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Lira pauta votação de urgência para apreciar PL que flexibiliza entrada de agrotóxicos

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O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), decidiu colocar em pauta um requerimento para que seja apreciado, em regime de urgência, um projeto de lei que flexibiliza a entrada de agrotóxicos no País. A decisão anunciada na tarde desta terça-feira, 8, surpreendeu até mesmo os membros da Frente Parlamentar Agropecuária (FPA). O projeto de lei é chamado por ambientalistas de “PL do Veneno”.

Pela manhã, o Estadão havia procurado o deputado Luiz Nishimori (PL-PR), relator do projeto de lei, para tratar do assunto e saber qual era a sua expectativa para votação do requerimento. Por meio de sua assessoria, Nishimori informou que não tinha novas informações e que retomaria o assunto apenas em março.

Na prática, se a votação do pedido de urgência for aprovada, significa que o projeto de lei pode ir a plenário a qualquer momento, inclusive logo após a aprovação do requerimento. Se aprovado na Câmara, o texto ainda precisa passar no Senado.

Na avaliação de ambientalistas, o projeto de lei 6299/2002 enfraquece a atuação do Ministério da Saúde, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), do Ministério do Meio Ambiente e do Ibama no controle e autorização dessas substâncias. Essa missão passa a ficar concentrada no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento.

O Ibama e a Anvisa apontaram em 2018 que a proposta é inconstitucional e possui falhas que prejudicariam a fiscalização dos produtos, colocando em risco a saúde da população. O Ministério da Agricultura e a Frente Parlamentar da Agricultura, no entanto, afirmam que o tema é tratado com “preconceito e ideologia” e que precisa ser modernizado.

“A forma desavisada e atropelada com que o PL n° 6299/2002 foi inserido na pauta da Câmara, por si só, já é motivo de desconfiança. Mas, além disso, o projeto, se aprovado, flexibilizará ainda mais os ritos para a liberação de novos agrotóxicos, sendo que o atual governo já autorizou mais de 1,4 mil agrotóxicos no Brasil, nos três últimos anos”, diz Marina Gadelha, doutora em Direito e advogada especializada em Direito Ambiental e Minerário.

Suely Araújo, especialista sênior em políticas públicas do Observatório do Clima, afirma que a proposta, além de reduzir o poder de Ibama e Anvisa, viabiliza o registro de agrotóxicos comprovadamente nocivos e cancerígenos. “Essa é a consequência, ao excluir a vedação nesse sentido que consta na legislação em vigor, além de amenizar o rigor da legislação atual.”

Ao Estadão, Nishimori declarou, por meio de sua assessoria, que o PL 6299/02 é discutido há quase 20 anos no Congresso Nacional e que foi analisado em 2018 por Comissão Especial dedicada ao tema, com a participação da sociedade civil e demais setores interessados, em oito audiência públicas realizadas.

“A proposta em questão moderniza uma lei antiga, com quase 30 anos, período em que passou por poucas atualizações, e que não acompanhou a evolução da agricultura brasileira. Há cerca de 50 anos o Brasil era importador de alimentos, ao passo que hoje é o terceiro maior exportador do mundo e deve chegar ao primeiro lugar até 2024, de acordo com dados da Organização Mundial do Comércio (OMC)”, diz ele.

“Esse desenvolvimento só foi e será possível com o uso de novas tecnologias nas lavouras brasileiras. Importante dizer que hoje não existe tecnologia distinta para combate de pragas e doenças para o clima tropical brasileiro, responsável por maior proliferação de pragas e doenças.”

Kenzo Jucá, assessor legislativo do Instituto Sociombiental (ISA), afirma que a proposta é submetida à votação num momento em que a sociedade brasileira exige progressivamente alimentos mais saudáveis e os sistemas de produção rural buscam limpar suas cadeias do uso de agrotóxicos, visando se adequar a essas exigências do mercado e da população.

“Votar esse projeto é um boicote gigantesco do Congresso contra a saúde pública. As consequências são desastrosas, destruindo o processo regulatório e avaliador governamental e liberando indiscriminadamente o uso de substâncias comprovadamente cancerígenas e com toxidade capaz de contaminar grandes extensões de solo e de lençóis freáticos, comprometendo até mesmo a existência de outros modelos de produção rural baseado em sistemas orgânicos”, diz o especialista.

O presidente do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental (Proam), Carlos Bocuhy, afirma que o projeto demonstra que “a ambição dos poluidores parece não ter limites” e que sua aprovação seria trágica. “A proposta vai desde a retórica que suprime o termo agrotóxicos, a ponto de retirar a obrigatoriedade da avaliação da ciência médica para aprovação de novas substâncias, e chega ao absurdo de deixar de considerar limites da segurança com relação aos produtos comprovadamente carcinogênicos. Em síntese, trata-se de uma ilegalidade, uma ameaça à saúde ambiental e pública”.

Nos últimos três anos, mesmo com a atual legislação, que é mais rigorosa, o governo de Jair Bolsonaro já aprovou cerca de 1,5 mil novos agrotóxicos. O temor de ambientalistas é que, ao flexibilizar ainda mais a regra, o controle seja completamente exaurido.

Nishimori nega flexibilização das regras e diz que a nova lei deve ser mais rigorosa e transparente. “Em relatório realizado pelo Programa de Análises de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos (PARA), da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), quase 99% das amostras de alimentos analisadas, entre o período de 2013 e 2015, estão livres de resíduos de defensivos que representam risco agudo para a saúde”, afirma.

Apesar do pedido apresentado por Arthur Lira, entre os parlamentares a sensação é de que o presidente pretende “testar” o tema e a repercussão que deverá causar. O assunto é o segundo tema da pauta desta quarta-feira, 9.

A porta-voz de agricultura e alimentação do Greenpeace Brasil, Marina Lacôrte, critica a atuação do presidente da Câmara e do governo na condução das discussões. “Lira vem promovendo a abertura da porteira, a passagem da boiada e o pisoteio total sobre nossas políticas públicas socioambientais. Destruiu o licenciamento, ampliou a destruição das florestas, as ameaças aos povos indígenas e chancelou o roubo de terras”, diz Lacôrte. “Agora o veneno é a boiada da vez. É de tirar o chapéu para a nova dupla de exterminadores do futuro pós Ricardo Salles: Arthur Lira e Tereza Cristina.”