Um desafio central para a boa gestão pública

Há um debate interessante no ar, sobre ocupar cargos de comando no serviço público. Ou seja, aqueles em que o individuo é chamado “ordenador de despesas” e por isso fica sujeito a responder sobre qualquer problema que ocorra num determinado processo, em função do olhar dos órgãos de controle e de sua forma de aplicar a lei.

Considero que existe no mínimo uma desproporção entre a responsabilidade assumida e a remuneração do gestor público, que coloca em risco os seus próprios bens. Por outro lado, o sistema de controle faz parte do próprio serviço público e não é infenso às suas falhas, nem há garantias da isenção de seus prepostos quando das análises. Afinal são seres humanos, como os demais servidores, apenas com a responsabilidade de controlar, e não de executar. Sem o calor das decisões tomadas para resolver os muitos problemas com que convive o gestor público.

Por outro lado, é fundamental para a sociedade saber que há alguém cuidando caprichosamente do controle dos recursos públicos e desde já coloco minha posição de total respeito aos controladores, que sempre pratiquei ao longo de minha carreira.

De modo que penso poder contribuir com minha experiência pessoal no assunto, tendo trabalhado por 16 anos na Escelsa, ainda pública, aonde cheguei a ser Diretor de Distribuição. Passei outros 8 anos como Secretário municipal e estadual, em áreas diversas, e 7 anos como Diretor Presidente da Cesan. Somando 31 anos de experiência com serviços públicos.

Agora tendo voltado ao setor privado, onde no inicio da carreira já atuara por 2anos. Sinto-me em boas condições de contribuir com o debate.

Gosto de falar de coisas concretas, então aí vai meu depoimento: primeiro é preciso diferenciar a situação do servidor público em geral, daquela vivida pelo gestor, ordenador de despesas, que fica realmente exposto aos órgãos de controle.Ocupei ambas as posições, já que na Escelsa era funcionário de carreira, e afirmo que é muito diferente. Em 15 anos como engenheiro nunca tive de responder a nada.

Pois em apenas um ano como Diretor tive minha primeira experiência com o TCU, exatamente em relação ao assunto remuneração. Naquela época, em 1993, começou a surgir o tal controle comparando o salário de servidores com o do Presidente da República e aconteceu uma interpretação do TCU que obrigou a nós Diretores da Escelsa, uma Sociedade Anônimaque até então era considerada livre para resolver sua remuneração pela lei das S. A., a devolver parte da remuneração, exatamente no ano que fui Diretor.

Talvez seja uma boa intenção a criação de tal regra, mas se o Presidente da República tiver uma baixa remuneração, todos no setor público têm de segui-la? Será que tem lógica? Será que o Presidente vive do seu salário? Pois eu sempre tive que me virar com o meu. Hoje, a EDP-Escelsa é privada e com certeza seus Diretores são muito bem remunerados e o serviço prestado é o mesmo. O que interessa ao usuário é a qualidade do serviço e o seu preço.

Depois, nos outros 15 anos, como Secretário ou Diretor na Cesan, fui sempre ordenador de despesas, aí a história é bem mais cruel. Para melhorar o desempenho da Cesan, que vinha de sete anos de sucessivos prejuízos e com dificuldades na prestação dos serviços, um dos itens importantes era melhorar a receita.

Descobrimos uma regional do interior onde a inadimplência dos clientes era de mais de 60% (dá pra acreditar?). Ou seja, alguém dava cobertura ao chefe local para que ele que não cobrasse a água no Município e no entorno. Ao substituí-lo como gestor, esse alguém se sentiu atingido. Passamos então a ser “especialmente” vigiados por um órgão de controle em função desse episódio. É assim que costuma funcionar o “excesso de poder” concentrado em alguns órgãos de controle. Ou alguém acha que os postos nesses órgãos são ocupados por pessoas mais virtuosas que as outras? Até deveria ser, mas não há garantias.

Foi assim mesmo, fomos avisados que seríamos “especialmente controlados” e os processos vieram, além da conta. Tivemos de enfrentar tal realidade e passei inclusive a fazer defesas orais no TCES. Esse por certoé um exemplo que tira pessoas de bem do serviço público.

Semana passada a Cesan publicou seu balanço, de 2003 para cá são 10 anos de sucessivos resultados positivos e investimentos crescentes, melhorando muito a qualidade dos serviços prestados. Há reconhecimento? Sim, mas há também um significativo desgaste pessoal para continuar respondendo aos processos que, além de tudo, demoram a ser concluídos. 

Falando do servidor em geral, e não do gestor, utilizo trechos do livro do Ricardo Oliveira – Gestão Pública, Democracia e Eficiência, o qual é muito apropriado ao debate sobre o tema. Ele pergunta: “Qual governante não gostaria de, ao tomar posse, dispor de uma estrutura administrativa profissionalizada, que executasse seu programa de governo com qualidade e eficiência?” Mas não é essa a situação real, quem governa bem, tem de ao mesmo tempo praticar ações de reestruturação da máquina e obter resultados apesar dela.Temos no Estado excelentes servidores públicos, mas a lógica de sua atuação não é a melhor. Vale uma reflexão!

Mais a frente ele fala dessa profissionalização do servidor, no contexto da democracia, de uma maneira que concordo muito: “Nesse quadro de alternância do poder, uma característica essencial da profissionalização da administração pública é a definição de quais cargos são de livre nomeação e quais devem ser ocupados por servidores de carreira. Em qualquer caso, porém, a subordinação da estrutura administrativa profissional ao poder político é um principio basilar, não cabendo a visão tecnocrática que ela é autônoma.”

Para essa frase,que considero perfeita, pois quem ganha eleição conquista o direito de conduzir sua proposta política, aí sim é que a situação é ainda mais distante da realidade, pois os servidores de carreira, sob o argumento de ser quem realmente domina cada área da gestão pública, em geral resistem a seguir mesmo as boas políticas, se essas não forem as “suas” políticas, em geral corporativas em excesso. Isso também tem de ser enfrentado para uma boa gestão, e não é nada fácil.

Sabemos, pois, os muitos vícios da gestão pública, e então concluo. Só com lideranças fortes e muito comprometidas se consegue avanços. E foi o que ocorreu nos últimos anos em nosso Estado. Então é absurdo ter de conviver com debates inadequados, exatamente quando uma gestão conseguiu se sobressair apesar de todas as dificuldades estruturais. É aí que surge um grande desafio a uma boa gestão pública: Como convencer bons profissionaisa aceitar ser gestor público?

Eu respondo e acredite quem quiser, hoje só com muita vontade de contribuir pra melhorar exatamente o que é tão criticado e por entender que essa é uma maneira concreta de servir á sociedade. Mas a remuneração é aquém da justa e o risco sobre a pessoa muito além do razoável, daí que cada vez se encontra menos pessoas qualificadas, com tal disposição.

É preciso que a sociedade seja muito melhor informada sobre o assunto e reaja a tal situação, dando importância e participando desse debate. Uma boa solução com certeza contribuiria muito para melhorar a gestão pública!

Paulo RuyCarnelli

Engenheiro Eletricista e Administrador

3 Respostas para “Um desafio central para a boa gestão pública

  1. Paulo Ruy,
    seu depoimento enriquece muito esse debate a respeito do gestor público.
    obrigado pela contribuição.
    ab,
    Fernando

  2. Paulo Ruy,
    Muito pertinente sua análise. Permita-me acrescentar outra faceta que, às vezes, emerge da atuação dos órgãos de controle: a de que querer direcionar a gestão de políticas públicas. Isso pode ser questionável, uma vez que o mandato político decorre de um escrutínio popular, que, em tese, acolhe as propostas de gestão apresentadas na campanha eleitoral. Essa discussão daria um outro artigo.

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