
Joguei Octopath Traveler 0 no PC e, de cara, senti que algo estava diferente. Apesar de carregar o nome e o estilo HD-2D que consagrou a série, o jogo abre mão da estrutura clássica das “oito jornadas paralelas” e aposta num formato mais focado, ainda que esconda isso atrás de uma fachada de liberdade inicial.
A impressão é de um RPG que quer te puxar pelo braço até você se perder — e se encontrar — dentro de Orsterra. A câmera ajuda a camuflar algumas falhas visuais, mas o impacto emocional do prólogo me pegou de surpresa.

A sequência em Wishvale, com a tragédia que dá origem à jornada, me deixou no sofá por uns minutos só encarando a tela. E você, até onde você iria pra reconstruir um lar que foi tirado de você?
Uma virada de estrutura para a série Octopath
Ao invés de encarnar oito protagonistas com histórias isoladas, aqui você cria seu próprio personagem — um suporte narrativo que testemunha (e às vezes influencia) os eventos centrais da trama.
A escolha inicial entre três rotas principais funciona como um grande prólogo, mas é quando a campanha do Master of All entra em cena que o jogo realmente engrena. Até lá, a experiência pode parecer truncada: sistema de batalha amarrado, dungeons rasas e ritmo irregular. Mas a recompensa por insistir vem. E como vem.

Octopath Traveler 0 recicla e expande arcos do antigo Champions of the Continent, o gacha mobile da franquia. O resultado é um Frankenstein narrativo com alma: cada linha do tempo tem seus próprios créditos finais, como se fossem mini-RPGs dentro de um mosaico maior.
Dá pra sentir as costuras em alguns momentos — especialmente nas animações reutilizadas e na compressão do áudio em inglês —, mas o saldo final é de admiração. Parece um experimento que deu certo na marra.
Batalhas densas, sistemas mais profundos
A estrutura de combate segue o DNA da série: atacar fraquezas revela blocos de escudo e quebra a defesa dos inimigos, abrindo espaço para ataques massivos. O sistema de Break & Boost continua delicioso de manipular, e agora o jogo exige estratégia dupla com a formação de oito personagens em combate: quatro ativos, quatro de suporte. Trocar a linha de frente vira não só uma questão de vantagem elemental, mas de sobrevivência mesmo.

Alguns ajustes de design dificultam a vida no início. A obrigatoriedade de montar times completos desde o começo engessa a progressão. A construção de mundo sofre com mapas simplificados e textura lavada — especialmente perceptível em telas grandes. Mas não tem desculpa pro downgrade perceptível nas falas em inglês comparado ao Octopath II. Acabei voltando pro áudio japonês.

A curva de aprendizado nos sistemas demora, mas cresce bem. Com o tempo, Path Actions — antes reduzidas a um mini game de recrutamento — começam a interagir com a restauração de Wishvale, cidade-base que evolui à medida que você convida NPCs pra morar nela.
É um metajogo que recompensa a exploração e desbloqueia melhorias importantes de QoL. Não chega a ser empolgante, mas cria um vínculo emocional com o espaço, o que combina bem com o trauma inicial da história.
Um RPG que cobra tempo, mas devolve o investimento
É fácil largar Octopath Traveler 0 nas primeiras 10 horas. Há uma sensação de desânimo nos mapas simples e nos combates ainda travados. Mas quando os chefes começam a exigir pensamento tático, reposicionamento em tempo real e uso inteligente de classes, o jogo finalmente te prende.

Os sistemas se entrelaçam com as histórias pessoais dos vilões e a escrita atinge picos de excelência nos arcos finais. Há uma carga emocional palpável nas conclusões — especialmente na saga do Master of All, que exige um esforço físico e mental considerável. O último chefe me espancou mesmo com o time superlevelado.

O jogo também acerta no pós-game e nos conteúdos paralelos. As sidequests vão se tornando menos óbvias, os puzzles de dungeon mais engenhosos, e as batalhas opcionais puxam pela criatividade da sua formação. E, diferente dos títulos anteriores, há mais liberdade na progressão sem perder o foco central da trama.
Veredito
Recomendo Octopath Traveler 0 pra quem curte histórias mais sérias em mundos de fantasia, com um foco maior em justiça e trauma do que em heroísmo puro. É uma experiência longa e que exige paciência, mas também entrega um tipo de recompensa que poucos JRPGs oferecem hoje: um mergulho emocional e mecânico que só amadurece com o tempo.

Se você gostou de Octopath Traveler II ou sempre achou o primeiro disperso demais, vai se sentir em casa aqui. Já quem prefere narrativas episódicas, combate mais ágil ou uma direção artística mais consistente talvez fique frustrado.
O jogo ainda precisa de um patch pra resolver os problemas de compressão no áudio inglês e a inconsistência de assets nos mapas iniciais, mas fora isso, roda muito bem no Switch 2 e nos handhelds mais modernos.