Entrevistamos Velberan: jogar videogame pode causar burnout?

Velberan — nome artístico de Alessandro — é um dos criadores de conteúdo mais longevos e queridos da cena gamer BR. Desde o fim de 2012, ele publica no YouTube análises, gameplays e comentários que transitam do retrô ao lançamento do dia, sempre com tom didático, bem humorado e com muita cultura no universo gamer.

Além dos vídeos, Velberan (Velbs para os íntimos) escreveu o livro “No Meu Tempo as Coisas Eram Diferentes”, em que revisita memórias com videogames — reforçando a persona de cronista da cultura gamer.

Recentemente, Velberan trouxe a discussão de “fadiga de videogame”/início de burnout ao centro do debate, num vlog em que relata travas, backlog infinito e o impacto do ritmo de produção — tema que ressoa entre players e creators adultos.

Rômulo Justen – Você usa “fadiga de videogame” (início de burnout) em vez de diagnóstico fechado. Quais sinais concretos te acenderam a luz vermelha — travar na hora de apertar “jogar”, evitar lives longas, queda de prazer — e que métricas pessoais (horas, jogos “abandonados”, sono) você passou a monitorar?

Velberan – Usei o termo “fadiga de videogame” no vídeo pois não queria falar sobre meu histórico médico, já que desviaria do assunto e do meu objetivo. Dois anos atrás eu fui diagnosticado com Burnout e sigo tratando até hoje. Já estou melhor mas continuo com algumas dificuldades, tanto para jogar trabalhando quanto como hobby, que é onde agora mais me afeta.

Comecei a me dar conta quando passava mais tempo pensando no que jogar invés de jogar, e quando começava algum jogo, parava logo em seguida. Nas horas de folga era quando eu ficava mais frustrado, pois queria jogar, mas ao chegar perto de um jogo começava a me sentir ansioso, angustiado e mentalmente agitado. Essas alterações afetaram meu humor e, por isso, meu convívio familiar. Um detalhe peculiar é que eu adquiri um tique nervoso: faço um estalo com a boca toda vez que penso em jogar algo, mas a sensação de angústia vem logo em seguida. Aconteceu algumas vezes em lives, felizmente acho que ninguém percebeu.

Não quantifiquei os jogos que eu abandonei ou que eu queria jogar mas não consegui, foram dezenas. Dos que consegui terminar foram oito (metade jogos da minha Publisher) além de alguns retrô.

R – Como você passou a filtrar o que entra na fila? Dá pra criar um protocolo objetivo (ex.: 3 horas de teste + checklist de critérios) que impeça Sonic Racing CrossWorlds, Final Fantasy Tactics, Civ 7 e afins de virarem só mais itens de uma planilha?

V – Eu faço listas dos jogos que quero mostrar em vídeo, mas não para os que jogo por hobby. Sou totalmente contra essa ideia de organização. Listas fazemos para tarefas, obrigações e não para atividades prazerosas. E se o próximo da lista for um jogo que eu estou sem vontade de jogar no momento? Talvez com uma rotina dessas eu jogaria mais, só que seria algo automatizado, como se fosse um compromisso.

R – Você disse que no canal ainda se diverte, mas no pessoal travou. Que rituais mudaram? Lives “no susto” (como a de Double Dragon Revive) te destravam — quando elas ajudam e quando atrapalham? Que regras novas pretende adotar (dias off-stream, jogos “proibidos” de conteúdo, limite de capturas/edição)?

V – Acho que é a mudança de cenário e objetivo, não estou só jogando, estou fazendo algo a mais. Nas lives, o público que acompanha e comenta me passa a sensação de quando eu jogava com os amigos nas antigas locadoras, fazendo bagunça e me divertindo. Infelizmente não é sempre que essa sensação vem quando estou em live.

R – Você antecipou piada do “frescura” e do “não é gamer de verdade”. Que recado deixa pra audiência e pra creators sobre saúde mental? O que plataformas e imprensa poderiam ajustar (algoritmo, metas de frequência, pressão por “ser o primeiro”) pra não transformar análise em moedor de carne?

V – Sim, já imaginava que teriam críticas. Internauta padrão pensa que todo problema de saúde mental se resolve “batendo uma laje” (rs). O meu conselho para os colegas criadores de conteúdo é definir bem os horários de trabalho e se afastar da internet nas folgas. A pior armadilha para qualquer um que trabalha por conta e em casa é não conseguir se desligar no serviço.

R – Além do canal, você faz QA/curadoria na sua publisher e mergulhou em deck-builders via Slay the Spire como referência. Como esse “trabalho técnico” contaminou (pro bem e pro mal) o prazer de jogar? Já precisou recusar cobertura/campanha ou estabelecer limites éticos pra não virar obrigação disfarçada de lazer?

V – Comecei na Nuntius em abril e está sendo ótimo! Meu foco jogando os jogos da Publisher para fazer o controle de qualidade é outro, então consigo jogar tranquilamente. Mesma coisa para os jogos que não são da Publisher que jogo para fazer pesquisa de referência. Parece ser a mesma coisa, mas é uma atividade diferente da que eu fazia antes, então tem me ajudado. Sobre recusar trabalhos, de vídeos de jogos nunca precisei. Mas quando começou pra valer o Burnout tive que recusar a participar de dois eventos pois não me sentia bem.

R – Quais mudanças você já decidiu implementar para evitar recaída? Que sinal será o seu “chega, vou pisar no freio” daqui pra frente?

V – Eu já fiz muitas mudanças na minha rotina dois anos atrás quando tive o diagnóstico de Burnout por trabalho. Antes eu ainda jogava algumas coisas que me distraía a cabeça como Diablo IV e Vampire’s Survivors, mas agora nem isso estou conseguindo mais. Então, neste momento, a principal mudança é jogar apenas o que faz parte do trabalho e tentar, o mais difícil de tudo, não pensar em videogame o tempo todo.

Rômulo Justen
Rômulo Justen

Editor de Games

Jornalista que compila código e combos: troca bugs por chefões desde o Atari 2600. Agora farma XP em action‑RPGs com o filho Noah, sem perder o buff do café.

Jornalista que compila código e combos: troca bugs por chefões desde o Atari 2600. Agora farma XP em action‑RPGs com o filho Noah, sem perder o buff do café.