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Fuga da falência, amor e sonho: capixabas largam tudo em busca de oportunidades no exterior

Mais de 3 milhões de brasileiros deixaram o país, segundo o Ministério das Relações Exteriores. A saudade é grande, mas eles afirmam não se arrependerem da escolha

Inconformados por não conseguirem emprego ou em busca de um ensino com diferenciais, capixabas deixaram não só o Espírito Santo, mas o Brasil, para alcançar o grande sonho. Sonho de uma vida melhor, de oportunidades, de aprendizado. Mas como em toda nova caminhada, o início não é fácil. Alguns tiveram vontade de desistir, mas o desejo de mudança falou mais alto e hoje comemoram os frutos de tanto esforço.

Valdireny levou toda a família para o exterior Foto: ​Arquivo pessoal

Foi o que aconteceu com a técnica de enfermagem Valdireny Alvina de Vasconcellos Venturin, de 44 anos. Ela vive há 10 anos em Londres, no Reino Unido. Valdireny resolveu deixar as terras capixabas após a falência de sua empresa. “Meu esposo era comerciante e eu estava desempregada, mas cheguei a trabalhar em uma loja de móveis. Ele tinha três lojas em Cariacica e fomos assaltados várias vezes, e de várias formas”, disse.

Inconformados com essa situação, ela e o marido decidiram ir embora. Primeiro foram para a Itália e depois para Londres. Com os filhos pequenos, que haviam ficado no Brasil, a técnica de enfermagem precisou se adaptar as mudanças bem rápido para conseguir levar as crianças.

“Eu tive que me virar, mas contei com a ajuda de alguns conhecidos. Não foi fácil aprender o inglês, mas com força de vontade aprendi a me comunicar. Eu faria tudo novamente, mas não deixaria os meus filhos. Foi a morte para mim, apesar de saber que eles estavam bem. Chorava dia e noite e trabalhava muito para buscá-los. Mas valeu muito a pena, pois minha vida não seria a mesma se ainda morasse no Brasil”, afirmou. 

Assim como todo estrangeiro, Valdireny disse sentir muita vontade de voltar para o país onde nasceu, mas não para morar. “Tenho vontade de passear. O que mais sinto falta é da família, as reuniões, os casamentos que perdi, os nascimentos de primos e sobrinhos que ainda não conheço. Tenho meus pais, irmãos, primos, tios, cunhadas, sogra e amigos que ficaram. Não se faz nada com a saudade, só sente e passa e quando podemos nos falar por telefone e pelas redes sociais”.

Valeska foi para Londres ainda na adolescência Foto: ​Arquivo pessoal

Companheira dos pais

Filha de Valdireny, a estudante de gerenciamento de linhas aéreas e aeroporto Valeska de Vasconcellos Venturin, de 22 anos, mora há oito anos em Londres com os pais. Toda a mudança aconteceu durante a adolescência. Ela precisou se adaptar ao clima, escola e novos amigos. “Foi muito difícil, pois era tudo diferente, o clima, a comida, as pessoas e até as roupas. Londres é um lugar multicultural, então eu nunca tinha visto uma mulher de burca, um africano com sua roupa tradicional para ir a igreja ou um judeu todo de preto”.

O mais complicado para a estudante foi a escola. Com horários diferentes, uniforme parecidos com os de filmes e professores novos, Valeska precisou se encaixar nessa nova rotina. "Eu odiava, pois estudava das 8h50 até às 15h30. Eu não queria estar aqui, por isso não fazia esforço para aprender nada. Uma professora portuguesa ainda me acompanhava em algumas aulas, como inglês e matemática. As regras nas escolas são rígidas e o uniforme é igual ao do Harry Potter", relembrou. 

A família ainda mantém os costumes brasileiros dentro de casa, mas na rua é cultura é outra. "Depois de um tempo você se acostuma com tudo. Hoje eu estranho muito mais os brasileiros do que os estrangeiros. Não me arrependo de morar aqui, pois o transporte público é muito bom, as coisas são acessíveis, tem vários pontos turísticos, restaurantes diversos, boas universidades e escolas, mas sinto falta do clima brasileiro e das praias", destacou.

Segundo Valeska, toda essa mudança valeu a pena. "Viver no exterior te abre a mente, te faz amadurecer e você aprende a ser um lutador. Se eu tiver que mudar outra vez, eu vou mudar. Mas indico para quem tem esse desejo procurar um advogado e ir legalizado. Se não estiver legalizado você sempre vai ter aquela sensação de que esta em perigo e pode ser deportado a qualquer hora”.

Maria Cecília vive há mais de dois anos na Holanda Foto: ​Arquivo pessoal

Casamento

Após viajar para diversos países, conhecer várias culturas e até morar fora do Brasil por alguns anos, a cabeleireira Maria Cecilia Eça Hoogeland, de 52 anos, encontrou um amor e resolveu se mudar novamente. Há pouco mais de dois anos ela vive na Holanda, após se casar com um cidadão de lá. A decisão de deixar o convívio familiar, amigos e os costumes não foi fácil, mas a nova família que formou foi a fortaleza para a adaptação ser mais branda.

"No primeiro ano foi muito difícil. Não e fácil ter que esquecer sua cultura e língua para se adaptar a cultura e língua de outro país. Mas a partir do momento que comecei a estudar, pude entender melhor a cultura e comecei a me relacionar mais com as pessoas. A adaptação com a língua ainda é um pouco complicada, pois o holandês é difícil de entender. A gramática é diferente do português e o inglês. Depois de oito meses frequentando a escola eu consegui passar no teste da língua, que e obrigatório para residir no país. O que se aprende na escola é somente o básico, o resto tenho aprendido com meu marido, filhos, sogra e alguns amigos. As pessoas aqui são muito pacientes comigo”, contou.

A cabeleireira contou que no local onde mora a fácil locomoção é o que mais chama a atenção. “Aqui é calmo, e relativamente fácil de se locomover. Na maioria da vezes uso minha bicicleta para fazer tudo que desejo. A grande facilidade é que existe ciclovia onde você for, o que te da segurança para fazer quase tudo usando a bicicleta”, explicou.

Segundo Maria Cecília, ela já teve vontade de voltar para o Espírito Santo, mas a vida dela agora é na Holanda, junto com a família que construiu. “O que mais sinto falta é a comunhão com minha família e amigos. Na Holanda não é muito comum as famílias se reunirem toda semana para comer ou conversar. E para visitar algum parente ou amigo é necessário antes telefonar e marcar um horário. Mas mesmo assim, me sinto confortável com isso. Mesmo sendo difícil a adaptação, valeu a pena deixar tudo”.

Rafael Liuth comanda uma cozinha com quase 20 chefs Foto: ​Arquivo pessoal

Crescimento na carreira

Há nove anos longe do local onde nasceu, o sênior sous chef Rafael Liuth, de 34 anos, resolveu tentar a vida na Europa. Para ele o que fez com que deixasse tudo para trás foi a  falta de oportunidade de crescimento na carreira, o que, segundo Rafael, no exterior aconteceu de forma muito mais natural, mesmo não sendo tão fácil. 

Do Brasil ele foi para a Itália, onde viveu por seis anos. Lá ele trabalhou durante cinco meses fazendo os serviços que apareciam, como pintura, mudanças, entre outros. Só depois que aprendeu a língua começou a trabalhar em restaurantes. “Nos primeiros meses não foi fácil a adaptação, até porque é muita informação para assimilar: nova língua, cultura... Mas no caso da Itália, depois de três meses eu já conseguia me virar muito bem. Os costumes, claro, se tornam parte do quotidiano à medida que se convive na comunidade”.

Hoje Rafael vive em Londres. Lá ele comanda uma equipe de cozinha com quase 20 chefs. “Não é uma profissão fácil, mas gosto muito. Não acho que trocaria essa realidade, e tenho certeza que no Brasil tudo seria bastante diferente. É difícil achar pontos negativos nesse lugar. O transporte é excelente. Desde quando me mudei nunca ouvi falar de assaltos ou roubos, quase nenhuma casa tem garagem, os carros ficam na rua durante à noite, a oferta de trabalho é muito superior à demanda, a inflação é praticamente inexistente. Com certeza valeu a pena sair, e faria novamente”, afirmou.

Gabriel deixou o país para estudar Foto: ​Arquivo pessoal

Se tornando adulto

Assim que completou 18 anos, o estudante Gabriel Cruz, hoje com 20 anos, se mudou para o Texas, nos Estados Unidos. Ele deixou a casa dos pais, em Vitória, em busca do sonho que sempre o acompanhou durante a adolescência. “Eu vim para os EUA para estudar. Decidi o que queria fazer e descobri que uma faculdade daqui era a melhor opção para eu me desenvolver. Meus pais me ajudaram muito nessa escolha. Morar fora sempre foi um sonho meu e nunca desisti. Corri atrás e estou aqui”.

Mesmo sabendo falar inglês, Gabriel também teve dificuldades para se adaptar, mas o que mais o ajudou foram os brasileiros que estudavam na mesma escola. Só que o choque com a cultura local veio logo. “A nossa cultura é mais aconchegante, de abraçar, beijar, e aqui não é assim. O que mais acontece é que em momentos que você vai abraçar a pessoa ela te dá a mão para apertar. A maior dificuldade com a língua foi com os sotaques, pois aqui no Texas as pessoas tem um sotaque muito carregado e complica muito”, disse.

Mesmo com as dificuldades, o estudante foi em frente. A saudade da família é grande, segundo ele, mas a vontade de voltar a morar no Brasil não existe. “Se precisar eu volto, mas não quero. É muito difícil voltar depois que você está aqui e vê essa qualidade de vida. Mas o que mais sinto falta é a comida, pois aqui as coisas são muito industrializadas. Todo dia é batata frita, hambúrguer e pizza na escola. É complicado. As vezes só queria a comida da minha mãe. Também sinto muita falta de padaria, pois aqui não existe”.

A mudança de vida foi grande, mas o foco foi sempre mantido. “Se eu ainda estivesse no Brasil eu estaria na faculdade, em um emprego, mas não estaria vivendo os meus sonhos e tendo toda essa experiência multicultural que tenho aqui. Foi uma decisão que tomei que me fez amadurecer e crescer muito. Estando longe dos meus pais eu me tornei um adulto e faria isso novamente sem pensar duas vezes”, destacou.

Há três anos Monique está vivendo em Londres Foto: ​Arquivo pessoal

Sonho realizado

Com os tios deixando o país, a assistente de hospitalidade Monique Gaigher, de 23 anos, começou a alimentar o sonho de conhecer novos lugares e também morar fora. Há três anos o desejo se concretizou e ela passou a morar em Londres. "Aqui era o lugar que eu queria estudar. Eu diria que a adaptação foi um pouco dolorosa. O choque cultural assusta um pouco. No início me questionava várias vezes sobre o motivo pelo qual eu tinha saído de casa. O sentimento é de incapacidade. Você se torna dependente das pessoas ao seu redor para se comunicar e ir a lugares que você precisa ir", explicou. 

Monique deixou o Brasil sem saber falar inglês, mas como uma pessoa que gosta de se comunicar, a adaptação não demorou muito. "Precisei me acostumar com o jeito das pessoas. Elas são bem frias comparadas aos brasileiros. Talvez seja o clima, que na maioria das vezes está cinza, frio e chuvoso. Em Londres há uma mistura de cultura gigantesca, então você se depara com pessoas que veem o mundo de uma forma totalmente diferente da sua. É assustador e interessante ao mesmo tempo”.

A saudade, segundo ela, é inevitável. Em alguns dias as lágrimas caem, mas o objetivo sempre fala mais alto. "Sinto e não sinto vontade de voltar para o Brasil por vários motivos. A qualidade de vida na Europa nem se compara com a do nosso país. Mas existem detalhes muito significantes em estar em casa, coisas que só percebi depois que fiquei anos fora. Valeu a pena deixar tudo e ir para um novo lugar. Cresci muito desde que cheguei aqui. Aprendi a lidar com coisas boas e ruins", afirmou.

Elmir morou na Alemanha junto com a família Foto: ​Arquivo pessoal

Missões na Europa

Há três anos o missionário Elmir Dell'Antonio, de 43 anos, foi enviado pela igreja que congrega para fazer missões da Alemanha. Junto com a mulher e as duas filhas ele deixou as terras capixabas e passou a morar inicialmente em Munique, depois em Essen, ao norte do país europeu. "Foi muito difícil em todos os aspectos. Geralmente o encanto de estar em outro país passa em poucas semanas. É diferente de apenas visitar, fazer turismo. Morando, começamos a ver a realidade, a burocracia de ser estrangeiro”, disse.

Vivendo inserido em uma nova cultura, a vontade de voltar para o Brasil bateu várias vezes à porta. “O choque cultural foi enorme. Eles são extremamente disciplinados, e nós brasileiros somos diferentes. Lá tudo funciona muito bem, mas com muito critério e exigências. No início nos virávamos com o inglês, mas com o tempo as meninas foram para escola e começaram a aprender o alemão, o que ajudava muito. Tivemos amigos que nos ajudaram também. É impossível não sentir falta do Brasil. Nenhum país do mundo pode ser melhor do que a nossa casa".

O missionário e a família já voltaram para o Espírito Santo, mas ele afirma que a experiência valeu a pena e que faria tudo outra vez. “O encanto passa e a realidade é dura. Ninguém vai se moldar a você. É preciso ser humilde para aprender. Em alguns países as pessoas são introspectivas, não riem alto, não falam alto como nós, por exemplo, então é necessário se acostumar e mudar muitas coisas em seu jeito de ser. Para quem deseja deixar o país é preciso estudar sobre a nação e conversar com quem já mora lá a mais tempo", destacou.

Mais de 3 milhões de brasileiros moram no exterior

De acordo com dados divulgados pelo Ministério das Relações Exteriores, cerca de 3.105.922 brasileiros vivem foram do país legalmente. A maioria, cerca de 1,3 milhões, mora nos Estados Unidos. O segundo país onde mais se encontra brasileiros é no Paraguai, com quase 350 mil. Já no Japão são quase 180 mil, depois vem Portugal com cerca de 166 mil, Espanha com mais de 128 mil, o Reino Unido com 120 mil, a Alemanha com mais de 113 mil, a Suíça com 81 mil, a França com 70 mil e em décimo lugar a Itália, com 69 mil imigrantes brasileiros.

>> Veja a lista completa com os números de brasileiros em cada país! 

Alguns países exigem visto ou outro tipo de autorização Foto: Divulgação

Países são rígidos com estrangeiros

Segundo a Associação Brasileira das Agências de Viagem (Abav), alguns países são rígidos quanto a entrada estrangeiros. Por conta disso, quem vai viajar, seja a passeio, estudo ou trabalho, precisa tomar alguns cuidados antes de deixar o Brasil. Veja: 

Cada país usa diferentes critérios e exigências para a entrada e permanência de estrangeiros. Certifique-se junto à Embaixada ou Consulado do país para onde for viajar sobre quais são esses requisitos, dependendo do objetivo da sua viagem; 

Não viaje com visto de turista caso seu objetivo seja estudar ou trabalhar no país de destino. Você poderá ser preso e deportado; 

Alguns países não exigem visto para turistas brasileiros. Essa dispensa não serve para quem for estudar ou trabalhar; 

Ter um visto ou estar dispensado do visto não dá direito à entrada automática naquele país. A decisão final sobre sua entrada somente é dada no ponto de entrada pela autoridade migratória. É decisão soberana de todo país aceitar ou não a entrada de cada estrangeiro no seu território. A desconfiança sobre os reais motivos da ida ao país é motivo suficiente para não permitir a entrada do estrangeiro. Adote sempre tom respeitoso e evite cair em contradições nos contatos com as autoridades estrangeiras; 

Da mesma forma, as Embaixadas e Consulados não são obrigados a dar os vistos solicitados. A recusa em conceder um visto não necessita ser justificada; 

Desconfie de intermediários que prometem levar você a algum país sem os documentos exigidos. Trata-se de imigração ilegal e você poderá acabar preso naquele país; 

O tempo que você poderá ficar no país de destino será determinado pela autoridade migratória no ponto de entrada. Verifique bem qual foi o prazo autorizado no seu caso; 

Leve consigo os endereços e telefones das Embaixadas e Consulados brasileiros no seu país de destino. Em caso de dificuldade não hesite em contatá-las; 

Caso venha a ser detido por alguma autoridade estrangeira, você tem o direito de pedir para telefonar para sua Embaixada ou Consulado. Faça uso desse direito! 

Quando viajar, leve sempre cópia dos seus documentos (carteira de identidade, título de eleitor, certificado de alistamento militar, certidão de nascimento ou casamento). Eles serão necessários para tirar novo passaporte no exterior em caso de extravio do anterior; 

Todos os países adotam penalidades extremamente rigorosas de punição ao tráfico de drogas, sendo que alguns países aplicam a pena de morte a casos assim, independentemente do alegado desconhecimento quanto à legislação local; 

Não viaje para regiões conflagradas ou conturbadas. Na dúvida, consulte antes o Ministério das Relações Exteriores.

Confira mais informações sobre visto e passaporte!

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