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Liberdade, luta e vitórias são comemoradas no Dia Nacional da Visibilidade Trans

Apesar de muitos fecharem os olhos para o que acontece a essas pessoas ou não apoiarem a causa por questões de fé e crenças, a violência contra qualquer pessoa merece a atenção de toda a sociedade

Angelo Parrella *Estagiário

Redação Folha Vitória

O Brasil comemora nesta segunda-feira (29) o Dia da Visibilidade Trans. O dia foi criado em 2004 quando pessoas trans entraram para a história ao adentrarem o Congresso Nacional reivindicando seus direitos. Quatorze anos depois, a realidade da comunidade transexual ainda está longe de ser aquela imaginada pelos militantes. Reconhecer a transexualidade, bater de frente com os conflitos de um corpo que é diferente de como a pessoa se sente já é difícil, mas seria muito mais fácil se não houvesse o medo presente na vida de cada uma delas. Um dos maiores desafios da comunidade é ser aceita numa sociedade que a mata.

De acordo com a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), o Brasil é o país que mais mata travestis e transexuais no mundo. Em 2017, o país registrou 179 assassinatos contra a comunidade trans, sete desses ocorridos no Espírito Santo. Enquanto a estimativa de vida da população geral brasileira é de 75 anos, a vida de um transexual dura em média apenas 35 anos.

Apesar de parte da sociedade fechar os olhos para o que acontece a essas pessoas ou muitas não apoiarem a causa por diversas questões, a violência contra qualquer pessoa é um tema próprio dos direitos humanos e merece atenção de todos.

Antes de mais informações, é preciso esclarecer que pessoas transgêneras, transexuais ou travestis são aquelas que se identificam com um gênero diferente do seu sexo biológico. Lembrando que identidade de gênero é como a pessoa se reconhece, orientação sexual é atração afetiva e sexual pelo outro e sexo biológico é o órgão genital que a pessoa apresenta no nascimento.

Muitas pessoas se confundem quando ouvem o termo transexual e travesti e até mesmo pensam que existe diferença, mas de acordo com a secretária nacional de Direitos Humanos da Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT), Deborah Sabará, “não existe uma definição certa, o movimento trans ainda não definiu o que é travesti e o que é transexual. É muito usado o conceito de pessoas trans, pois ainda existe um receio de definir os termos e passarmos por mais preconceitos.”

Daniel Silva Guedes, de 20 anos, é um homem trans e relata um pouco do preconceito que já sofreu. "Eu estava em uma festa com meus amigos quando me deparei com um homem cis gay (cis é o termo que se usa para pessoas que não são trans). Ele me achou bonito e me puxou para conversar. Nos apresentamos e logo ele me questionou se eu era homem. Respondi que sim, porém fiquei bem incomodado. Após uma breve conversa sobre nomes e idades eu não estava mais a vontade em continuar a conversa. Foi quando eu pedi licença para me retirar e ao virar o homem passou a mão nas minhas costas e sentiu a faixa compressora sobre os seios, logo em seguida começou a gritar comigo e me chamar de sapatão".

“A sociedade não está preparada para receber os nossos corpos, identidades, nossas personas e isso nos causa medo”

Daniel conta que também já foi vítima de transfobia pela parte mais distante da família. “Uma vez cheguei até a ser o ‘tema’ do churrasco da família e só fui defendido pelo meu primo que é gay." Daniel relata que chegou a ouvir "tudo bem você querer ser 'sapatão', mas virar homem?". Ele conta que alguns tios e primos não sabem lidar com a situação, mas também nunca tentaram conversar com ele sobre o assunto.

Daniel explica o motivo de muitas vezes as pessoas trans não frequentarem certos lugares: "a sociedade não está preparada para receber os nossos corpos, identidades, nossas personas e isso nos causa medo. Às vezes estou com a autoestima maravilhosa, me sentindo lindo e empoderado, mas quando chego em uma festa e me deparo com atitudes transfóbicas, querendo ou não, isso me coloca para baixo", conta Daniel.

Mesmo passando por tudo isso, Daniel diz se sentir privilegiado, pois tem algo que muitas pessoas trans não têm: o apoio da família. “Graças a esse apoio do meu núcleo familiar, alguns familiares mais distantes estão a cada dia me compreendendo mais e me tratando bem. Não digo que me aceitam, pois a gente só aceita aquilo que é defeito”.

Lutas

Uma das principais lutas da comunidade trans é que a transexualidade deixe de ser tratada como doença mental. O Transtorno de Identidade de Gênero ainda é tratado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) dessa forma e está listada na Classificação Internacional de Doenças (CID). Para a medicina, a transexualidade deve ser tratada através de acompanhamento psiquiátrico e, em casos definitivos, amenizado através da operação de redesignação sexual (cirurgia para troca de sexo).

Apesar do constrangimento de serem tratados como doentes mentais, é essa declaração que possibilita intervenção médica quando necessário e que essas pessoas possam receber tratamento nas redes públicas e particulares. Antes da cirurgia, o paciente precisa ter no mínimo 21 anos e passar por um tratamento psicológico intenso, de cerca de dois anos, para que o psiquiatra possa dar um laudo confirmando o transtorno. Todo e qualquer procedimento ambulatorial em seguida é feito com o aval do profissional. Todo esse processo, apesar de parecer simples, leva muito tempo e muitas vezes torna-se desgastante para a pessoa.

Outra realidade presente na vida não só da comunidade trans, mas de toda população LGBT no Brasil é a ilegalidade do casamento igualitário, ou seja, entre duas pessoas do mesmo sexo. Em 2011, o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu, por unanimidade, a união estável entre casais do mesmo sexo, no entanto, o casamento ainda não é reconhecido pela Constituição Brasileira. O Projeto de Lei (612/2011) que possibilita a conversão da união estável em casamento foi aprovado em março de 2017 pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) e ainda segue em tramitação.

É preciso destacar a importância do nome social para as pessoas trans e como é fundamental respeitá-lo em todas as instituições a fim de evitar constrangimentos de ambas as partes. Em novembro de 2017, Deborah Sabará foi impedida de embarcar em um voo no Aeroporto de Vitória por ter o nome social impresso na passagem aérea. Deborah contou que mesmo explicando a situação o problema não foi resolvido e foi impedida de viajar. Para ela, o ocorrido foi mais uma situação de desrespeito à diversidade.

A bandeira do Orgulho Trans foi hasteada na Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) no dia 23 de janeiro em comemoração ao Dia Nacional da Visibilidade Trans

Vitórias

A vitória mais atual para a comunidade trans aconteceu no começo de 2018, quando o ministro da Educação, Mendonça Filho, homologou o uso do nome social nas escolas de educação básica do Brasil. Desta forma, os estudantes poderão solicitar que as escolas usem seus nomes sociais em listas de presença e documentos oficiais escolares.

Outra conquista para a comunidade trans foi em maio de 2017, quando a 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) declarou que os transexuais têm direito à alteração do gênero no registro civil, mesmo sem realização de cirurgia de mudança de sexo.

A Defensoria Pública do Espírito Santo desempenha um papel, desde 2015, muito importante na vida de transexuais capixabas. Por meio do Projeto Autonomia Trans, o órgão luta para garantir cidadania e dignidade à população trans. A Defensoria já atendeu 54 pessoas para retificações de nome e de gênero no registro de nascimento. Destas, 33 são mulheres trans e 21 são homens trans. Hoje são 40 ações em andamento.

Em busca da liberdade

O Dia Nacional da Visibilidade Trans é um dia de grande importância para a população trans, embora ainda relacionada a mais notícias tristes do que boas. Apesar das circunstâncias ruins, celebrar o dia é uma forma de lembrar que há esperança, que há espaço para lutar e principalmente atravessar barreiras.

É preciso lembrar que inclusão social não se faz somente por meio de leis e regras, é preciso que haja compreensão e empatia da sociedade, é preciso se dispor a conhecer essa realidade e não fechar os olhos para a violência.

Transexuais e travestis sempre sofreram com a falta de direitos, oportunidades de emprego, educação e saúde. Apesar de todo sofrimento, encontram forças para se firmar numa sociedade que na maioria das vezes o afasta antes de conhecê-los.

Refletir sobre o sofrimento do próximo e conscientizar-se já um grande passo para minimizar o sofrimento da população trans.

Atendimento

O Núcleo de Direitos Humanos oferece atendimento à população trans e fica localizado na Rua Pedro Palácios, nº 60 (em frente ao Fórum Criminal), Cidade Alta, no Centro de Vitória, com o funcionamento de 8h às 17h todos os dias. Para atendimentos relacionados à retificação de nome e de gênero de transexuais ou a outras demandas específicas da população LGBTT, o atendimento deve ser agendado por meio do telefone (27) 3222-2019 ou pelo e-mail [email protected].

O Gold, Grupo Orgulho, Liberdade e Dignidade, também está com as portas abertas desde 2005 promovendo cidadania e defendendo os direitos da população LGBT capixaba. É possível entrar em contato com o grupo pelo telefone (28) 99956-6004 ou pelo e-mail [email protected].

O Folha Vitória também convidou o defensor público Douglas Admiral Louzada para discutir preconceito e os direitos da população trans. Confira:


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