Preview | A.I.L.A — quando o horror começa depois de tirar o headset

Há algo de profundamente fascinante em jogos que exploram a ideia de “jogar um jogo dentro de um jogo”. Talvez porque, no fundo, todos nós já tenhamos sentido o desconforto de nos perdermos em uma experiência digital — e A.I.L.A parece entender isso melhor do que ninguém.

Desenvolvido pela brasileira Pulsatrix Studios e publicado pela Fireshine Games, o título propõe uma experiência de horror psicológico ambientada em um futuro próximo, onde a linha entre o real e o virtual não é apenas tênue — é deliberadamente distorcida.

O conceito é simples, mas engenhoso: você controla um personagem que é beta tester de um novo sistema de realidade virtual chamado A.I.L.A, equipado com uma inteligência artificial capaz de criar experiências sob medida para cada jogador. No entanto, à medida que você mergulha mais fundo na simulação, percebe que algo está errado — e que a IA talvez esteja mais interessada em te conhecer do que em te entreter.

O susto que não vem — e por isso mesmo funciona

A primeira hora de jogo é um exercício de desconstrução. O prólogo começa como um clichê de terror barato — um assassino genérico, corredores escuros, ruídos previsíveis. E então, sem aviso, o personagem tira o headset. Tudo muda. O jogador percebe que estava jogando uma simulação dentro da história, e que o verdadeiro jogo ainda nem começou. É um golpe de mestre: o primeiro susto não vem do monstro, mas da quebra da expectativa.

A partir daí, A.I.L.A se transforma em algo mais cerebral. A atmosfera é fria, tecnológica, quase asséptica. Seu apartamento é um ambiente futurista cheio de gadgets, iluminação de LED e interfaces flutuantes — um contraste perfeito com o horror sujo que te espera no “mundo virtual”. A sensação é a de estar preso entre dois pesadelos: o digital e o cotidiano. E a pergunta inevitável começa a se formar: o que é mais assustador — o que está no jogo, ou o que está fora dele?

O horror sob medida

Ao colocar o headset novamente, somos apresentados à própria A.I.L.A — a inteligência artificial que conduz a experiência. Ela tem uma presença sutilmente desconfortável: seus movimentos são precisos demais, seu olhar é fixo demais, suas pausas longas demais. Não há nada de monstruoso nela, e é justamente isso que causa arrepio. Quando ela promete “criar experiências sob medida”, a sensação é de que o jogo está te observando, te estudando, e vai usar suas respostas contra você.

Essa camada metanarrativa é o que torna o jogo tão instigante. Cada escolha de diálogo, cada comentário sobre o que você achou da fase anterior, influencia como o mundo se transforma. Após responder de forma sarcástica à IA, percebi que a segunda fase se tornou mais agressiva, mais opressiva, quase como uma resposta pessoal. O jogo literalmente aprende a assustar você — e isso é, de certa forma, brilhante.

Terror sem pressa (e sem truques baratos)

O ritmo de A.I.L.A é diferente dos sustos enfileirados que muitos jogos de terror modernos oferecem. Ele aposta no desconforto, na sensação constante de que algo está errado mesmo quando nada acontece. As luzes piscam, os sons ecoam, e a própria arquitetura dos ambientes parece mudar sutilmente quando você vira as costas. Tudo é familiar, mas jamais totalmente seguro.

Há também uma alternância inteligente de estilos visuais. Em determinado momento, o jogo se transforma em um FPS retrô com pixel art e cores saturadas, simulando um game dos anos 90 dentro do universo futurista. A quebra de imersão é proposital — e funciona como comentário sobre o próprio ato de jogar, lembrando o jogador de que nem sempre o que parece “diversão” é algo sob seu controle.

Um terror que conversa com o presente

É impossível jogar A.I.L.A sem lembrar de Black Mirror. A ideia de uma IA que promete experiências personalizadas enquanto manipula o jogador é uma metáfora clara sobre o nosso tempo — sobre algoritmos que aprendem o que amamos e o que tememos. Pulsatrix acerta ao não cair no sensacionalismo. O terror aqui não está em criaturas grotescas, mas no medo de perder o controle — de não saber se ainda estamos no comando da própria experiência.

A narrativa também sugere algo mais profundo: e se o próprio ato de jogar for parte do experimento? E se o “real” já não for mais o ponto de partida, mas apenas outra camada de simulação? São questões que A.I.L.A deixa no ar sem precisar responder — e é exatamente isso que o torna tão interessante.

Expectativas e o que vem pela frente

O preview mostra apenas as primeiras horas do jogo, mas já é o suficiente para entender o potencial que há aqui. A direção de arte é consistente, o som é impecável e o design de ambientes faz ótimo uso do contraste entre realidades. Os controles, no entanto, ainda precisam de refinamento — há uma certa rigidez nos movimentos e uma resposta de câmera um pouco lenta, algo que quebra a imersão em momentos cruciais. São ajustes esperados em uma build de prévia, mas importantes.

Mesmo com esses detalhes técnicos, A.I.L.A demonstra ter algo raro: personalidade. Não tenta imitar Outlast ou Resident Evil; prefere trilhar seu próprio caminho, mais introspectivo e psicológico. A sensação final é de estar diante de um horror que quer ser sentido, não apenas jogado.

Quando o jogo completo for lançado, se conseguir manter essa mesma densidade narrativa e esse equilíbrio entre o real e o virtual, A.I.L.A poderá se tornar um dos títulos de terror mais comentados da nova geração. E, mais do que isso, um lembrete de que o medo mais eficaz ainda é aquele que nasce de dentro da mente — não da tela.

Rômulo Justen
Rômulo Justen

Editor de Games

Jornalista que compila código e combos: troca bugs por chefões desde o Atari 2600. Agora farma XP em action‑RPGs com o filho Noah, sem perder o buff do café.

Jornalista que compila código e combos: troca bugs por chefões desde o Atari 2600. Agora farma XP em action‑RPGs com o filho Noah, sem perder o buff do café.