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Onda de irritação derruba apoio a latino-americanos

Redação Folha Vitória

Washington - A desaceleração econômica trazida pelo fim da explosão no preço de commodities e a queda na cotação do petróleo, a multiplicação dos escândalos de corrupção, o agravamento da violência e a emergência de uma classe média com novas demandas sociais dão impulso a uma onda de mau humor que jogou no piso a aprovação de vários presidentes de América Latina, muitos dos quais enfrentam sucessivas ondas de protestos contra seus governos.

O vento a favor que permitiu a redução da pobreza ao longo da última década se reverteu, refletindo a perda de fôlego da economia mundial e o enfraquecimento da demanda chinesa por produtos como o minério de ferro brasileiro, o cobre chileno ou o níquel peruano.

Depois das medidas de estímulo para amenizar o impacto da crise financeira de 2008, grande parte dos países latino-americanos esgotou sua capacidade de ampliar gastos e tem agora de apertar os cintos por meio de ajustes fiscais dolorosos.

A situação é agravada pelo baixo índice de crescimento da região. O Fundo Monetário Internacional (FMI) prevê que os países da América Latina e do Caribe terão expansão de apenas 0,9% em 2015, no que será o quinto ano consecutivo de redução do ritmo de alta do PIB.

"A desaceleração econômica é o denominador comum em todos os países, que experimentam aumento do desemprego e, por consequência, da insatisfação popular", disse Peter Hakim, presidente emérito do Inter-American Dialogue.

Em sua opinião, o descontentamento é agravado pelo fato de a redução do ímpeto econômico ocorrer depois de um período de forte expansão e inclusão social, que elevou expectativas e demandas da população.

Na última década, o número de integrantes da classe média na região aumentou em 50%, de acordo com o Banco Mundial. Pela primeira vez em sua história, a América Latina tem mais habitantes nessa faixa de renda do que na pobreza. Mas a desaceleração econômica e a redução da capacidade fiscal dos governos gera nesse universo o temor de voltar a cair na escala social.

Professor do Instituto de Estudos Latino-Americanos da Universidade do Texas em Austin, Raúl Madrid avaliou que a percepção das conquistas do passado é ofuscada pelas dificuldades do presente. "As expectativas aumentaram e as pessoas estão pensando sobre eventos recentes e não nos últimos dez anos."

Apesar das ansiedades e conflitos, o momento atual traz oportunidades, acredita Peter Schechter, diretor do centro para América Latina do Atlantic Council. A principal delas, em sua opinião, é o fortalecimento de uma sociedade civil que se mobiliza, apresenta demandas e exige transparência dos governos. "A corrupção não é mais aceita como antes."

Citando o exemplo do escândalo da Petrobrás no Brasil, Schechter observou que os ocupantes de cargos políticos enfrentam hoje um maior risco para sua manutenção no cargo se não investigarem irregularidades do que se as investigarem.

A grande questão é se o atual mau humor levará à rejeição dos governos de orientação de esquerda que chegaram ao poder depois da supremacia do Consenso de Washington - a receita de redução do papel do Estado e abertura da economia que prevaleceu nos anos 90.

Madrid, da Universidade do Texas, acredita que há um "cansaço" em relação a partidos que estão no poder há uma década ou mais. Como muito estão mais à esquerda no espectro ideológico, é natural que sejam mais castigados.

Harold Trinkunas, diretor do programa sobre América Latina do Brookings Institution, avalia que o ciclo econômico adverso terá consequências políticas. "A tendência é que os eleitores comecem a votar nas legendas de oposição e se afastem de partidos de esquerda populista", disse.

Mas para Hakim, do Inter-American Dialogue, uma das características do mau humor atual é a debilidade generalizada dos partidos, incluindo os que se opõem aos ocupantes do poder. "A legendas governantes estão debilitadas, mas as de oposição também", opinou. Isso ficou evidente nas manifestações contra governos realizadas em vários países da região, a maioria das quais convocadas por organizações desvinculadas de partidos políticos estabelecidos.

Apesar de todos os problemas, a América Latina está em uma situação melhor que a dos anos 80 e 90, estimou Hakim. Para ele, não há risco de a região mergulhar em uma nova "década perdida" - as mudanças realizadas na última década colocam a maioria dos países em uma melhor posição para retomar o crescimento no curto e médio prazo.

Na opinião de Schechter, esse novo ciclo exigirá reformas que levem à maior abertura e integração das economias latino-americanas ao mundo. "O continente está em um ponto de inflexão e há um desejo por mudanças." As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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