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Maçonaria no ES: saiba a história, as verdades e lendas que cercam a organização

Integrantes da loja maçônica mais antiga do Estado receberam o Folha Vitoria para mostrar o trabalho da organização e combater versões e narrativas negativas que cercam a sociedade filosófica

Marcelo Pereira

Redação Folha Vitória
Foto: Dyhego Salazar/Folha Vitória
Grão-mestre estadual, Hélio Sodré (esq.), e grão-mestre estadual adjunto, José Paulo Tonóli, estão no comando do Grande Oriente do Brasil do Espírito Santo (GOB-ES) , ao qual pertence a Loja Maçônica União e Progresso, a mais antiga do Espírito Santo, na Cidade Alta, em Vitória

Cercada de mistérios, a Maçonaria está cada vez mais se abrindo para desmistificar sua atuação. A reportagem do Folha Vitória foi recebida pelos dirigentes do chamado Grande Oriente do Brasil do Espírito Santo (GOB-ES). A entrevista aconteceu na loja maçônica União e Progresso, onde também está a sede do GOB-ES.

O GOB-ES comanda, além desta loja, outras 98 no Espírito Santo. A loja da Cidade Alta, na Capital, completou 149 anos de fundação em 2021, sendo a mais antiga do Estado. No local, pode-se conhecer um pouco do dia a dia e da filosofia de vida de quem é maçom. 

A organização no Espírito Santo faz parte da chamada Grande Oriente do Brasil (GOB), a maior entidade maçônica na América Latina que, no Estado, reúne cerca de três mil membros, chamados de irmãos. No Brasil, são aproximadamente 97 mil irmãos.

Sempre presentes em campanhas de caridade, mas geralmente discretos, os integrantes têm que lidar com algumas lendas e versões, geralmente nascidas e criadas a partir do tal "segredo" que rondam as reuniões secretas dos membros. 

"O diabo passa bem longe daqui", declara, entre risos, o grão-mestre estadual, Hélio Sodré, ao comentar sobre os rituais dos encontros.

"Nós somos movidos pelos três efes: filosofia, filantropia e fé. Filosofia porque exaltamos a ciência e a razão, que estão voltados para a evolução do conhecimento da humanidade. Filantropia porque precisamos auxiliar e ajudar os outros. E fé porque temos espiritualidade e acreditamos num Ser Supremo, o Grande Arquiteto do Universo, criador de tudo", resume. 

Ele explica enquanto folheia um exemplar da Bíblia, que fica em destaque na área do templo. O livro sagrado para os cristãos divide espaço num pedestal com os símbolos máximos do movimento: um esquadro e um compasso de pedreiro.

História que vem das catedrais da Idade Média

Esses símbolos remetem aos instrumentos dos pedreiros, trabalhadores que, na Idade Média, dominavam as técnicas de manejo com pedras, construindo castelos e catedrais. O termo "maçom" vem daí, do francês "maçon", que significa "pedreiro". 

Assim como outros profissionais (alfaiates, sapateiros e ferreiros), os pedreiros também se reuniam nas chamadas corporações de ofício, antepassado dos atuais sindicatos. Nessas espécies de "clubes fechados" da época medieval, eles compartilhavam e dividiam seus segredos de profissão.

A Maçonaria nasceu daí. Os pedreiros, ao contrário dos outros servos, eram livres para viajar, indo atrás de serviços em outras cidades. Assim, conheciam novos lugares, costumes diferentes, trocando experiências e conhecimento. Essa dinâmica de ter contato com novas culturas deu origem a uma postura mais aberta à liberdade de pensamento. 

Isso ficou mais evidente após a Idade Média, quando o grupo passou a admitir outras pessoas, além dos pedreiros. Acabou se transformando numa fraternidade dedicada à liberdade de pensamento e expressão, religiosa ou política e contra qualquer forma de governo autoritário absolutista. Nas reuniões se debatia Ciência, Filosofia, rumos da política em geral. 

Esse ideário de liberdade fez a organização ter forte influência nos bastidores da independência dos Estados Unidos (1776) e da Revolução Francesa (1789). Aqui no Brasil, foi decisiva na Independência (1822), na Abolição da Escravatura (1888) e na Proclamação da República (1889). 

Loja maçônica na Cidade Alta é a mais antiga do ES

A sede da União e Progresso fica na Cidade Alta, em Vitória, em meio à outras construções que fazem parte do Centro Histórico da Capital como a Capela de Santa Luzia, o Palácio Anchieta (ambos do século XVI) a Igreja de São Gonçalo (no século XVII). 

A loja, inaugurada em 1872, é considerada a mais antiga em funcionamento no Espírito Santo. Funciona num grande sobrado pintado de azul, com detalhes brancos e dourados. 

Foto: Dyhego Salazar/Folha Vitória
Loja maçônica União e Progresso, na Cidade Alta, em Vitória, tem fachada neoclássica com detalhes de colunas gregas

A arquitetura, de estilo neoclássico, chama a atenção pela fachada com colunas gregas que sustentam o detalhe um triângulo onde estão entalhados o compasso e o esquadro. Aliás, esses dois símbolos são recorrentes na decoração interna. Por vezes, o olhar se depara com eles.

No hall de entrada, há um centro de memória, com um acervo formado por documentos, fotos antigas, objetos dos rituais. A exposição permanente destacando pontos importantes da história da sociedade e das atividades dos membros. 

"Antes da princesa Isabel assinar a Lei Áurea, em maio de 1888, já havia irmãos nossos, aqui desta loja, que já estavam engajados na libertação dos escravos. Eles colaboravam ou forneciam dinheiro para que o escravo comprasse sua alforria ou eles mesmos compravam o escravizado e davam a liberdade depois", cita Sodré.

Essa intenção de promover ajuda ao próximo continuou. E é uma das formas que os maçons usam de resposta às críticas de que são exclusivistas, preocupados apenas com quem faz parte da associação.

"A Maçonaria tem sempre esse foco em ajudar os necessitados e dar sua contribuição para a sociedade. Mas, sem nenhum tipo de holofote. Houve uma época, há alguns anos, em que ajudamos a manter funcionando hospitais filantrópicos aqui do Espírito Santo que passaram por crise administrativa ou com problemas financeiros", relembra o grão-mestre.

O grão-mestre estadual adjunto, José Paulo Tonóli, destaca que, nessa área, cada loja maçônica tem obrigação de se colocar responsável em ajudar alguma instituição ou associação filantrópica. 

"Temos um trabalho muito intenso, por exemplo, com a Apae de Colatina, que atende a mais de 1.300 crianças e jovens. Essa assistência é constante, mas não é algo para a gente sair divulgando e falando em todos os lugares. Maçom sempre se pauta na discrição", aponta.

Veja fotos de dentro da maçonaria: 

Dyhego Salazar/Folha Vitória
Dyhego Salazar/Folha Vitória
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Cerimônias secretas

Os rituais acontecem durante as reuniões dos maçons, classificados como aprendizes, companheiros ou mestres. As classificações dizem respeito ao tempo de permanência e ao grau de comprometimento com a sociedade.  

Na loja da Cidade Alta, o templo é dividido numa parte baixa (chamada de Ocidente) e uma área num piso elevado (o Oriente). No Oriente, ficam as autoridades maiores da loja pois é do lado oriental que vem a luz e, por alegoria, a sabedoria e a experiência. Os demais membros ocupam cadeiras e bancos colocados próximo às paredes, deixando um espaço livre. 

Uma reunião maçônica começa sempre com uma leitura da Bíblia, que está num pedestal em destaque no setor elevado. Com ela também estão os símbolos da Maçonaria: um esquadro e um compasso

Depois da leitura bíblica, os maçons colocam em assembleia as necessidades e pedidos de ajuda de pessoas ou de instituições da qual eles se responsabilizam. 

O grupo decide quem poderá ser auxiliado no momento. Pode ser um hospital, uma escola, uma casa de repouso para idosos.

Já o momento do ritual é privativo dos maçons. "Eu posso te explicar a respeito dos símbolos, dos paramentos, mas o que fazemos na ritualística é algo que fica restrito aos participantes. Você teria que ser um iniciado para que eu pudesse te falar. É uma das regras", justifica Tonóli.

O teto do templo da Cidade Alta imita a abóbada celeste com as constelações e planetas. "É mais uma referência ao céu, ao infinito, ao Criador de tudo, o qual todos nós estamos ligados", explica. Pelo mesmo motivo, impera a cor azul, lembrando o céu. 

Maçonaria não é religião, destaca grão-mestre adjunto

Tonóli explica que a Maçonaria, apesar de citar a existência de um ser superior e transcendente, não deve ser confundida com uma religião. 

"É mais um sistema de filosofia de vida, onde exaltamos a evolução do ser humano por meio do conhecimento, da ciência e do exercício de um sentimento universal de compaixão. É ser uma escola de vida para aqueles interessados em fazer um mundo melhor", diferencia. 

Assim, ele aponta que as reuniões realizadas nos templos maçônicos não são cultos, mas encontros em que são discutidos temas variados, de filosofia a história e atualidades.

Avental classifica os graus dos membros maçônicos

As referências aos antigos pedreiros não ficam apenas nos enfeites do esquadro e do compasso. Também está no uniforme dos maçons. Eles devem usar, nas reuniões, um avental com bolso, onde os construtores e arquitetos guardavam seus utensílios, durante o seu trabalho no canteiro de obras. 

De acordo com os detalhes na peça, é possível identificar quem é aprendiz (avental branco simples com a aba levantada), companheiro (avental com aba abaixada) e mestre (avental branco com borda colorida). Alguns ritos e potências adicionam rosetas, inscrições ou outros símbolos, de acordo com elementos desenvolvidos no ritual.

Outro símbolo bastante presente é o triângulo isósceles com um olho só. "O triângulo tem os três lados iguais, símbolo da perfeição. Com o olho que tudo vê é uma referência ao Supremo, a qual nada escapa, a Deus, que chamamos o Grande Arquiteto do Universo. A Natureza que Ele fez reflete essa perfeição", aponta o grão-mestre adjunto.

Novos membros se cadastram pela internet

Para admitir novos membros, no passado, era preciso ser convidado por um maçom. Mas os tempos são outros. O contato é ditado via redes sociais. "Hoje, você não precisa. O interessado pode entrar no site, preencher um formulário com intenção de ingresso na Maçonaria. A partir daí começa o processo", aponta Tonóli. 

A pessoa será comunicada e será convocada para a loja maçônica. "Será feita uma avaliação por meio de uma entrevista. Nela, serão conhecidos se você preenche os requisitos para fazer parte", explica. A resposta pode sair em até dois meses. 

Curiosidades e dados da Maçonaria

- Estima-se que haja 6 milhões de maçons no mundo;

- Eles se reúnem em templos que chamam de lojas (em inglês, lodge, ou alojamento, que é onde antigamente se agrupavam os pedreiros responsáveis pela construção de igrejas ou catedrais);

- No Brasil, a Maçonaria começou em 1822, mesmo ano em que um movimento de maçons brasileiros liderados principalmente por Gonçalves Ledo e José Bonifácio de Andrade e Silva culminou na proclamação da Independência do Brasil, feita por D. Pedro I, que também era maçom.

- No Espírito Santo, a Maçonaria começou  a partir de uma loja maçônica fundada em Vitória, já desativada, em 6 de março de 1832. 

- As lojas capixabas mais antigas são a União e Progresso, fundada em novembro de 1872, e a Vitória e Fraternidade e Luz, em Cachoeiro de Itapemirim, fundada em setembro de 1898.

Maçons na História

Dyhego Salazar/Folha Vitória
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Voltaire (1694-1778) - filósofo francês

Goethe (1749-1832) - escritor alemão, autor da peça "Fausto".

Beethoven (1770 - 1827) - compositor alemão, autor da "Nona Sinfonia" e "Sonata ao Luar".

Mozart (1756-1791) - compositor austríaco. Sua ópera, "A Flauta Mágica", é baseada em símbolos e rituais maçônicos.

Napoleão Bonaparte (1769-1821) - general e imperador francês

Simón Bolívar (1783-1830) - general venezuelano que lutou pela independência do Peru, da Colômbia, da Bolívia, do Equador e de seu próprio país

José Bonifácio (1778-1859) – cientista e político brasileiro, conhecido como Patriarca da Independência 

Dom Pedro I (1798-1834) – primeiro imperador do Brasil, decretou a independência do país

Duque de Caxias (1803-1880) – comandante do Exército do Brasil

Deodoro da Fonseca (1827-1892) – marechal do Exército brasileiro, proclamador da República e primeiro presidente do Brasil

Ruy Barbosa (1849-1923) – Jurista, jornalista e político brasileiro


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