Escritores brasileiros negros para conhecer e se apaixonar

2020 encerrando e hoje eu gostaria de propor uma discussão pra depois trazer uma lista de com alguns escritores brasileiros negros para conhecer. Vale lembrar que nem só de coronavírus viveu 2020. Na verdade, esse ano também ficou marcado pelas manifestações contra o racismo ao redor de todo o mundo, que começou com a morte de George Floyd por policiais nos Estados Unidos, em maio, e se alastrou como uma onda.

Naquela época, até falamos sobre livros para entender o racismo, que você pode conferir aqui, e como a literatura é uma arma poderosa para nos ajudar nessa batalha.

E antes que você diga que “racismo não existe”, é importante perceber como nosso país foi construído em cima de leis racistas e como isso se reflete nos dias atuais. Por exemplo, a Lei Áurea, que deveria ter acabado com a escravidão lá em 1888, libertou os negros mas não deu nenhuma opção de emprego ou educação, tipo, você é livre, mas se vira pra continuar vivo.

E foi assim porque na lei anterior, a Constituição até falava que a escola era um direito de todos os cidadãos, mas isso não incluia os escravos. Faz as contas aí pra ver se os negros eram considerados cidadâos. Pra completar, outra lei permitiu que o governo concedesse subsídios para que colonos europeus viessem trabalhar no Brasil e “branquear” a população brasileira.

Ou seja, faltava educação, ocupação e, principalmente, respeito e igualdade. A primeira grande contribuição na legislação brasileira veio apenas em 1989, cem anos após a Lei Áurea, quando a Lei Caó tornou o racismo um crime inafiançável e imprescritível.

Comportamentos sociais como esses reforçaram a ideia, ainda que incosciente, de que a cor da pele é mais do que aparência, mas um reflexo de que a negritude é algo que diz respeito apenas a atividades corporais, como dança, esporte e trabalho pesado, e não a habilidades intelectuais. Em outras palavras: negros servem para carregar peso, não para estudar. Com isso, os negros acabaram tendo acesso restrito a muitas oportunidades de aprendizado. E mais: muitos cresceram incorporando esse pensamento de que eles não têm capacidade para aprender.

E o que isso tem a ver com a leitura? Simples: levamos esse estereótipo para os livros que lemos. Uma pesquisa desenvolvida pelo Grupo de Estudos em Literatura Brasileira Contemporânea, pesquisadores vinculados à Universidade de Brasília (UNB), mostrou que entre 2004 e 2014, apenas 2,5% dos autores publicados não eram brancos e 6,9% dos personagens retratados nos romances eram negros. E desses, só 4,5% eram protagonistas da história.

Você lê autores negros? Lê sobre a realidade dos negros no Brasil? É algo que chama sua atenção? Se você responder: “não é um tipo de livro que me atrai”, então algo precisa ser repensado. Não que você seja racista por isso, o problema é que, ao pensar assim, você se torna alguém que não luta contra o racismo.

Como os brancos podem lutar contra o racismo?

O primeiro passo é reconhecer que sim, somos privilegiados. Não é fácil admitir que vivemos numa sociedade que nos dá a chance de sermos mais bem sucedidos em relação a outros, afinal, ninguém quer negar benefícios. Mas lutar por igualdade passa pelo desconforto de reconhecer que vivemos em uma desigualdade.

Comece a se questionar: porque, num país maioritariamente negro, 2/3 dos políticos são brancos? Porque mais brancos falam outra língua do que negros? Porque 2/3 dos presidiários brasileiros são negros? Por que, quando a gente quer falar de uma situação difícil, diz que “a coisa tá feia”? Isso é um bom começo.

Outro ponto muito importante, e isso diz respeito diretamente a este blog, é ler autores negros. Precisamos conhecer a dor e a luta de quem a trava na linha de frente. Isso se chama empatia e união. Estudar sobre o racismo e ajudar a promover obras de artistas negros são algumas formas de valorizar o movimento negro.

Ao longo dos anos, os autores negros que alcançam reconhecimento são minoria, o que contribui para que sejam rapidamente esquecidos e reflete, inclusive, nas tiragens dos livros e nos prêmios. Apesar disso, temos nomes que venceram e têm vencido essa barreira através de um trabalho muito bem feito que cabe a nós, principalmente os brancos, reconhecer e valorizar.

Temos uma gama incrível de autores que nos mostram as dificuldades de ser negro no Brasil através de romances, poemas, contos, crônicas escritos com maestria. Para te ajudar, separei alguns nomes por onde você pode começar. Essa lista é grande e prometo trazer mais nomes em breve. Vamos lá?

Escritores brasileiros negros para ler

Maria Firmina dos Reis

Vamos começar pela primeira primeira mulher a publicar um romance no Brasil, que, por sinal, era negra e nordestina. Maria Firmina dos Reis nasceu no Maranhão e escreveu seu primeiro romance, “Úrsula” em 1859 (ou seja, antes da abolição da escravidão), quando tinha 30 anos, com o pseudônimo de “uma maranhense”.

Aparentemente o livro parece ser um típico triângulo amoroso entre Úrsula, Tancredo e o tio de Úrsula, mas temos três personagens negros – Túlio, Susana e Antero – que dão o seu olhar pra história e, nas entrelinhas, mostram a identidade de um Brasil escravocrata. Assim, Maria Firmino deu voz a indivíduos que até então eram calados socialmente. Vale lembrar que isso em um contexto onde a escravidão ainda era praticada legalmente.

O livro não é grande, tem 165 práginas, mas pode ser um pouco difícil de ler porque tem palavras escritas na  grafia do século 19, mas nada que impossibilite a compreensão.

Carolina Maria de Jesus

Carolina Maria de Jesus era catadora de sucata e morava na favela do Canindé, onde hoje é o estádio da Portuguesa, em São Paulo. Um dia, o jornalista Audálio Dantas estava fazendo uma reportagem sobre as condições de vida ali e viu Carolina de Jesus dizendo a umas crianças que ia “colocá-las no seu livro”.

Pronto! Ele havia acabado de descobrir “Quarto de despejo”, um sucesso que alçou Carolina ao seleto grupo de grandes escritores brasileiros negros. Após a história de Carolina ser publicada em um jornal do grupo Folha de S. Paulo e na revista O Cruzeiro, inclusive com uma versão em espanhol, ela lançou “Quarto de despejo” em 1960, que contém alguns dos relatos que ela registrou em mais de 20 cadernos sobre o cotidiano de uma mulher negra, pobre, mãe, favelada e escritora.

Apesar de ser contemporânea de Clarice Lispector, ela não ganhou a mesma notoriedade que a escritora branca, o que é uma grande injustiça, pois o talento está no mesmo nível.

Conceição Evaristo

Ah, essa Conceição Evaristo! Ela é nada menos que uma das vozes mais importantes da literatura brasileira contemporânea e um marco na literatura que fala da discriminação racial e preconceito contra mulheres, especialmente negras, no Brasil. Conceição nasceu em uma favela de BH e, assim como Carolina de Jesus, foi empregada doméstica até os 25 anos, quando completou o segundo grau.

A partir daí, ela mudou para o Rio de Janeiro, passou em um concurso público, graduou-se em Letras, depois mestra em Literatura Brasileira pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e doutora em Literatura Comparada pela Universidade Federal Fluminense. Atualmente, é professora universitária.

Seu romance de estreia, Ponciá Vicêncio, foi lançado em 2003 e traduzido para o inglês e publicado nos Estados Unidos cinco anos depois. Além de Ponciá Vicêncio, “Olhos D’água” é outro clássico de Conceição.

Djamila Ribeiro

Djamila Ribeiro não é novidade aqui no blog e o currículo dela ocupa mais do que um parágrafo. Filósofa, escritora, professora, doutora em filosofia política pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e colunista do jornal Folha de São Paulo, ela é bem conhecida como uma importante voz do movimento feminista e negro.

Seus livros são verdadeiros ensinamentos sobre o movimento negro e como destruir o racismo estrutural que ainda permeia a sociedade brasileira. Destaque para “Pequeno manual antirracista”, que foi lançado em 2019 e traz lições práticas muito úteis para erradicar esse mal.

Joel Rufino dos Santos

Joel Rufino dos Santos é uma referência nacional no estudo da cultura africana no país, vencedor de várias edições do Prêmio Jabuti de Literatura. Entre seus sucessos literários estão “Bichos da terra tão pequenos”,
“Claros sussurros de celestes vento”, “Crônica de indomáveis delírios”, “Na rota dos tubarões” e “Quatro dias de rebelião”.

Faleceu em 2015, em decorrência de complicações de uma cirurgia, mas deixou um importante legado sobre a cultura e a expressão negra no Brasil.

Machado de Assis

Sim, caros leitores, caso vocês não saibam, o maior nome da literatura brasileira era negro. Acontece que em muitas propagandas ele era representado como homem branco justamente pelo motivo que falamos lá no início desse texto sobre negros não serem intelectuais (dá para você ter uma noção de como era o racismo nessa época, né?).

Machado foi autor de mais de 50 obras, entre as quais se destacam Memórias póstumas de Brás Cubas, Quincas Borba, Dom Casmurro e Esaú e Jacó. Foi ele que fundou, com o escritor José Veríssimo, a Academia Brasileira de Letras, cuja presidência ocupou até o ano de sua morte.

Elisa Lucinda

Vou encerrar a lista com essa mulher que dispensa comentários. Elisa Lucinda nasceu em Cariacica e é umas das personalidades mais conhecidas da poesia contemporânea no Brasil. Publicou diversos livros e poesias, inclusive uma das minhas preferidas da vida, “O aviso da lua que menstrua”. Elisa também é cantora, atriz, realiza recitais por todo o Brasil e tem uma voz magnífica.

Mais: ela realiza diversos trabalhos sociais como o projeto Palavra de Polícia e Outras Armas, que usa a poesia para alinhar o trabalho da polícia com princípios dos Direitos Humanos, além da Casa Poema e da Escola Lucinda de Poesia Viva, onde a poetisa ministra vários cursos de poesia falada.

Ainda bem que a lista de escritores brasileiros negros não acaba aqui! Mas esse é um bom começo. Que ela cresça ainda mais! Quem você quer ver na próxima lista? Deixa aqui nos comentários! Aproveita para me seguir no Instagram. Lá eu compartilho várias outras dicas de leitura bem legais!

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