Recusar vacina contra Covid-19 pode dar demissão por justa causa

Com o intuito de conter a pandemia do coronavírus (SARS-CoV-2), o Brasil investe, atualmente, em campanha de imunização com a disponibilização de vacinas aprovadas pela ANVISA de forma gradual a toda a população.

Neste caso, a vacinação é uma medida de saúde pública, que envolve questões de coletividade e responsabilidade social. E para que haja, de fato, a retomada econômica e social do País, é necessário alcançar a “imunidade de rebanho” – o que significa ter a maioria da população está imunizada. Caso contrário, a proliferação do vírus pode seguir apresentando mutações virais e novas variantes não abrangidas pelas vacinas já existentes.

Por isso, é essencial que todos os cidadãos sejam devidamente informados quanto à necessidade e à importância da vacinação.

Nesse ponto, os empregadores assumem um papel fundamental de orientação quanto à vacinação de seus colaboradores. Isso porque o ambiente de trabalho é o local em que grande parte dos empregados passa, em média, 10 horas – o que significa contato frequente com outros funcionários, clientes e demais terceiros. O risco de contágio inclui, também, o trajeto e o transporte público. Sendo assim, o ambiente de trabalho configura um foco em potencial de transmissão do coronavírus.

É por isso que medidas de segurança como redução de aglomerações, uso de máscaras, isolamento social e aplicação de teletrabalho – sempre que possível – se tornaram condições de segurança do trabalho e devem ser fiscalizadas pelos empregadores.

Além disso, a vacinação contra a covid-19 também passa a figurar como medida de segurança do trabalho, especialmente quando do retorno das atividades presenciais. É primordial que a maioria dos colaboradores esteja imunizada para que a saúde de todo quadro de funcionários – além dos eventuais clientes, pacientes e terceiros envolvidos na cadeia da atividade empresarial – seja assegurada.

Com isso, o PCMSO passa a integrar o programa de vacinação contra o coronavírus com fito de exigir a vacinação para os colaboradores como medida essencial e necessária para o exercício funcional, além das medidas de segurança e saúde previstas no PPRA.

Diante disso, surge a dúvida quanto à obrigatoriedade da vacinação e da melhor conduta a ser adotada em caso de recusa vacinal pelo colaborador. O tema já foi abordado pelo Supremo Tribunal Federal quando do enfrentamento das Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI) 6586 e 6587 e do julgamento do Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 1267879.

Em resumo, as decisões proferidas foram no sentido de que a vacinação contra a covid-19 é obrigatória, desde que preenchidos requisitos como embasamento científico, ampla informação sobre eficácia, segurança e contraindicações, distribuição universal e gratuita, respeito à dignidade humana e direitos fundamentais dos indivíduos, além da observância de critérios de razoabilidade e proporcionalidade.

Dessa forma, a imunização contra o SARS-CoV-2, além de medida coletiva e de saúde pública, traz o exercício do direito à vida e à saúde, motivo pelo qual foi devidamente incluída no Plano Nacional de Imunização (PNI). Nesse sentido, o STF, no julgamento do ARE, justificou que “é constitucional a obrigatoriedade de imunização por meio de vacina que, registrada em órgão de vigilância sanitária, (i) tenha sido incluída no Programa Nacional de Imunizações ou (ii) tenha sua aplicação obrigatória determinada em lei ou (iii) seja objeto de determinação da União, Estado, Distrito Federal ou Município, com base em consenso médico-científico. Em tais casos, não se caracteriza violação à liberdade de consciência e de convicção filosófica dos pais ou responsáveis, nem tampouco ao poder familiar”.

O Ministério Público do Trabalho, através do Grupo de Trabalho Nacional – GT COVID19, editou, no mesmo sentido, o Guia Técnico Interno do MPT sobre Vacinação da Covid-19, no qual concluiu que “a recusa injustificada do trabalhador em submeter-se à vacinação disponibilizada pelo empregador, em programa de vacinação previsto no PCMSO, observados os demais pressupostos legais, como o direito à informação, pode caracterizar ato faltoso e possibilitar a aplicação de sanções previstas na CLT ou em estatuto de servidores, dependendo da natureza jurídica do vínculo de trabalho”.

Verifica-se que cabe ao empregador, portanto, adotar medidas de conscientização, educação e orientação de seus colaboradores quanto à importância e à eficácia das vacinas, visando, inclusive, dirimir possíveis vícios de consentimento decorrentes de fake news. Um programa de educação nesse sentido é de suma importância para que haja a possibilidade de demissão justificada em eventual recusa na vacinação por um determinado empregado, que implique em risco aos demais colaboradores, clientes, pacientes ou terceiros envolvidos na atividade empresarial.

Segundo o referido guia do MPT, a recusa vacinal injustificada pelo colaborador, após orientação e prévias sanções disciplinares, poderá ensejar demissão por justa causa, por configurar falta grave e colocar em risco a coletividade de trabalhadores. Entretanto, vale lembrar que, em casos justificados – como alergias ou justificativas médicas -, tal medida não poderá ser aplicada, devendo o empregador, providenciar medidas para a prevenção da saúde desse funcionário, como o trabalho à distância, por exemplo.

Existe respaldo técnico e jurídico na aplicação da demissão por justa causa de colaboradores que se recusam – injustificadamente e após ampla informação – a se vacinarem contra a covid-19. Contudo, tal medida só poderá ocorrer após a inclusão desse requisito no PCMSO e concessão de programa de conscientização coletivo, além de advertência prévia com orientação individual quanto à importância da vacinação na proteção pessoal e coletiva.

É importante ressaltar que a demissão por justa causa nesses casos não deve ser a primeira medida. O importante é visar a responsabilidade social do empregador com a informação e a orientação. Esgotadas todas as alternativas e na ausência de justificativa, a demissão por justa causa encontrará fundamento legal no artigo 482, h e artigo 158, II, da CLT e princípio lógico na garantia do interesse público e proteção da coletividade.

Por Thamires Pandolfi Cappello
Doutoranda e pesquisadora na Universidade de São Paulo. Mestre em Direito pela PUC/SP. Coordenadora e professora de pós-graduação em direito médico, hospitalar e da saúde na FASIG. Fundadora da Health Talks BR.

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