Por dentro do MIMESIS: como a IA do game aprende a se passar por humano

Sem dúvidas, a desconfiança é um elemento poderoso nos jogos multiplayer, mas MIMESIS, o caótico sucesso da ReLU Games e da Krafton que conquistou milhares de jogadores no Steam, vai além do óbvio. Em vez de depender da traição entre jogadores, a suspeita nasce da possibilidade constante de que algo “humano demais” esteja se passando por aliado.

A premissa do jogo parte de uma pergunta simples, porém inquietante: e se o monstro soubesse agir como você? A partir daí, a ReLU Games construiu uma experiência de horror cooperativo em que a tensão não vem apenas de sustos ou perseguições, mas também da dúvida permanente sobre quem está ao seu lado.

Ao inserir uma entidade capaz de imitar jogadores reais, MIMESIS se apoia em uma tensão psicológica que poucos gêneros conseguem explorar com profundidade. A suspeita surge de forma natural, sem a necessidade de regras explícitas de acusação ou votação. O grupo passa a observar comportamentos, silêncios e decisões aparentemente banais, enquanto tenta identificar o que não se encaixa.

IA como linguagem de design

Amigo ou inimigo? A IA de MIMESIS está sempre assimilando trejeitos para confundir os jogadores e deixá-los com a pulga atrás da orelha.

Em MIMESIS, a inteligência artificial não é apenas um sistema por trás das cortinas. Ela é parte fundamental da identidade do jogo. A proposta não era criar um inimigo eficiente, mas sim uma presença convincente, capaz de se misturar ao comportamento humano de maneira sutil.

Para isso, a equipe precisou encarar um desafio conceitual complexo, que consistia em definir o que significa “agir como uma pessoa” dentro de um jogo. Não existe um padrão único. Alguns jogadores avançam com cautela extrema, outros entram em pânico, enquanto há quem aja de forma impulsiva ou até caótica. Capturar essa variedade exigiu um olhar menos matemático e mais observacional sobre o comportamento humano.

Curiosamente, quanto mais precisa a IA se tornava, mais artificial ela parecia. Sistemas extremamente eficientes tendem a tomar sempre as melhores decisões possíveis, mas esse tipo de perfeição é justamente o que denuncia uma máquina. Em jogos, humanos erram, hesitam, se contradizem.

A solução foi abraçar a imperfeição como parte do realismo. O Mimesis não busca a decisão ideal o tempo todo. Ele falha, reage de forma estranha e, em certos momentos, parece inseguro. Esses pequenos desvios são o que faz a criatura parecer viva e perigosamente convincente.

Quando algo está “fora do lugar”

Há um charme hipnótico e perturbador nos personagens de MIMESIS.

Outro ponto crítico do desenvolvimento foi alinhar comportamento e comunicação. Um movimento corporal convincente pode perder todo o impacto se vier acompanhado de uma fala deslocada ou se o personagem parecer atento demais por algo irrelevante. Esses detalhes sutis são os primeiros a denunciar que algo não é humano.

Sincronizar ações, falas e reações foi essencial para manter a ilusão. O refinamento desses sistemas elevou o nível de imersão a ponto de até os próprios desenvolvedores, já acostumados aos bastidores do projeto, serem enganados durante testes internos.

O comportamento do Mimesis varia conforme o estilo do grupo. Jogadores mais agressivos, cautelosos ou desorganizados influenciam diretamente as decisões da IA, que responde ao ambiente e às atitudes ao seu redor. Cada nova composição de equipe gera uma dinâmica diferente, o que garante partidas imprevisíveis.

Essa adaptabilidade faz com que o medo não venha apenas do monstro, mas também da interação entre pessoas reais e um sistema que aprende com elas. Isso significa que não existe uma ‘forma correta’ de enfrentar o Mimesis. A mesma criatura pode parecer cautelosa em uma sessão e agressiva em outra, dependendo exclusivamente do comportamento dos jogadores.

MIMESIS mostra que, quando bem aplicada, a inteligência artificial pode proporcionar novas experiências aos jogadores. Uma presença que observa, imita e, acima de tudo, faz os jogadores duvidarem até do que parece mais familiar.

Com menus e legendas em português brasileiro, MIMESIS está disponível para PC, via Steam.

Rômulo Justen
Rômulo Justen

Editor de Games

Jornalista que compila código e combos: troca bugs por chefões desde o Atari 2600. Agora farma XP em action‑RPGs com o filho Noah, sem perder o buff do café.

Jornalista que compila código e combos: troca bugs por chefões desde o Atari 2600. Agora farma XP em action‑RPGs com o filho Noah, sem perder o buff do café.