
Dragon Quest I & II HD-2D Remake me surpreendeu com uma ambição que eu sinceramente não esperava. Sabia que viriam mudanças visuais e melhorias pontuais, como no remake do III, mas aqui o que recebi foram dois jogos inteiros reconstruídos — quase irreconhecíveis na estrutura e no escopo, mas ainda inconfundivelmente Dragon Quest.
A Square Enix e a Artdink pegaram o esqueleto dos dois primeiros jogos da franquia e ergueram sobre eles experiências que beiram o inédito. O que antes eram RPGs clássicos e contidos viraram jornadas vastas, densas, cheias de nuances narrativas, desafios modernos e camadas que não existiam há 40 anos. E o mais impressionante: tudo isso sem quebrar a alma original da série.

Adiantando, já posso falar que foi um prazer enorme reviver esses clássicos no Nintendo Switch 2.
Dois jogos antigos com alma nova
Ao começar Dragon Quest I, me deparei com uma aventura que agora leva em torno de 20 horas, contra as (mais ou menos) 8 horas do original que zerei muito, mas muito tempo atrás no Nintendinho, quando jogo ainda se chamava Dragon Warrior (devido a localização do jogo, mudaram o nome).

O mapa cresceu, surgiram zonas novas, a narrativa se expandiu, e o protagonista — ainda mudo — ganhou carisma e presença graças a cutscenes, animações e escolhas visuais. Ele agora se envolve com side characters recorrentes, age como um verdadeiro herói shonen, e o mundo ao seu redor parece finalmente vivo. Missões opcionais viraram partes integradas da jornada principal, e há muito mais momentos de conexão emocional com NPCs, que reagem, opinam, participam.
Até Rubiss, a deusa criadora, teve sua importância resgatada e transformada num elo vital entre DQ1 e DQ2. Pequenos ajustes que fazem diferença: cenas de humor leve, falas sarcásticas, dilemas morais simples, mas eficazes. Tudo isso fortalece o vínculo com o herói — mesmo que ele nunca fale uma palavra.
Já Dragon Quest II é um caso à parte. O jogo mais esquecido da trilogia original virou o ápice dessa reimaginação. A história tem peso de conclusão, os protagonistas ganharam voz e personalidade, e há interações de grupo que evocam o espírito dos RPGs modernos.
A Princesa de Cannock, por exemplo, que antes mal existia, agora tem um arco próprio. Suas interações com o irmão são cheias de humanidade — às vezes engraçadas, às vezes tensas, mas sempre relevantes. A Princesa de Moonbrooke, por sua vez, começa tomada pela dor da destruição de seu reino e aos poucos transforma sua raiva em propósito.
É uma escrita que não existia no original e que, aqui, ajuda a conectar o jogador com a narrativa. O momento em Rippleport, onde o grupo debate se ainda é possível rir e curtir a viagem, apesar da tragédia, sintetiza bem essa nova abordagem. Esse tipo de sensibilidade emocional transforma DQ2 em uma experiência com muito mais ressonância.

Essa profundidade não é apenas narrativa. DQ2 agora tem um mapa com camadas submarinas inteiras, regiões novas, segredos opcionais e até dungeons inéditas. Tudo foi refeito com tanto cuidado que o jogo parece uma produção moderna, não um remake de 8 bits.
A progressão deixou de ser rígida e se tornou fluida, com liberdade para explorar, retornar a locais anteriores com habilidades novas e encontrar caminhos alternativos. A missão principal é clara, mas o mundo é denso o bastante para instigar a curiosidade do jogador. A missão muda de “derrote o vilão” para “viaje, explore, ajude quem puder”. E essa simples mudança de tom é o que torna tudo tão especial.
Gameplay
O sistema de combate continua por turnos, com poucas firulas modernas. DQ1 exige pensamento meticuloso por ser uma jornada solo: cada decisão entre atacar ou curar pode significar a vitória ou a derrota. A ausência de um grupo muda tudo: o herói depende exclusivamente de suas habilidades e itens, e qualquer erro pode ser fatal.

O uso estratégico de habilidades como Wild Side e Dodgy Dance ganha nova importância, criando combates mais táticos e menos automatizados. Em Dragon Quest II, o combate volta ao formato em grupo, com um protagonista guerreiro e companheiros com funções distintas. Isso gera sinergias interessantes — o uso combinado de buffs e magias ofensivas, por exemplo, pode virar o jogo a seu favor em batalhas mais exigentes.
A introdução dos Sigils em ambos os jogos adiciona uma camada extra de complexidade. Esses itens passivos alteram o comportamento dos personagens em condições específicas, criando dilemas: vale a pena curar agora ou arriscar para ativar o efeito bônus? Essa mecânica sozinha já moderniza o combate sem trair sua essência.
Outro ponto bem-vindo é a possibilidade de acelerar as batalhas, reduzindo o tempo entre turnos. Isso evita a fadiga típica dos combates por turnos, especialmente nos encontros randômicos mais fáceis, e melhora o ritmo da aventura. As opções de dificuldade (modo Draky Quest com invencibilidade opcional) são um bom toque para atrair novos jogadores sem comprometer a experiência de quem quer desafio real.
Gráficos & Desempenho
O visual HD-2D já se provou eficaz em Octopath Traveler, e aqui brilha. A mistura de pixel art com ambientes 3D iluminados e detalhados gera paisagens encantadoras. Os castelos, florestas e oceanos têm profundidade.

As animações de batalha, como feitiços com cristais de gelo ou ataques envoltos em auras flamejantes, são espetaculares. O efeito de luzes dançando nas águas ou das sombras em catacumbas escurecidas ajuda a construir uma sensação constante de escala e mistério.
O desempenho foi impecável nas minhas sessões. Joguei em modo portátil e dockado, sem notar travamentos, quedas de frame ou input lag perceptível. A interface é limpa, com textos legíveis e atalhos bem posicionados. É um remake que respeita o tempo e a atenção do jogador moderno.
Narrativa & Ambientação
O salto narrativo é imenso. Dragon Quest I agora conta com a presença da deusa Rubiss, ampliando o lore. DQ2 ganha peso emocional real, especialmente com a Princesa de Moonbrooke, que começa movida por vingança e evolui para lutar por um bem maior. As interações entre os primos são constantes e bem escritas, especialmente os irmãos de Cannock, que trazem leveza e cumplicidade genuína.
Mesmo o mundo, antes um amontoado de vilas genéricas, agora é construído com identidade. NPCs reagem ao progresso da história, fazem comentários contextuais, e alguns até se tornam recorrentes. Não há voice acting completo, mas há entonações, respirações, reações que ajudam a dar humanidade a todos. Isso vale especialmente para DQ2, onde o senso de jornada em grupo é tangível.
Trilha sonora & Áudio
As faixas clássicas foram reorquestradas com cuidado, mantendo o espírito original. Os efeitos sonoros são limpos e impactantes. A dublagem é discreta mas eficiente, trazendo vida aos personagens sem exageros. Os ambientes têm ambiência auditiva convincente, com sons de mar, vento e calabouços reforçando a imersão.
Gostei especialmente da música de Rippleport, com cordas suaves e um tom melancólico que casa com o momento emocional da narrativa. A OST acompanha cada virada emocional da trama e reforça a identidade de cada região.
Veredito
Dragon Quest I & II HD-2D Remake é mais do que uma homenagem: é uma reinvenção cuidadosa, emocionante e tecnicamente brilhante. DQ1 talvez tenha se estendido demais para os padrões atuais, mas isso nunca pesa o suficiente para comprometer a experiência.
DQ2, por outro lado, é praticamente um novo clássico, que faz justiça ao seu papel de encerramento da trilogia de Erdrick. Essa coletânea encerra o ciclo com maestria — e me deixou imaginando o que Square Enix pretende fazer com Dragon Quest IV ou VII no futuro.