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Jovens se reúnem em fóruns virtuais para discutir dia a dia da solidão

Segundo a psicóloga e psicanalista Dora Tognolli, que integra a Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo, essa plataforma pode ser ruim para alguns perfis

Redação Folha Vitória
Foto: Reprodução/Pexels

Alfredo**, de 23 anos, não tem mãe nem pai e se sente perdido com sua vida social: não tem amigos, não gosta da namorada, de ir à praia e tampouco de trabalhar. "Quero dar uma agitada na minha vida, conhecer novas pessoas e mudar de cidade", afirma.

Enquanto o jovem não realiza esses desejos, sua aflição segue acompanhada pela vontade de se isolar, o que o leva a descarregar todas as emoções em fóruns da internet. E ele não está sozinho: milhares de pessoas compartilham sentimentos de solidão no Reddit - rede social anônima em que usuários expressam opiniões sobre diversos assuntos, trocam experiências e se ajudam.

Lá reina o paradoxo de se sentir sozinho em meio a muita gente. Em um dos grupos da plataforma chamado "Desabafos", por exemplo, quase seis mil pessoas compartilham suas dores solitárias umas com as outras em busca de um ombro amigo virtual.

Segundo a psicóloga e psicanalista Dora Tognolli, que integra a Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo, essa plataforma pode ser ruim para alguns perfis. "O fórum virtual é como se fosse a praça da cidade antiga e não é um problema em si, porque muita coisa boa pode ser feita nele", explica. "Ele passa a ser maléfico quando priva o usuário de sair de casa ou o deixa paranoico ao perceber que está muito sozinho", completa.

A visão da especialista vai ao encontro de dados recentes revelados por uma pesquisa da Motorola com a psicóloga e pesquisadora de Harvard Nancy Etcoff. O estudo mostra o comportamento de 4,3 mil donos de celular do Brasil, França, Estados Unidos e Índia, constatando que eles estão cada vez mais compulsivos, ansiosos e com tendências solitárias. Só no Brasil, 49% dos entrevistados disseram que consideram o smartphone como melhor amigo.

Entenda e converse com a sua solidão

Dora Tognolli, que é mestre em Psicologia Social pela Universidade de São Paulo (USP), explica que o primeiro passo para discutir de forma saudável a solidão é ter autocrítica e não ficar assustado - tanto na vida real quanto nos fóruns da internet. "Esse sentimento pode vir da falta de contato com você mesmo. Você tem que entender o que está te angustiando. Se é porque não namora, se veio após a morte de alguém, se é porque é pobre ou se acha feio… não importa: temos que seguir todas nossas angústias e entendê-las", aconselha.

Dora diz ainda que se sentir sozinho não pode ser algo demonizado, uma vez que é um sentimento que pode ser ressignificado para o nosso bem. "A solidão é uma forma de ficar mais perto de você para entender a raiz do que te machuca", analisa. "Mas, se não for tratada, pode tomar proporções maiores como o isolamento total, a paranoia, dificuldade em se aproximar dos outros ou culminar em uma descarga enorme de violência", completa.

Muitos usuários do Reddit identificam esses problemas alertados pela psicanalista, o que os leva a dar dicas para os internautas com problemas pessoais. A demonstração de empatia é tão comum entre eles que dificilmente se vê julgamentos ou mensagens ofensivas. Em uma das publicações, por exemplo, um membro da rede social não economizou palavras ao ajudar um rapaz que se sente sozinho na vida:

Epidemia de solidão é um risco do futuro para o Brasil

A solidão é considerada um caso de saúde pública no Reino Unido. O governo calcula que nove milhões de pessoas vivem solitárias no país, o que levou as autoridades a criarem o Ministério da Solidão, em janeiro de 2018. Na época, a primeira-ministra Theresa May descreveu a medida como uma "triste realidade da vida moderna".

Dora alerta que o Brasil não enfrenta esse problema por enquanto, mas é um risco futuro diante do envelhecimento da população. Isso porque dados recentes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) calculam que um a cada quatro brasileiros terão mais de 65 anos até 2060, o que equivale a 58,2 milhões de pessoas.

"Há idosos morrendo em casa sozinhos sem ninguém saber, porque não tem ninguém para cuidar deles. Os encontros de família têm diminuído, o número de filhos caiu e imigrantes já vêm para o Brasil para viver sozinhos. Esses fatores prejudicam os laços sociais", aponta.

Isso aplicado à realidade atual se torna ainda mais preocupante: o último levantamento do Disque 100, do primeiro semestre de 2018, registrou 34,3 mil denúncias de negligência e violações de direitos humanos contra idosos naquele período. Nos últimos oito anos, houve 432 mil queixas, mostrando o isolamento social que as pessoas podem sofrer na velhice.

Debates e mudanças no ritmo de vida vão na contramão da solidão

O sociólogo alemão Georg Simmel alertou há 46 anos, em seu livro A metrópole e a Vida Mental, que o stress da vida urbana prejudica as relações interpessoais. O tempo passou e essa ideia não só persistiu, como também piorou com os dados sobre isolamento social do futuro.

No entanto, Dora Tognolli tem percebido que moradores de grandes cidades vêm tentando driblar isso com ações positivas nos últimos anos. No seu consultório de terapia, em São Paulo, ela já vê pacientes que adotam um estilo de vida para evitar o isolamento social. "Muitas pessoas hoje se interessam pelo slow food, pela meditação e os aplicativos de bicicleta e patinete. Isso aproxima um dos outros", afirma.

Ela reconhece que esses fenômenos ainda são uma realidade segregada, mas acredita que já é um bom começo para mostrar que "a velocidade das metrópoles não leva a nenhum lugar".

Enquanto isso não se consolida, Alfredo e outros usuários dos fóruns do Reddit seguem se ajudando diante dos desafios e solidões da vida cotidiana. No entanto, vale ressaltar que isso não substitui a ajuda profissional.

**Usuário anônimo do Reddit

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