Review | Kizuna Encounter: Super Tag Battle — o futuro dos fliperamas

Há algo fascinante em revisitar um jogo que passou despercebido em sua época. Kizuna Encounter: Super Tag Battle é exatamente esse tipo de título: um diamante bruto que, em 1996, acabou ofuscado pela avalanche de gigantes como X-Men vs. Street Fighter e The King of Fighters ‘96. Hoje, quase trinta anos depois, ele volta pelas mãos da Code Mystics — e, curiosamente, parece mais atual do que nunca.

Sequência direta de Savage Reign, Kizuna Encounter nasceu como um experimento. A SNK queria algo que misturasse a energia do combate corpo a corpo de Art of Fighting com o estilo acrobático de Fatal Fury — e ainda adicionasse algo novo.

A resposta foi o sistema de duplas em tempo real: cada jogador escolhe dois lutadores e pode alternar entre eles com o toque de um botão, desde que esteja dentro da “Tag Zone” do cenário. É simples, mas dá uma nova camada de estratégia. O resultado é um jogo de ritmo intenso, quase caótico, mas sempre divertido.

Revisitar essa estrutura hoje é perceber o quanto Kizuna Encounter estava à frente de seu tempo. Antes mesmo de Tekken Tag Tournament ou Marvel vs. Capcom, a SNK já flertava com o formato “2×2” e explorava conceitos de parceria, risco e timing. A diferença é que, na época, o mundo ainda não estava pronto para isso.

A estética pós-apocalíptica, o elenco excêntrico e o marketing tímido não ajudaram a popularizar o jogo nos arcades. Mas em 2025, essa mistura de estilo e experimentação é justamente o que o torna tão interessante.

O elenco é pequeno — apenas 12 personagens —, mas cada um parece feito à mão. O visual carrega o traço forte e o exagero característico da SNK dos anos 90: músculos desenhados à caneta, poses dramáticas e golpes com nomes absurdos.

A chegada dos novatos Kim Sue Il, Rosa e Jyazu injeta personalidade, quebrando o clima estranho herdado de Savage Reign. Rosa, em especial, é o tipo de personagem que parece ter saído direto de um anime de ação — estilosa, letal e dona de um carisma raro em jogos daquela geração.

Graficamente, o jogo é um espetáculo 2D. Os sprites são grandes, animados com precisão e cheios de detalhes. O fundo das arenas é pintado com o mesmo cuidado que a SNK aplicava em Samurai Shodown e King of Fighters ‘95, e a ambientação sombria cria uma atmosfera quase cyberpunk.

O toque especial está nos personagens “tagueados”: enquanto esperam sua vez, eles permanecem visíveis no fundo do cenário, observando a luta, prontos para entrar em ação — um detalhe técnico e visual que, para 1996, era pura ousadia.

A nova versão para PC, desenvolvida pela Code Mystics, é um presente para quem ama jogos de luta retrô. Além de preservar o visual original com fidelidade, ela adiciona o que mais importa em 2025: rollback netcode.

O resultado são partidas online fluidas, estáveis e incrivelmente responsivas, até mesmo entre jogadores de continentes diferentes. É quase poético pensar que um jogo esquecido dos fliperamas agora brilha em servidores modernos, jogado por fãs que talvez nem tivessem nascido quando ele estreou.

O modo de treinamento é outro acerto. Completo, técnico e cheio de opções de personalização, permite ajustar velocidade, hitboxes e comportamento de IA — algo impensável na década de 90. Para quem quer aprender a fundo, é uma aula de design de sistemas de luta, e mostra que a Code Mystics realmente se importa em preservar e ensinar, não apenas relançar.

Claro, Kizuna Encounter ainda carrega suas peculiaridades. Alguns personagens são estranhos, outros parecem saídos de universos completamente diferentes. O equilíbrio é questionável — há golpes com hitboxes generosas e movimentos difíceis de punir. Mas esse é o charme dos anos 90: tudo é exagerado, tudo é intenso. Nada foi feito para ser neutro.

O que mais chama atenção é a sensação de energia. Os sons metálicos dos golpes, as vozes cheias de eco, a velocidade das trocas — tudo pulsa como um arcade vivo. E é aí que mora o encanto. Mesmo sem o prestígio de KOF ou Samurai Shodown, Kizuna Encounter tinha algo que poucos perceberam na época: coração. Um coração pulsante, cheio de estilo e vontade de ser algo diferente.

Hoje, no PC, ele finalmente tem o palco que merece. É mais do que um relançamento: é uma segunda chance. E talvez, depois de tanto tempo, Kizuna Encounter finalmente encontre o público que sempre mereceu.

Nota: 8/10

(Um clássico esquecido que envelheceu surpreendentemente bem — e que ainda sabe divertir como poucos.)

Rômulo Justen
Rômulo Justen

Editor de Games

Jornalista que compila código e combos: troca bugs por chefões desde o Atari 2600. Agora farma XP em action‑RPGs com o filho Noah, sem perder o buff do café.

Jornalista que compila código e combos: troca bugs por chefões desde o Atari 2600. Agora farma XP em action‑RPGs com o filho Noah, sem perder o buff do café.