Reflexões provisórias sobre os protestos nas ruas

Surpreendeu-me positivamente nos últimos dias o crescimento das indignações dos jovens brasileiros. O movimento social emergente possui base heterogênea, mas mesmo assim ele já sugere algumas questões interessantes. Do ponto de vista do jogo político, não há como escapar da crise de representação. Não creio que esse seja um drama exclusivamente brasileiro, pois ocorreram recentemente protestos globais manifestados em distintas escalas regionais que apontaram também para tal fenômeno.

Confesso que demorei um pouco até ter alguma ideia de como articular algum raciocínio menos simplório e apressado. Busquei ler entrevistas, artigos e matérias e decidi então raciocinar a partir das contribuições intelectuais de Vilfredo Pareto (1848-1923) e San Tiago Dantas (1911-1964). O pensamento conservador inspira-se, em alguma medida, na “circulação das elites” de Pareto. Segundo esse conceito, a elite política constitui uma classe que reúne os mais aptos (eficientes) na condução dos governos. A circulação dá vida às sociedades, sendo que o ritmo de substituição das elites governantes é diferenciado entre as sociedades, inexistindo arquitetura institucional capaz de blindar infinitamente o poder das elites que não se renovam. A história política seria, portanto, o cemitério das velhas aristocracias fossilizadas.

O jogo político nunca foi arena de santos, independente do tempo histórico e da localização geográfica, mas é através da política que as transformações institucionais ocorrem nas sociedades organizadas. Nesse sentido, convém guardarmos certa distância da fé positivista no progresso da humanidade. Essa trajetória é previamente indefinida, pois ela acaba dependendo das escolhas políticas e dos caminhos trilhados. Retrocessos eventuais podem ocorrer.

Há um texto do ilustre político brasileiro San Tiago Dantas muito rico em reflexões e que creio ser interessante compartilhar. Trata-se de ‘D. Quixote: um apólogo da alma ocidental’ (1947). Destaco inicialmente a seguinte passagem: “E cada vez que saímos para o impossível, deixando nas mãos de Deus o segredo da germinação de nossas ações, é conforme o Quixote que estamos procedendo”. Quando agimos de forma excessivamente “pragmática”, sempre muito previsível, a mediocridade rotineira de Sancho Pança se difunde entre nós. Segundo San Tiago Dantas, “desde logo o heroísmo do cavaleiro não está nos seus feitos, está nas suas disposições de alma”. Ao seguirmos essa bela interpretação, somos levados a crer que Cervantes teria libertado o heroísmo da tradicional concepção aristocrática, horizontalizando-o em solo mais popular.

Ainda que esteja cedo para se dizer algo, penso nesta hora que os clamores populares levantados pelos jovens nas ruas são equivalentes aos atos de um D. Quixote da esperançosa interpretação de San Tiago Dantas. Eles nos afastam da mediocridade cotidiana do realismo político institucionalizado, fazendo-nos ainda refletir sobre situações que temos aceitado passivamente até o presente. Somos favoráveis a melhorias na qualidade dos serviços públicos e a renovações em alto nível da cultura política brasileira? Quais deveriam ser as prioridades do gasto público em nosso país e como esses recursos tributários precisam ser tratados? Essas são boas questões para os antecipados debates político-eleitorais de 2014.

Rodrigo Medeiros é professor do Ifes

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