CORONAVÍRUS

Geral

Pandemia aumenta diferença na preparação para o Enem, avaliam especialistas

Eles defendem que o exame, marcado para novembro, seja adiado, já que as condições de estudo dos alunos das redes pública e particular aumentaram ainda mais com a interrupção das aulas presenciais

Foto: Divulgação

Estudantes e especialistas em educação esperam que o governo federal decida, nos próximos dias, pelo adiamento do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), cujas inscrições foram abertas na última segunda-feira (11). Segundo eles, a pandemia do novo coronavírus tem aumentado ainda mais as diferenças de condições de estudo entre alunos da rede pública e da rede particular de ensino.

Isso porque, com a suspensão das aulas presenciais, em função da pandemia, a única maneira de os estudantes se prepararem para a prova é por meio de seus próprios recursos, dentro de casa. E nem todos têm acesso, por exemplo, a conteúdos online e a uma internet de qualidade.

"O estudante da rede privada tem uma condição de estudos que não se tem nem como comparar com a rede pública. Não só as aulas que estão sendo oferecidas online por vários cursinhos, como ele tem acesso em casa, por exemplo, à TV a cabo, onde ele vê documentários sobre história, geografia. Ele tem livros em casa, ele tem pais que ajudam nesses estudos. Os estudantes das escolas públicas, em sua grande maioria, não têm esse acesso. Muitos não têm computador em casa, não têm acesso à internet. Celular com a letrinha pequena, celular que não pega sinal. É uma condição absurdamente desigual dele ter acesso a algum conteúdo", afirmou a pós-doutora em educação Conceição Soares.

"A seletividade do processo do Enem, por exemplo, vai ocorrer e vai beneficiar aqueles que têm acesso à internet, tem acesso à tecnologia, e vai prejudicar enormemente aqueles estudantes que não têm acesso à internet. Então eles vão ser ainda mais prejudicados do que já seriam se estivéssemos em um contexto de normalidade", destacou o sociólogo Pablo Ornelas Rosa.

"Os educadores, os pesquisadores do campo da educação estão defendendo o adiamento do Enem como uma questão de bom senso, de equilíbrio, de modo que ele possa ser realizado ou no final do ano, em dezembro, ou no ano que vem, assim a permitir a todos se sincronizarem em sua vida escolar e terem acesso às mesmas condições de disputa", ressaltou o especialista em educação Marcelo Lima.

A dificuldade na preparação para a prova é sentida diariamente pela estudante Bárbara Costa da Silva, de 18 anos. Ela acessa pelo celular as atividades passadas pelos professores, mas a tela pequena e trincada só dificulta o aprendizado da jovem.

"É difícil porque eu ainda tenho problema de vista, aí às vezes tenho que ficar abrindo o zoom lá em cima para ver melhor. A internet falha e fica muito ruim. Perco aula online, essas coisas", conta.

Bárbara é aluna de uma escola pública estadual de Vila Velha. Devido ao avanço do novo coronavírus, ela passou a estudar em casa, no bairro Jabaeté, mas diz que não anda muito animada.

"Para a gente, que estuda em escola pública, não vai ter, toda hora, um professor para tirar dúvida, para estar ali conversando com a gente. Só tirando algumas dúvidas e olhe lá", afirmou.

Por outro lado, a estudante Amália Brandão Piovesan, de 17 anos, moradora da Praia da Costa, em Vila Velha, e aluna de uma tradicional escola particular de Vitória, consegue ter acesso a aulas em tempo real, pela internet.

"A escola tem passado aulas online, tanto ao vivo quanto videoaulas previamente gravadas, e algumas atividades, em PDF, Word, esses arquivos, para a gente fazer em outros horários", conta.

Devido à pandemia do coronavírus, Amália também passou a estudar em casa, onde se prepara para ingressar no curso de Medicina. "Eu acho que vai dar para se preparar sim. Eu acho que principalmente as escolas particulares vão conseguir se preparar, porque eu acho que as públicas não estão conseguindo ter o acesso que a gente está tendo", reconheceu.

Enem em novembro

Nas redes sociais, também tem aumentado a pressão para que o Enem seja adiado. No entanto, em suas postagens, o ministro da Educação, Abraham Weintraub, tem se mostrado decidido a manter a aplicação do exame no mês de novembro. O próprio ministro informou que 1.443.581 alunos se inscreveram somente no primeiro dia, quase 130 mil a mais do que no primeiro dia de inscrições do ano passado.

"Acredito que, neste momento, o melhor a se fazer é adiar o Enem, pelo fato de para muitas pessoas que não têm condição de pagar uma universidade ou uma faculdade, é o único meio de entrar. E essas pessoas são as que estão tendo mais dificuldade para conseguir estudar", disse o estudante Pedro Henrique Nicolini, de 17 anos, aluno da rede pública.

O secretário estadual de Educação, Vitor de Ângelo, reconhece as dificuldades que os estudantes da rede pública vêm enfrentando nos últimos meses. O secretário destaca que pode ser necessário adiar o Enem.

"Nós, como secretários de educação, temos insistido muito, junto ao ministério, no sentido de sensibilizá-los para a importância, se não de fixar uma nova data para o Enem, mas pelo menos de deixar em aberto essa questão, para que ela seja avaliada no curso dos próximos meses, das próximas semanas talvez, verificando se é possível mesmo manter em novembro ou não", afirmou.

Professora de comunicação social da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), Daniella Zanetti alerta também que o ingresso de novos estudantes nas universidades será complicado, já que o conteúdo dos veteranos está atrasado por causa da pandemia.

"Os calendários estão em suspenso das aulas. Nós não sabemos como isso vai ser reorganizado para o ano que vem. Então o que adianta bater o pé e manter essa prova, se não sabemos como vai ser esse calendário no ano que vem?", questionou.

A produção da TV Vitória/Record TV perguntou ao Ministério da Educação se há possibilidade do exame mudar de data por causa da pandemia. A resposta é que o governo acompanha diariamente o assunto para as avaliações necessárias e que, até o momento, a data do exame não foi alterada. A equipe de jornalismo também questionou sobre o prejuízo aos alunos que têm dificuldade de acesso ao conteúdo das provas, mas sobre essa questão não houve resposta.

Com informações da repórter Fernanda Batista, da TV Vitória/Record TV 

Pontos moeda