida se mantenha, poderá afetar os projetos de busca de novos mercados e as estratégias de diversificação almejadas pela avicultura de postura comercial capixaba, que hoje representa mais de 9% da produção nacional. Atualmente, 97% dos volumes exportados pelos produtores e indústrias capixabas têm como destino os Estados Unidos,” afirmou Hand.

Hand afirma ainda que a Aves está alinhada às discussões conduzidas em âmbito nacional pela Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA) e acompanha de perto os desdobramentos das negociações entre os governos.

“Confiamos em uma solução rápida para manter as boas relações comerciais entre os dois países e fortalecer as cadeias produtivas,” finalizou.

Stefany Sampaio
Stefany Sampaio

Colunista

Stefany Sampaio revela o universo do agronegócio capixaba de Norte a Sul, destacando dados, histórias inspiradoras, produtores e os principais acontecimentos do setor.

Stefany Sampaio revela o universo do agronegócio capixaba de Norte a Sul, destacando dados, histórias inspiradoras, produtores e os principais acontecimentos do setor.