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Governo define sobre retorno de aulas presenciais no ES nesta sexta; especialistas opinam

Na discussão, médicos, estudiosos e profissionais da Educação consideram fatores como ritmo de vacinação, prejuízo social e também cognitivo da falta de interação entre estudantes e professores

Marcelo Pereira

Redação Folha Vitória
Foto: Reprodução

Além dos vários protestos realizados por associações de pais pedindo a reabertura das escolas e uma cobrança maior de outros atores nas discussões, - como o Sindicato das Escolas Particulares (Sinepe) e representantes das sociedades de Infectologia e Pediatria, - o debate e a expectativa sobre a retomada do ensino presencial no Estado ganhou mais força na terça-feira (04), quando a Prefeitura de Vitória anunciou, de forma isolada e sem autorização do governo, que irá retomar as aulas na próxima semana

Na semana passada, o Governo do Estado sinalizou que poderia haver o retorno das aulas nas cidades classificadas como risco alto para o contágio do coronavírus. Porém, isto não se concretizou durante a divulgação do Mapa de Risco por Casagrande, que transferiu para esta sexta-feira (07) a apresentação de possíveis mudanças sobre os formatos de aulas presenciais. 

Com uma redução no número de mortes e casos de covid-19 e queda na taxa de ocupação de leitos de UTI e de enfermaria, cresce a pressão para a reabertura das escolas nos 56 municípios em risco alto. Hoje, nessas cidades, só pode ocorrer atendimento individual com agendamento prévio. Em municípios de risco moderado e baixo, as aulas presenciais estão liberadas com limite no número de alunos de cada turma. 

A reportagem do Folha Vitória ouviu profissionais atuantes e representantes do cotidiano educacional no Espírito Santo, além de nomes da área médica. Todos reconhecem que as escolas não podem deixar de cumprir sua função, com risco de déficit educacional e cognitivo para as jovens gerações caso haja interrupção das atividades curriculares. Mas também há aqueles que fazem uma ponderação: o tempo é de cautela enquanto a vacina não chega para todos.

Ensino remoto não substitui as relações de aprendizagem

A psicanalista e especialista em Educação Infantil, Cecília Oliveira, pondera que ensino remoto é uma alternativa na pandemia, mas não pode substituir as aulas presenciais. Por um detalhe simples: é da natureza humana viver em grupo. 

"As aulas online não trazem o convívio e a relação entre professores e demais colegas. Somos seres de relação. Nós nos estruturamos cognitivamente por meio dessas relações", aponta. 

Na sua visão, a escola não é apenas lugar de disseminação de conteúdo. É lugar de exercício de formação plena de como encarar a vida. "É o local para desenvolver todas as potencialidades da criança. Pessoas privadas disso terão consequências agora e a médio e longo prazo", alerta.

Cecília acredita que os protocolos sanitários definidos pelo poder público são suficientes para garantir um retorno seguro para as escolas. "São baseados no tripé de distanciamento social, uso de máscaras e higienização das mãos. É fácil de ser cumprido e contribui para uma escola segura se somado ao monitoramento constante e a comunicação transparente com os pais", opina. 

A preocupação de que crianças pequenas não iriam aderir às regras, no entender da professora, são superdimensionadas já que elas, naturalmente, já lidam com normas no ambiente escolar. 

"Se há um lugar que tem protocolo hoje são as escolas. E nelas, as crianças podem aprender a lidar com esta pandemia, com este momento tão difícil que passamos, porque é na escola que as crianças aprendem sobre como viver e levam para as suas casas. Quem não foi chamado a atenção por uma criança sobre fechar a torneira por ela ter aprendido na escola sobre desperdício de água?", desenvolve.

Cecília lamenta que a discussão sobre como a escola deveria funcionar em tempos de covid-19 chega muito tarde no Brasil, com prejuízo para os estudantes. "São questões que já deveriam ter sido pensadas. Estamos há mais de um ano com a pandemia. As crianças já ficaram tempo demais fora da escola", reforça.

Duas realidades: escola pública e escola particular

A pedagoga Gracinda Ribeiro vive duas realidades do sistema educacional em sua profissão: ela é diretora de uma escola particular e também professora na rede pública, em Vitória. Diz que uma das situações que a deixa mais triste é a escola vazia, sem crianças, sem a presença vibrante dos estudantes. Um ano depois, após adaptações de atividades para o sistema híbrido e restrições às atividades presenciais, ela pondera que deve haver um equilíbrio.  

"Sim, defendo que lugar de criança é na escola. Mas, devemos considerar outros profissionais envolvidos nessa situação como os professores, os porteiros, os vigias, as merendeiras, o pessoal da manutenção e da limpeza. Se a Educação é essencial, essas pessoas também são", reforça. 

Ela descreve que a falta de atividade presencial pode ser mais sentida (e sofrida) nos alunos da rede pública. 

"A escola não é só disseminadora de conteúdo. Para as comunidades mais carentes, ela também é uma rede de proteção, que inclui onde a criança vai se alimentar e também um sinal de segurança no contraturno pois muitos pais estão no trabalho e sabem que os filhos estão bem assistidos. Sem funcionamento para o público externo, isso é suspenso. Sem a escola, a vulnerabilidade social dessas pessoas fica maior", considera. 

Foto: Foto: Pixabay

Para a educadora, aulas em sistema remoto esbarram no acesso a pacotes de internet e a aquisição de equipamentos eletrônicos (computadores, celulares) não é realidade para muitos que frequentam a rede pública. 

"Há famílias em que o celular é compartilhado. Impossível você ter um acompanhamento pleno de um estudante. Diferente da rede privada, onde as crianças têm computador no quarto ou celulares e tablets à disposição",  pontua. 

Um estudo divulgado recentemente pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) apontou que a desigualdade e a exclusão, agravadas pela pandemia da covid-19, fez com que um total de 77.967 estudantes, com idades entre 6 e 17 anos, parassem de estudar no Espírito Santo em 2020. 

"Aqueles que estavam matriculados, mas tinham menos condições de se manter aprendendo em casa – seja por falta de acesso à internet, pelo agravamento da situação de pobreza e outros fatores – acabaram tendo seu direito à educação negado", cita parte do texto.

Rede privada: protocolos sanitários afastam risco de transmissão

O professor e presidente do Sindicato das Empresas Particulares de Ensino do Espírito Santo (Sinepe/ES), Moacir Lellis, afirma que a adoção de protocolos sanitários nas escolas, desde o ano passado, é o suficiente para o retorno às atividades presenciais. 

"Pelo acompanhamento e pelos dados que temos, o índice de contaminação nos estabelecimentos é muito baixo, próximo de zero. Usar máscaras, manter o distanciamento e a constante higienização das mãos são as três premissas, além de toda uma adaptação ao ambiente, que tornaram os nossos ambientes seguros. É importante o nosso serviço porque o Brasil está muito tempo com escolas fechadas", argumenta, citando pesquisas. 

Foto: Divulgação / Escola Monteiro

Uma delas, feita pela consultoria Vozes da Educação, e que teve apoio da Fundação Lemann e Imaginable Futures, indica que, na maioria dos 21 países pesquisados, o retorno às aulas presenciais não impactou a tendência da curva de contaminação pelo novo coronavírus. Maioria dos países bem colocados no Programa Internacional de Avaliação dos Alunos (PISA) fecharam escolas menos dias quando comparados com aqueles que não estão no topo do ranking. Quando comparado com os demais países do estudo, o Brasil fica em 2º lugar dentre aqueles com mais tempo de escolas fechadas. Foram 267 dias, só perdendo para a Bolívia que ficou com 270 dias com aulas suspensas.

"Isso tem um efeito devastador, principalmente, nas crianças menores. Em 100 dias de ausência, a criança retroage em até um ano daquilo que aprendeu. E é justamente até os cinco anos de idade que é a faixa onde mais assimilamos conhecimento. Imagine ficar sem estímulos, sem contar a socialização. Olha o grande prejuízo lá na frente", aponta Moacir Lellis.

Confira a pesquisa completa Vozes da Educação:

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"Vacina somente para professores não é suficiente"

Para o imunologista, professor e pesquisador da Ufes, Daniel Oliveira Gomes, a retomada de aulas presenciais, no momento, é considerada problemática.

"Por mais que a gente considere os protocolos sanitários, temos duas realidades diferentes no universo brasileiro da Educação: a rede particular se adequa melhor do que a rede pública no cumprimento dessas regras. Porém, há um outro fator: abrir escola agora vai facilitar contaminação das pessoas que frequentam este ambiente e também a contaminação de quem convive com este grupo, como os familiares de professores, alunos e profissionais que trabalham nas escolas", desenvolve.

Gomes diz que a pandemia tomou uma nova faceta, mais rápida em propagação com a identificação das novas variantes. 

Foto: Divulgação

"Com as novas cepas em circulação, que têm um fator de transmissibilidade maior, estamos observando uma alteração no perfil das internações em casos graves. A média de idade desses pacientes está mais nova muito devido a essas variantes e a uma parcela da população que ignorou regras de isolamento. Se a média de idade, no ano passado, era de 70 anos, hoje a média caiu para 40, 50 anos", aponta o pesquisador, que lembra de casos mais frequentes de adolescentes e crianças desenvolvendo o vírus recentemente. "Com as variantes, temos visto um quadro de piora para todos."

A imunização para professores e demais profissionais da Educação não seria o suficiente, segundo o especialista. "Em termos imunológicos e, do ponto de vista de resolução do problema, é muito pouco. Vacinaríamos um pequeno grupo. Mas os alunos podem ser infectados, ainda não saem da possibilidade desse risco. Ambiente escolar reflete a comunidade. O ideal é vacinação ampla e mais rápida possível", defende.

Sociedades médicas recomendam retorno da educação infantil

As Sociedades Espiritossantense de Pediatria (Soespe) e de Infectologia do Estado do Espírito Santo (Sies) recomendaram ao governo estadual que as aulas presenciais para alunos da educação infantil até o 5º ano do ensino fundamental sejam retomadas o mais rápido possível. O posicionamento das entidades médicas foi registrado em um documento entregue a representantes das secretarias estaduais de Educação (Sedu) e de Saúde (Sesa) no último dia 29. 

A publicação detalha que as escolas devam abrir, mas com um esquema de segurança que envolva: monitoramento de sintomas, testagem de sintomáticos e rastreamento de contatos; distanciamento de 1,5m e retorno gradual em etapas; e adoção de medidas de higienização das mãos, etiqueta de tosse, uso de máscaras, limpeza diária do ambiente.

Aos pais, é aconselhado que as crianças permaneçam em casa se elas apresentarem algum sintoma de doença viral como febre, coriza, obstrução nasal entre outros. 

Foto: Reprodução

"Em risco extremo, deve-se fechar tudo. Mas em risco alto, as escolas devem ser as primeiras a abrir para a educação infantil. Logicamente, respeitando todas as medidas sanitárias. Além disso, estudos citados no documento apontam que a expressão da covid-19 não é significativa neste grupo", informa o médico pediatra Rodrigo Aboudib, integrante da Soespe e que tem participado das discussões. 

"Escolas não são ilhas"

Mais enfática, a doutora em Educação e professora da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), Cleonara Schwartz, diz que num contexto de pandemia, escolas abertas seriam fator de alto risco. 

"A movimentação de pessoas numa escola é imensa. Mesmo observando os protocolos sanitários, que recomendam distanciamento de 1,5 metro e uso constante de máscara, nada garante que todo mundo observou essa regras ao se locomover até o espaço educacional. Muitos usam o transporte público e podem se contaminar no trajeto. Agora, vivemos a questão das variantes, que se transmitem de forma mais rápida. Por causa desta movimentação e dessa interação, não tem como interromper a circulação do coronavírus com escola funcionando", considera. 

Ela avalia que o ensino remoto, mesmo com suas limitações de não chegar a todos, é a alternativa possível a se fazer no momento. "A modalidade remota é necessária porque não deixa romper um vínculo com a escola. Elas estão funcionando, os professores estão trabalhando, a Educação não parou. É esse aspecto que deve ser considerado", classifica.

Foto: arquivo pessoal

A professora não nega que haja perdas no processo educacional frente às mudanças necessárias por causa da pandemia, mas as avaliações devem levar em conta que não houve uma política de acesso às redes móveis. 

"Eu acho que é exigir muito dos profissionais que a escola, agora no contexto da pandemia, dê conta dos inúmeros problemas gerados pela desvalorização da carreira docente e pela desconsideração de políticas que deveriam ter investido na infraestrutura física e tecnológica dos espaços educacionais para que eles pudessem funcionar bem no ensino remoto", defende, argumentando que há escolas em regiões brasileiras onde faltam banheiros, que dirá sistema eficiente de apoio de internet. 

Crianças querem aula na escola

Se, por causa da pandemia, readaptar a uma rotina já é complicado para adultos com suas responsabilidades diárias com trabalho e obrigações em casa, o que dirá para as crianças. É o que observa Náira Delboni, psicóloga da Unimed Vitória, que passou a atender mais crianças e jovens afetados emocionalmente pela interrupção da ida à escola, depois que elas fecharam.

"Temos que nos adequar aos nossos tempos, alguns têm a tecnologia a seu favor mas como faz falta a coletividade, o encontro com o professor, com os amigos no ambiente escolar", desenvolve.

Foto: Reprodução TV Vitória

"Toda aquela rotina de ir para a escola, encontrar com os colegas mudou e isso já mexeu. Há crianças que conseguem uma concentração em frente à telas de computador e outras se mostram impacientes. Os ânimos ficaram muito exaltados para todos", descreve. 

Casos de ansiedade e de tensão emocional são citados pela terapeuta. O isolamento em casa pode gerar uma certa angústia nos estudantes. A ida à escola seria uma válvula de escape pois é um outro ambiente, cheio de possibilidades. 

"Cada um age de uma maneira. Alguns querem chamar a atenção fazendo birra, pois crianças pequenas percebem que algo está mudando mas não conseguem elaborar ainda com palavras. Adolescentes se tornam ansiosos, principalmente com a cobrança de testes como os do Enem", descreve.

Outro fator da falta de aulas presenciais é que, no sistema online, os recursos não são iguais para todos. "A realidade brasileira é desafiadora, a gente lida com diferenças cruéis. Muitos não têm acesso a internet, não têm acesso a um computador. Isso traz uma sensação de constrangimento, uma sensação de que eu sou diferente, não estou acompanhando, não vou conseguir, meu colega está estudando com celular e eu não. Isso também mexe muito", argumenta.

Para a psicóloga, mesmo com a evidente superioridade das aulas presenciais, a saúde vem em primeiro lugar. Ela considera que as recomendações de cientistas e médicos devam ser observadas e seguidas. Mas, enquanto as aulas presenciais não voltam, para diminuir a tensão em casa, Náira considera que as famílias, nesse exercício de estar longe dos colégios, devam interagir mais. 

"A gente precisa também desta tecnologia pra ajudar neste sentido. Vamos interagir mais como família. Claro, depende de cada pessoa, mas vamos parar para contar e ouvir mais histórias. Tudo está tão corrido que a gente não percebe as necessidades das crianças. Reúna a garotada pra contar histórias, de como era a própria família. Já que estamos falando de tecnologia, reúna os colegas das crianças, os outros parentes em reuniões online", aconselha, enfatizando que a fase de confinamento pode ser uma excelente oportunidade para fortalecer o vínculo familiar. "A gente se sente mais fortalecido quando vemos que o outro está se importando conosco", finaliza. 

Preocupação com novas cepas

O representante da Associação de Pais de Alunos do Estado do Espírito Santo (Assopaes), que representa pais de alunos das redes públicas e privadas nos conselhos públicos de Educação, diz que abrir ou não uma escola é considerar o nível de risco. 

"Esta decisão não é pedagógica e nem é de mercado. Deve ser feita pela preservação da vida. Nesta discussão de funcionamento das escolas, nós temos alinhamento com o suporte científico que se dá ao debate da segurança da vida", pontua o secretário-geral da entidade, Aguiberto Oliveira de Lima. 

A associação opina que, mesmo com a imunização de todos os profissionais dos colégios, haveria risco aos estudantes.

"A nova cepa que veio de Manaus e que está circulando aqui agora é mais agressiva nas faixas etárias menores. Infectologistas já sinalizaram o risco de infecção em crianças e jovens e inclusive em bebês", aponta. 



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