Há quase 60 anos, moqueca é o que corre nas veias da família Bodevan. Em um restaurante, de frente para a Praia da Costa, em Vila Velha, Ricardo aprendeu com o pai, Osmar, sobre fidelidade, compromisso e tradição capixaba.
Foi lavando a louça em cima de caixas de refrigerante e descascando camarão ainda criança que a jornada começou. O restaurante Atlântica, fundado por Osmar em 1967, foi onde Ricardo cresceu — literalmente, já que a casa da família ficava no andar de cima. A cozinha era quintal e sala de aula.
A moqueca, claro, foi o primeiro prato que aprendeu com o pai, e até hoje o mais marcante. “Quase tomei caldo de moqueca na mamadeira”, brinca. “Lembro do meu pai cozinhando de sunga, camiseta e chinelo de dedo, com o restaurante lotado. Ele ia pra praia de manhã, dava os mergulhos dele, voltava, botava uma camiseta e ia cozinhar. Hoje isso não existe mais, claro, mas é uma boa lembrança”.
Nem ele nem o pai são chefs de formação, e Ricardo diz que se deixou ser chamado de chef por pura questão burocrática, mas prefere “cozinheiro de culinária capixaba”.
Meu pai influenciou 100% essa decisão. Ele nunca virou pra mim e disse: ‘Você tem que cozinhar.’ Mas foi a vivência com ele. Ele sabia ser dono de restaurante, ser cozinheiro. Principalmente com a culinária capixaba.
Transição sem pressa
Hoje, aos 81 anos, Osmar ainda está à frente do restaurante. Vai todos os dias, acompanha o movimento e cobra a presença do filho. “O restaurante é a vida dele”, diz Ricardo. A sucessão tem acontecido aos poucos, sem ruptura. Osmar continua responsável pelo administrativo e o filho, de volta ao Espírito Santo após um período nos Estados Unidos, tem se preparado para assumir cada vez mais.
Ricardo, a esposa e os três filhos partiram em busca do “sonho americano” em 2018 e decidiram retornar em 2023, quando Osmar enfrentou problemas de saúde. Após acompanhar o pai por quase dois meses no hospital, ficou claro que ele não teria mais condições de tocar o restaurante sozinho.
“Eu, minha esposa e a minha filha caçula decidimos voltar em dezembro de 2023, e eu já cheguei com outro olhar, pensando nessa transição administrativa. Espero que demore muito para eu receber a ‘chave’ completamente, mas é inevitável que aconteça”, reconhece.
Tradição que ultrapassa gerações
Durante o tempo que passou nos Estados Unidos, Ricardo trabalhou com gastronomia, fazendo eventos e atendendo artistas brasileiros, como Ivete Sangalo e Simone Mendes, e os filhos acompanhavam, quando podiam.
Hoje, uma das filhas, Julia Callegari, de 20 anos, segue seus passos. Apesar de fazer faculdade de cinema, trabalha em um restaurante americano e já ficou sozinha na linha de produção da cozinha. Wendy Bodevan, de 7 anos, voltou com os pais para o Brasil e também já “brinca de cozinhar” com o pai.
Mesmo sem pressão para que os filhos sigam na profissão, ele compartilha com eles o que aprendeu com Osmar: ser sincero, fazer com prazer, respeitar o que se coloca na mesa. Mais que receitas, Ricardo diz que herdou valores.
Papai sempre foi muito honesto. E, lidando com comida, honestidade é sinônimo de qualidade. Peixe fresco é peixe fresco, camarão novo é camarão novo. Isso é fundamental.