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Mais divórcios no ES: entenda como a falta de diálogo sobre dinheiro acaba com casamentos

Entre 2020 e 2021, o número de divórcios cresceu 27,36%, segundo dados do IBGE. Além das finanças, a pandemia também está entre as razões

Isabella Arruda

Redação Folha Vitória
Foto: Divulgação

O número de divórcios no Espírito Santo cresceu 27,36% entre os anos de 2020 e 2021, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Entre os fatores que podem estar relacionados, estão a pandemia e a gestão do orçamento familiar.

Confira números dos últimos cinco anos já levantados pelo IBGE, que compreendem o período que vai de 2017 a 2021:

Foto: Divulgação | IBGE

Em relação ao número de casamentos, também houve crescimento percentual entre os anos de 2020 e 2021, equivalente a 23,37%, passando de 18.739 para 23.120.

Independência financeira e divórcio

Para entender o crescimento de divórcios em um ano, a reportagem do Folha Vitória ouviu especialistas sobre o assunto.

Na avaliação do mestre em Administração e Estratégia Antônio Marcus Machado, ex-secretário de Planejamento, Orçamento e Gestão de Vila Velha, já se foi o tempo em que era recomendável ao casal manter uma conta conjunta.

"É importante observar que as pessoas devem ter autonomia financeira, tanto no controle dos gastos, quanto na geração de receitas. Houve um tempo em que a conta conjunta era interessante, em termos de tarifas, enfim, mas também porque na relação marido e mulher, a mulher tinha uma participação menor no mercado de trabalho e no orçamento familiar. Mas hoje não, por vezes têm um orçamento maior, então é importante que tenham contas separadas”, disse.

Sobretudo quando se fala em casais de empreendedores, o economista destaca que, caso haja uma demanda judicial, no caso de a conta ser conjunta, ela será afetada, o que é bastante prejudicial. “Hoje me parece mais interessante ter contas separadas e cada um ter seu controle, o que não quer dizer que não vão assumir harmonicamente os custos”, explica.

Para Machado, a situação financeira é um dos pilares de um relacionamento harmonioso. Nesse sentido, para ele, muitas vezes os cônjuges ficam felizes quando há dinheiro disponível, mas quando o dinheiro acaba, cada um fica infeliz do seu jeito.

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“Realmente os divórcios podem ter na causa um desequilíbrio financeiro, que quando a conta é conjunta leva os dois para o buraco. Quando são independentes, um escorregou, mas não comprometeu o orçamento familiar todo, só uma parte, é menos pior”, acrescentou.

Análise psicológica: casais não costumam conversar abertamente sobre dinheiro

Em termos de análise de comportamento, a psicóloga especialista em psicologia puerperal e sexologia, além de neuropsicóloga, Daniella Sperandio, ponderou que a dificuldade na gestão do orçamento familiar não costuma ser a causa definitiva do divórcio, mas sem dúvidas um motivo para conflitos na relação, que acabam levando ao desgaste.

“O que eu percebo é que se no casal um ganha mais, o que contribui menos com as despesas tende a ter um comportamento de compensação, assumindo tarefas da casa, como por exemplo de lavar a louça, colocar a roupa no varal, fazer compras no mercado. Do outro lado, o mesmo também é esperado por quem ganha mais. Esta pessoa entende que se contribui mais, o outro tem que fazer mais em casa e, se não for feito, há conflito”, afirma.

Um questionamento que a especialista trouxe à tona foi no sentido de não ser mais comum saber quanto cada um dos cônjuges ou companheiros ganham. “Me pergunto que confiança é essa. O casal tem intimidade, mas não fala de dinheiro, isso se tornou cultural. É preciso tratar do assunto antes mesmo de casar”, disse Sperandio.

Para ela, antes de duas pessoas se tornarem um casal, elas eram indivíduos que viviam em núcleos familiares diferentes, em que cada um lidava com o dinheiro de forma singular. A questão então seria conversar e ajustar os ponteiros o quanto antes.

“Gosto de trazer o exemplo de uma tia. Ela trabalhava em um banco e o noivo trabalhava em outro. Ainda no noivado, ele virou para ela e disse: ‘Eu gostaria que você não trabalhasse fora. E aí ela pensou bem e disse: ‘Tudo bem, porém vou querer x% do seu salário todo mês na minha conta’. Hoje são casados há 50 anos. O que estou falando: houve uma conversa sobre como seria a vida financeira deles antes do casamento. Está certo? Não é sobre isso?”, disse.

Casamento com comportamento de vida de solteiro

Para Sperandio, já não há conversa entre os casais sobre gestão do dinheiro, o que gera conflitos que poderiam ter sido resolvidos de forma simples.

“O casal vai para o casamento com o comportamento da vida individual. ‘Tenho meu dinheiro, gasto com o que eu quero’. Se os dois concordam, tudo bem, não há uma fórmula, mas precisa ser conversado. Acabam indo para uma vida conjugal e levando ‘como dá’. Existe solução? Sim, sentar, conversar, entender como cada um lida com o dinheiro. Muitos vão ao consultório com insatisfações que não são ditas. Dizem ao psicólogo, mas não têm coragem de conversar com o parceiro”, pontua.

O fato é que as estatísticas mostram que o casamento tem durado pouco. Para a especialista, hoje há maior independência financeira, sendo que já foi mais comum ver uma mulher falar que gostaria de sair de um casamento, mas que não consegue pois não teria como se manter.

“Me parece que o fato de os dois trabalharem torna um pouco mais fácil sair de uma relação e ir para outra. A ingerência financeira não costuma ser o motivo de rompimento, pelo contrário, mas a independência financeira sim, é capaz de fazer alguém sair ou não do casamento. Mas existem outros fatores, claro, que fazem com que o casamento chegue ao fim. Mas a independência financeira faz com que a pessoa não permaneça na relação que já é insatisfatória para ela”, concluiu.

Mulheres gastam mais que os homens?

Outro ponto que a psicóloga abordou sobre casamento e formas de lidar com o dinheiro foi a maneira como homens e mulheres gastam, levando-se em consideração que o senso comum diz que a mulher gasta mais que o homem. Para Sperandio, a construção social sobre o assunto não condiz com a realidade.

“Uma mulher quando vai ao mercado, ao shopping, ela não pensa só nas suas necessidades. Ela consome para ela, mas também compra para o filho, marido, até para os sogros, se preocupa com itens da casa, cozinha, toalhas. Nesse aspecto até compram mais, mas pensando no coletivo. Já o homem vai comprar pensando nele, mesmo que vá pouco. E se tem um hobby (exemplo: pesca), vai comprar algo relacionado a isso, que geralmente são itens de valores elevados”, disse.

A neuropsicóloga esclarece então que a mulher gasta mais com o coletivo e com itens menores, enquanto os homens acabam gastando montantes maiores. Inclusive, segundo ela, pode ser observado que eles não “param de brincar”, no sentido de que, mesmo depois de casados, continuam se dedicando também a atividades que gostavam desde a infância, como videogame, futebol e carros.

Pandemia influenciou no aumento dos divórcios

Outro fator comumente apontado para os divórcios mais recentes é a pandemia da covid-19. Sobre o assunto, Daniella Sperandio afirmou que de fato acredita que este fator contribuiu para o aumento dos rompimentos entre casais.

“A grande questão foi o lockdown, as pessoas ficando mais em casa, trabalhando em home office. O casal que já vinha de uma certa forma cambaleando, com a obrigação de permanecer mais tempo junto, no mesmo ambiente, viu realçados alguns conflitos que já existiam ali”, pontuou a psicóloga.
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