Voltar ao universo de Shinobi depois de tantos anos foi quase como reencontrar um velho amigo. Dei start no jogo no Steam com uma mistura de expectativa e receio. Logo nos primeiros minutos, percebi que Shinobi: Art of Vengeance não é só um reboot: é um recomeço grandioso, daqueles que sabem respeitar o passado e, ao mesmo tempo, ditam um novo futuro.
O jogo me coloca na pele de Joe Musashi, lendário líder do clã Oboro, agora vivendo um raro período de paz. Isso até que Lord Ruse e sua corporação E.N.E. chegam para varrer tudo do mapa, transformando a vila e praticamente todo o clã em pedra. É o tipo de premissa simples que serve de gatilho para algo maior. Não precisei de uma narrativa complexa para sentir o peso da vingança, mas confesso que queria mais profundidade nos aliados que conheci ao longo da jornada.
Uma nova alma para o gameplay clássico
Logo no primeiro combate, percebi como a Lizardcube evoluiu a fórmula. A sensação é quase de estar jogando um character action game moderno, mas sem perder o DNA clássico. Os controles são rápidos, responsivos e me deixaram experimentar com combos desde o início. Entre ataques leves e pesados, desbloqueando novas habilidades, fui aprendendo a conectar movimentos de maneiras que lembram títulos como Devil May Cry, mas mantendo a essência do Shinobi.
O ponto alto para mim foi o dash cancel. Cancelar qualquer golpe para deslizar e recomeçar uma sequência dá uma fluidez absurda ao combate. Somado aos arremessos de kunai, que alimentam a barra de execução dos inimigos, cada encontro se torna uma dança sangrenta. É viciante testar quantos oponentes consigo executar simultaneamente para ganhar mais recompensas. A cada luta, parecia que o jogo me desafiava a ser mais criativo.
Estratégia e estilo na ponta da lâmina
Por mais rápido e dinâmico que o combate seja, Shinobi: Art of Vengeance me forçou a pensar. Executar inimigos rende mais moedas, vida e kunai, mas exige expor-se ao risco. Aprendi que matar rápido nem sempre é a melhor escolha. Esse equilíbrio entre estilo e estratégia deixou cada encontro memorável, especialmente nas arenas de desafio onde ondas de inimigos aparecem.
O arsenal cresce com o tempo: os Ninpo oferecem habilidades mágicas, como rajadas de fogo e escudos aquáticos, enquanto os Ninjutsu são técnicas devastadoras que só ativam com a barra de raiva cheia. Usei bastante o Fire Breathing Ninpo para eliminar hordas menores, mas quando os chefes entravam em cena, nada substituía um bom curativo instantâneo ou aquele ataque em área que limpa a tela.
Ainda assim, a quantidade de sistemas pode assustar no começo. Por sorte, não precisei dominar tudo: dominar dois ou três combos e entender o timing dos Ninpo foi o suficiente para me divertir desde cedo.
Uma jornada entre segredos e cenários deslumbrantes
Algo que me surpreendeu foi a variedade dos estágios. As primeiras fases já me jogaram de volta à vila Oboro, com suas lanternas tremulando ao vento, mas logo me vi escalando os prédios de uma Neo City repleta de luzes neon, deslizando por desertos carmesim e explorando uma base subaquática misteriosa. Cada cenário parece cuidadosamente pintado à mão, e isso mantém a sensação de frescor a cada nova área.
Explorar vai além do visual: o jogo recompensa a curiosidade. Descobri Relíquias Oboro, usadas para desbloquear itens raros na loja, e Rifts, portais que levam a desafios brutais. Confesso que alguns desses testes exigiram dezenas de tentativas, mas completar cada um traz aquela satisfação que só jogos bem pensados entregam.
A estrutura das fases lembra um pouco um mini Metroidvania. Alguns caminhos ficam bloqueados até você conquistar habilidades específicas, como a garra de escalada ou o planador. Não é necessário revisitar tudo, mas para quem busca 100% de completude, voltar a estágios antigos se torna quase obrigatório. Ainda bem que existe viagem rápida entre checkpoints, o que torna o processo bem menos cansativo.
Visual e direção artística impecáveis
A Lizardcube se superou aqui. Eu já admirava o estilo visual de Streets of Rage 4 e Wonder Boy: The Dragon’s Trap, mas Shinobi: Art of Vengeance leva isso a outro nível. Cada detalhe, dos cenários aos inimigos, parece feito para ser contemplado. Algumas animações perdem um pouco de definição em cortes de câmera mais próximos, mas, no geral, é difícil não parar para apreciar cada quadro.
O uso de uma câmera dinâmica aumenta a sensação de imersão: ela se aproxima para destacar animações detalhadas e se afasta para revelar panoramas impressionantes, como a vista da Neo City sob chuva pesada, repleta de referências à SEGA clássica. É um trabalho visual que consegue equilibrar nostalgia e modernidade de forma quase perfeita.
E a mistura de 2D com 3D nos cenários e personagens ficou impecável.
Trilha sonora de mestres
A trilha sonora merece um parágrafo à parte. Os lendários Yuzo Koshiro (Shinobi, Streets of Rage) e Tee Lopes (Sonic Mania) criaram uma mistura de sintetizadores retrô e batidas modernas que simplesmente não sai da cabeça. Cada fase tem uma identidade sonora única, reforçando a ambientação e o ritmo da ação. Já salvei mentalmente a playlist para o dia que ela cair no Spotify.
O resultado final é um espetáculo audiovisual: cada batalha, cada salto e cada exploração são embalados por uma produção artística e sonora que respeita o passado, mas brilha no presente.
Uma história funcional, mas esquecível
A narrativa tenta dar mais profundidade ao universo de Shinobi, mas acaba funcionando mais como um pano de fundo para a ação. O clã Oboro está em ruínas, Joe Musashi busca vingança, e a E.N.E. Corp ameaça o mundo com ambições de dominação global. É uma trama direta, que cumpre seu papel, mas não chega a empolgar.
Gostaria de ter visto mais desenvolvimento nos aliados de Joe. Apesar de existirem personagens interessantes, suas histórias são breves e pouco exploradas. Joe sequer tem falas — o que até reforça seu perfil clássico, mas limita a conexão emocional. A sensação geral é que a narrativa ficou em segundo plano, o que pode frustrar quem esperava uma expansão mais ousada.
E claro: isso pode ser melhorado em um Shinobi 2, 3, 4…
Modos extras e fator replay
Depois de terminar a campanha principal, que durou cerca de 15 horas, ainda encontrei motivos para continuar jogando. O Arcade Mode adiciona um desafio interessante, exibindo pontuação e tempo para cada fase, enquanto o Boss Rush coloca todos os chefes em sequência, testando reflexos e domínio do combate.
A exploração de 100% também prolonga a experiência. Caçar relíquias, amuletos e completar os Rifts pode ser recompensador, mas aqui encontrei um problema: o mapa. Apesar de marcar áreas secretas, ele não atualiza corretamente após coletar os itens, o que torna a limpeza completa um processo confuso.
Shinobi: Art of Vengeance e o peso do legado
É impossível jogar Shinobi: Art of Vengeance sem pensar no impacto que essa franquia teve nos anos 80 e 90. A Lizardcube conseguiu a proeza de modernizar os sistemas de combate, direção artística e ambientação, ao mesmo tempo que preserva a identidade da série.
A experiência do jogo é viciante. Cada confronto é um convite para experimentar novas combinações, abusar do dash cancel e sentir o peso de cada golpe. A trilha sonora impecável e os visuais estonteantes tornam o pacote ainda mais memorável.
Veredito
Shinobi: Art of Vengeance não só honra a franquia, como a eleva para um novo patamar técnico e artístico. O combate é profundo, responsivo e incrivelmente satisfatório. A exploração oferece recompensas reais, e os modos extras mantêm a longevidade do jogo. Por outro lado, a narrativa rasa, o mapa confuso e algumas colisões estranhas impedem que ele seja perfeito.
Nota final: 9/10
Se você é fã de ação 2D com toques modernos, este é um retorno triunfante que não pode ser ignorado. Para mim, a SEGA acertou em cheio.