Portos brasileiros: mudanças à vista!

Ana Paula Vescovi (*)

O novo viés do governo federal nos últimos dois anos parece ser o pragmatismo. Ou seja, houve o abandono de amarras ideológicas que impediam o estreitamento das relações público-privadas, especialmente na infraestrutura. Após anos de esforço do governo para alavancar investimentos públicos (a baixíssima execução do PAC descortinou as limitações desse modelo) o atual governo deu uma guinada.

Em 2012 diversas iniciativas marcaram essa ruptura ideológica. Em fevereiro, o governo concedeu três dos maiores aeroportos do Brasil, com sinalização de que haverá outras concessões no médio prazo; em agosto, anunciou a volta às concessões nos setores rodoviário e ferroviário; No início de dezembro, veio o anúncio de mudanças no marco regulatório e a abertura do setor de portos para parcerias com o setor privado. Em todas elas, fica a impressão de que os avanços prometidos devem ser mitigados pelo impulso por aumento do dirigismo estatal nas decisões privadas, em especial na determinação de margens de lucro consideradas “aceitáveis”.

Neste artigo, pretendo abordar pontos centrais na discussão da medida destinada ao setor portuário, pelas seguintes razões: trata-se de um setor central na economia do Espírito Santo; se bem sucedido, trará demanda e abrirá precedentes normativos para se ampliar os outros modais.

O pressuposto básico dessa reação pragmática parece ser o entendimento que a bonança passou e, a falta de competitividade, o alto custo estrutural e a grande dificuldade de se fazer negócios no Brasil ficaram bastante expostos para o mundo em crise.

Em 2012 cresceremos algo próximo a 1%, o que significa que, para um crescimento populacional de 1,1% ao ano, a renda per capita ficará no mesmo lugar. Como a corrente de comércio exterior – ou a soma de importações e exportações – é muito baixa no Brasil, menos de um quarto do PIB, acelerar o crescimento passa necessariamente pelos portos e pela quantidade e qualidade dos serviços que prestam.  O comércio exterior brasileiro deverá movimentar 1 bilhão de toneladas de cargas em 2013, volume muito aquém do que seria compatível com uma economia que precisa crescer aceleradamente.

A qualidade dos serviços prestados, por sua vez, passa por mecanismos de gestão, modelo regulatório e competição, ao quais, conjuntamente, levam à eficiência. O governo assim pretende enfrentar as três questões: modernizar o marco regulatório, retirar barreiras à entrada do setor privado e estabelecer formas de proporcionar melhorias na gestão, especialmente dos portos públicos.

Assim, a Medida Provisória dos Portos – MP 595/2012 – cumpre o papel de buscar a redução do “Custo Brasil”, por meio do aumento do volume de investimentos públicos e privados e da decorrente ampliação da oferta de serviços portuários com custos competitivos.

Dois conceitos foram adotados: (i) a concessão de uso de bem público para as instalações portuárias dentro do porto organizado (infraestrutura pública); e (ii) o regime de autorização para a exploração de instalações portuárias fora do porto organizado (infraestrutura privada). Em ambos os regimes, portos organizados ou terminais autorizados, os investimentos e a operação ocorrerão por conta e risco dos próprios investidores.

No porto organizado as concessões ou arrendamentos serão realizados por meio de licitações (leilões, por exemplo), onde valerá o critério de modicidade tarifária. Ou seja, maior movimentação de carga com a menor tarifa, por um prazo máximo de 25 anos, prorrogável por igual período. Nesse caso, os bens e instalações serão automaticamente revertidos ao poder concedente para nova licitação ao final do período de contrato.

Para os terminais privados, antes denominados Terminais de Uso Privativo, o regime será a autorização, formalizada em contrato de adesão por, no máximo 25 anos, mas passível de sucessivas prorrogações. Haverá vinculação das prorrogações a compromissos com investimentos e com a continuidade das atividades de operação portuária na instalação. As autorizações serão precedidas de chamada pública, a qual atenderá ao propósito de divulgar a existência de interesse na construção e exploração de instalação portuária.

Um aspecto polêmico da MP diz respeito a não prorrogação da autorização de mais de 50 Terminais de Uso Privativo e da decisão de voltar a licitá-los. Todos esses contratos são anteriores à Lei dos Portos, de 1993 e a decisão de não prorrogação causou surpresa entre os detentores de tais contratos.

Mas as controvérsias não param por aí. O novo marco legal estabelece a eliminação da barreira na movimentação de carga de terceiros dentro dos terminais privados. Isso permitirá a ocupação de capacidades ociosas que eventualmente existam dentro desses terminais, de modo rápido e eficiente – haja vista que a operação desses portos e reconhecidamente menos custosa. A grande dúvida, neste caso é se haverá algum tipo de interferência nas decisões dos operadores privados quanto à parcela de operação com cargas de terceiros e em qual medida essa decisão se manterá autônoma.

No campo institucional, a MP 595 tratou de esclarecer a divisão de competências entre a Agência Reguladora do setor – ANTAQ, que representa os interesses dos usuários e dos empreendedores – e a Secretaria dos Portos, que representa os interesses da União.

Há dispositivos de grande relevância, como o fato de mudar o caráter do Conselho da Autoridade Portuária, o CAP. O Conselho é constituído com representação de quatro Blocos: (i) Poder Público (Governo Federal, do Governo do Estado e do Município); (ii) Operadores Portuários (Administração dos Portos, dos Armadores, dos Titulares de Instituições privadas dentro do porto e dos demais Operadores Portuários); (iii) Trabalhadores Portuários (Trabalhadores Portuários Avulsos e dos demais Trabalhadores Portuários); e (iv) Usuários e Afins (Exportadores e Importadores de Mercadorias, dos Proprietários e Consignatários de Mercadorias e dos Terminais Retroportuários). O CAP, no novo arranjo institucional dos portos públicos, deixou de ser um Conselho deliberativo para ser apenas consultivo e normativo. As decisões serão, na prática, concentradas nos órgãos federais, o que retira autonomia de estados e municípios, mas também capacidade de influência dos operadores privados e dos demais agentes. 

No que tange à mão de obra, a medida desobriga os terminais privados, localizados fora dos portos públicos organizados, a requisitarem trabalhadores portuários aos Orgãos Gestores de Mão de Obra, os OGMOS. A medida busca aumentar a competição na oferta de mão de obra portuária, mas tem provocado fortes reações entre as representações sindicais.

A autorização para reajuste de tarifas, por sua vez, anteriormente encaminhada pela Diretoria da ANTAQ para parecer do Ministério da Fazenda, passou a depender também da Secretaria de Portos, que não tem competência formal nem técnica para avaliar e emitir tal parecer. Nesse processo, há riscos de interferência de uma instância de representação política, o que seria um fator de insegurança e instabilidade.

Ficou claro que o Espírito Santo, com o anúncio do programa portuário, foi o maior beneficiário entre os estados da Federação. Falou-se na autorização para 9 novos Terminas privados; de recursos para melhoria nos acessos ao porto público – Capuaba e Vitória; e sinalizou-se com recursos para a construção de um novo porto organizado, em águas profundas. Muito mais do que compensações aos recentes prejuízos impostos no plano federativo, essa sobre-representação revela a atrofia por que passou um dos setores mais importantes da nossa infraestrutura logística.

A iniciativa do governo federal, enfim, deixou clara a sua disposição em enfrentar resistências e ampliar a competição e a participação do setor privado da operação e nos investimentos no setor. Contudo, as 645 emendas apresentadas à MP 595 no Congresso Nacional revela o quão polêmico são diversos dos seus dispositivos e, segundo a opinião de alguns dos atuais operadores privados, o quanto a letra da Medida Provisória destoa dos objetivos revelados pelo Governo.

Com efeito, existem fortes pressões corporativas e também o impacto da revogação da Lei dos Portos de 1993. O escopo e intensidade das mudanças propostas já trazem sérios riscos à segurança jurídica dos investidores. O debate, enfim, precisa equilibrar interesses de modo a fazer preponderar a importância da função coletiva da infraestrutura num País em desenvolvimento como o Brasil.

(*) Economista, gestora federal à disposição do Senado, coordenadora da Câmara de Assuntos Fiscais e de Tributação do IBEF-ES.

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