
Desde o momento em que experimentei Ninja Gaiden: Ragebound na Steam Next Fest, algo me dizia que esse seria “o” jogo do ano pra mim. E olha que não falo isso levianamente. Sou apaixonado por jogos 2D de ação — Blasphemous, Dead Cells, The Messenger, Katana Zero — todos me marcaram. Mas Ragebound é diferente. Ele tem um ritmo de precisão cirúrgica, um design old school sem enrolação, e um respeito gigantesco pela própria herança.
O jogo não tenta reinventar a roda com sistemas de RPG ou caminhos ramificados. Ele pega tudo que Ninja Gaiden representou no passado e transforma numa ode ao puro gamefeel. Desde os primeiros segundos, com Kenji cortando demônios em um templo em chamas, já senti que estava diante de algo especial.
Kenji e Kumori: rivalidade, química e violência sincronizada
Você não joga aqui com o Ryu Hayabusa, o lendário protagonista da série. Mas calma: ele aparece. A missão da vez recai sobre Kenji Mozu, do Clã Hayabusa, que precisa conter uma ameaça demoníaca em ascensão. Acompanhado por Kumori, uma kunoichi do Clã Aranha Negra — tradicionalmente inimigo mortal dos Hayabusa —, a trama é simples, mas funciona como um pano de fundo divertido e até carismático.
A relação entre os dois é o coração narrativo do jogo. Kumori e Kenji têm química. Durante as missões, o diálogo flui com leveza, e há até espaço para piadas sutis. A escrita não tenta reinventar narrativas ninja, mas faz o suficiente para dar peso aos personagens. E, sinceramente? Kenji é um protagonista incrível. Determinado, humano, irônico na medida certa.
O jogo nunca perde tempo com textões ou cutscenes longas. Quando a história entra, ela enriquece. Quando o combate exige foco, ela sai da frente.
Combate que vicia: um golpe, um impacto
Ragebound segue uma filosofia clara: precisão é tudo. A maioria dos inimigos morre com um único golpe — assim como nos primeiros Ninja Gaiden e nos clássicos Castlevania. Mas isso não significa que o jogo seja fácil. Pelo contrário: cada confronto exige atenção, reflexo e leitura de padrões.
O controle é absurdo de preciso. Pular, escalar, esquivar — tudo responde com fluidez. A sensação de controle absoluto sobre Kenji é indescritível. O ataque principal é uma sequência de cortes com a katana, que pode ser encadeada e combinada com pulos, dashes e o uso da habilidade especial Hypercharged Slash.
Essa habilidade é ativada ao golpear inimigos marcados com um brilho específico. É um sistema de cores que exige que você use o personagem certo (Kenji ou Kumori) para carregar a barra. Parece complexo, mas logo vira instintivo. É recompensador e exige leitura tática sem jamais ficar maçante.
Kumori é mais que suporte
Kumori entra com sua própria barra de ataque — rosa — e habilidades à distância. Ela lança kunais em quatro direções, o que ajuda demais a manter o controle do campo. Quando os dois personagens se fundem, o sistema de combate se expande de forma natural. Usar Kumori para abrir espaço e Kenji para finalizar se torna um instinto.
É uma sinfonia de destruição. Nunca me senti travado ou limitado. Sempre existia uma forma de sair de um sufoco — bastava acertar o tempo. Esse jogo recompensa habilidade, não grind.
Uma dança mortal com precisão pixelada
Poucos jogos conseguem unir tanta velocidade e controle com uma sensação de impacto tão marcante. Em Ragebound, cada movimento tem peso, cada esquiva é calculada, e o timing define tudo. O Guillotine Boost é uma das mecânicas mais inteligentes do jogo: um salto que permite subir em inimigos, causar dano e alcançar plataformas ou rotas secretas. A sensação de usar isso em sequência, combinando com kunais e cortes aéreos, é pura adrenalina.
E o mais interessante: a Game Kitchen — estúdio por trás da série Blasphemous — criou um sistema que parece simples, mas esconde camadas. Quanto mais você joga, mais descobre pequenos truques de movimento, atalhos e formas criativas de encarar as fases. Há uma curva de aprendizado real, que recompensa dedicação com domínio quase cirúrgico.
Golden Scarabs, Talismãs e builds personalizadas
Espalhados pelos mapas, os Golden Scarabs funcionam como coletáveis essenciais. Eles permitem desbloquear Talismãs — itens passivos que modificam a dificuldade, aumentam dano, alteram o funcionamento de habilidades ou adicionam efeitos. É aqui que o jogo permite ajustes finos para cada estilo de jogador.
Quer mais desafio? Pegue o talismã que reduz sua vida ao mínimo. Quer builds focadas em combos aéreos ou resistência? Há talismãs para isso também. É um sistema leve, não intrusivo, mas que adiciona profundidade para quem busca mais replay.
Além disso, é possível desbloquear novas armas para Kumori, cada uma com efeitos diferentes. Em uma run, usei kunais explosivos; na outra, preferi lâminas de ricochete. O sistema incentiva voltar às fases, caçar cada Scarab, e experimentar.
Os melhores chefes do ano
Vamos falar dos chefes: são espetaculares. Cada um tem seu estilo, seu ritmo e padrão próprio. Há gigantes demoníacos que dominam a tela, guerreiros com armas exóticas, monstros voadores — e todos com animações incríveis.
Os confrontos lembram os melhores momentos de Hollow Knight ou Ori. Não são lutas injustas: cada golpe do inimigo é telegrafado com clareza, cada hit seu tem impacto. Existe ritmo, leitura, adaptação. Na terceira tentativa, você começa a dançar com o chefe. Na quinta, você o domina.
E quando você consegue derrotar um sem tomar dano? É uma das sensações mais recompensadoras do ano. Eu literalmente levantei do sofá e comemorei em voz alta — fazia tempo que não sentia isso com um jogo de ação.
Pixel art de outro nível
Se você já jogou Blasphemous ou The Last Faith, já sabe que a Game Kitchen domina a arte do pixel. Mas Ragebound vai além. O nível de detalhe é insano. Cada inimigo tem uma silhueta distinta, com movimentos fluidos e ataques fáceis de identificar visualmente — algo essencial em jogos velozes. As animações de Kenji e Kumori são suaves e variadas: desde a forma como desembainham suas armas até a postura de espera quando você larga o controle por alguns segundos.
A direção de arte mistura o gótico sombrio de Castlevania com a vibe urbana de Ninja Gaiden Sigma. Os fundos das fases não são apenas belos: eles são narrativos. Uma vila destruída mostra demônios empalados. Um templo é iluminado por lanternas trêmulas, revelando rituais sangrentos. O cenário sempre contribui para a imersão — sem precisar de texto.
A violência é estilizada, mas intensa. O sangue jorra em jatos vermelhos quando você finaliza um inimigo, e os chefes explodem em efeitos visuais satisfatórios. Não é grotesco como Blasphemous, mas tem identidade própria: ágil, visualmente agressiva e coerente com o ritmo do jogo.
Trilha sonora: nostalgia com pegada moderna
A trilha sonora é outro acerto absurdo. Composta por faixas que misturam chiptune com elementos percussivos tradicionais japoneses, a OST respeita profundamente a trilogia clássica. Vários momentos evocam memórias diretas de Ninja Gaiden II, com batidas frenéticas durante os combates e melodias melancólicas entre as fases.
E o mais importante: as músicas não enjoam. Mesmo repetindo fases para caçar coletáveis ou alcançar ranking S, as faixas continuam envolventes. Os efeitos sonoros — os estalos de cortes, o som seco dos pulos e o impacto das finalizações — completam uma ambientação sonora precisa. Joguei parte do game com fones e posso dizer com segurança: é uma das melhores mixagens que já ouvi em jogos 2D este ano.
Desafios, ranks e rejogabilidade real
Ao terminar a campanha, Ragebound não te solta. Você vai querer voltar. As fases têm rankings de desempenho (de D a S), que levam em conta velocidade, mortes e dano recebido. Atingir um Rank S não é fácil, mas é um desafio justo — e, honestamente, viciante.
Além disso, você desbloqueia novas dificuldades, modos de desafio com restrições (como terminar uma fase sem usar a fusão com Kumori) e até fases extras com layout modificado. Em algumas runs, optei por usar apenas armas básicas para testar minha habilidade; em outras, fui atrás de 100% dos Scarabs.
A variedade é grande sem inflar artificialmente o conteúdo. Não há grind. Não há enrolação. É tudo baseado na sua vontade de melhorar, de dominar o jogo. E isso é raro nos dias de hoje.
VEREDITO
Ninja Gaiden: Ragebound é, sem exagero, o melhor jogo de ação 2D que joguei nos últimos anos. Ele respeita a herança da franquia, mas tem coragem de inovar com mecânicas modernas, ritmo afiado e um elenco memorável. Kenji e Kumori são protagonistas com carisma, a direção de arte é deslumbrante e o combate é simplesmente viciante.
Não tem árvore de habilidades inchada. Não tem grind forçado. Só controle preciso, desafio justo e adrenalina. É tudo que eu amo em um jogo de ação — e mais um pouco.
Se você curte Ninja Gaiden, Castlevania, The Messenger ou Hollow Knight, não pense duas vezes.