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Geração Z: falta de religião dos jovens indica ausência de fé?

Jovens que moram no Espírito Santo ouvidos pelo Folha Vitória explicam como lidam com as questões relacionadas à espiritualidade

Redação Folha Vitória

Foto: Reprodução / @TepRo Pixabay

O conceito de espiritualidade e religião tem sido discutido de maneira abrangente ao redor do mundo. Apesar de serem considerados termos complementares pelo senso comum, as palavras se mostram cada vez mais distantes para a juventude. 

Diante de uma perspectiva realista, a chamada geração Z, que são as pessoas nascidas entre 1997 e 2010, se diferencia pelo abandono de diversas tradições e costumes passados. A juventude pós-milênio foi a primeira a crescer em um contexto totalmente digital. 

De acordo com o último Censo Populacional DataFolha de 2022, o percentual de jovens entre 16 e 24 anos que se consideram "sem religião" atingiu a marca de 25%, superando o número de evangélicos e de católicos. 

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No entanto, em um fenômeno contrário, as pesquisas por movimentos espirituais e misticismos aumentaram nas plataformas digitais, bem como a disponibilidade de conteúdo. Atualmente, a hashtag #espiritualidade no TikTok possui 6 bilhões de visualizações.

Foto: Reprodução/ Tik Tok

Pensando em entender os motivos por trás destes contrastes e pensamentos divergentes, o Folha Vitória conversou com diferentes jovens e um especialista no assunto. Confira:

Questão antiga que reverbera

De acordo com o sociólogo e pesquisador João Gualberto, é preciso analisar o âmbito em que o país está inserido. Há anos, os templos religiosos, preferencialmente as igrejas católicas e evangélicas, têm sido frequentados em maior quantidade por pessoas mais velhas. 

Para o especialista, tal fato pode ser entendido devido costumes, hábitos e a maior proximidade com a finitude da vida. "As pessoas se preocupam mais com questões espirituais, se aproximam mais destas reflexões", observou. 

Por outro lado, o sociólogo ressaltou que os rituais e cerimônias estão se renovando e possuem a capacidade de atrair pessoas mais jovens, principalmente no meio evangélico. 

João Gualberto disse trabalhar por meio de pesquisas qualitativas com líderes religiosos, em maioria evangélica. Para o pesquisador, o número de evangélicos no Estado do Espírito Santo é crescente e atinge cerca de 40% da população capixaba.

"Porém, no mundo evangélico há um fenômeno chamado 'desigrejados'. São uma parcela importante dos evangélicos que leem a bíblia e possuem suas práticas, mas não querem participar de uma instituição formal", explicou. 

O especialista ainda afirmou que o abandono de instituições tradicionais não se restringe somente à Geração Z. Entre os fatores que mais definem a saída dos jovens, estão questões políticas, o enrijecimento dos cultos e padrões morais conservadores. 

Conceitos e pensamentos subjetivos 

Para a estudante de Direito, Beatriz Stelzer, 19 anos, a espiritualidade pode ser considerada um conceito individual.

"Eu nunca pensei sobre isso, mas creio que a espiritualidade é um conceito bastante atrelado ao subjetivo, ao interior de um indivíduo. Acredito que seja uma força de pensamento que motiva uma pessoa, na medida que estaria ligada com o ato de firmar propósitos".

A jovem ainda explicou que se considera uma pessoa cética para determinadas situações, mas ao mesmo tempo alimenta fortes pensamentos em relação à metafísica. 

"Compreendo a religião como algo cultural. Isso porque ela não é integral, eu percebo que existem inúmeras religiões ou, até mesmo, diversas vertentes de uma mesma religião, que variam conforme o povo. Então, ela seria uma lente repleta de dogmas pelo qual o ser humano condiciona suas ações e pensamentos" destacou. 

A respeito das próprias crenças, Beatriz afirmou que não possui religião, apesar de acreditar em uma força maior que rege o universo.

"Eu queria muito ter no que acreditar, no entanto, as respostas que as religiões trazem não são suficientes para esgotarem minhas dúvidas. Eu já tive experiências ruins, entretanto não ligadas à religião em si, mas sim aos fiéis. Minha fé impacta minha vida muito mais no campo imaterial. Acho, inclusive, que essa ausência de fé gera muitas incertezas e questionamentos sobre o sentido da vida e a natureza da existência", disse.
Foto: Reprodução/Arquivo Pessoal

Para a estudante de jornalismo de 19 anos, Ranuza Diniz, a espiritualidade é um conceito além do plano terreno. 

"São energias além do entendimento humano, de seres não humanos e seres que já foram humanos um dia, mas que hoje estão do “outro lado”.

De acordo com o pensamento da jovem, a religião seria uma criação do homem, na tentativa de se conectar com a espiritualidade. 

"Por isso existem tantas no mundo. No fundo, eu acho que todas as religiões se resumem em um único ser ou uma única energia com o mesmo propósito" explicou.

Ranuza afirma entender ainda que cada pessoa possui interpretações e experiências diferentes do que seria a mesma energia. Logo, escolhem o que faz mais sentido no contexto em que vivem.

"Não é preto no branco, então acho que Deus não se enquadra 100% em nenhuma das religiões. O fato é que a religiosidade só serve para matar, julgar e condenar… o que realmente importa é o amor, a única coisa que Jesus pregava", destacou. 

Ao ser questionada sobre as próprias crenças, a estudante afirmou acreditar que cada religião possui a sua verdade. Ela, porém, disse praticar o cristianismo, devido ao fato de ter sido criada desta forma.

"Acho que já está meio enraizado em mim. Eu me considero muito cristã em comparação com a galera não cristã, mas também não cristã para a galera cristã. Detesto paradigmas e não gosto de nada que me limite, seja um pensamento ou uma placa de igreja", explicou. 

Sobre o impacto das crenças na rotina, Ranuza detalhou que procura sempre separar um período de tempo para se conectar com a espiritualidade, fé e energias. 

"Muitas decisões minhas são tomadas de acordo com minha fé. Eu tenho alguns princípios cristãos, mas volto a dizer, não os encaro como uma verdade absoluta, é o que mais faz sentido pra mim. Reconheço que este pensamento possa ser explicado devido ao fato de ser a religião em que eu cresci", disse. 

Entendimentos diferentes

Foto: Reprodução / Pexels / Foto de Zac Frith

De acordo com Arão Lobato Lima, professor de Ensino Religioso, licenciado em Letras-Português/Literaturas de língua portuguesa, especialista em Educação de Jovens e Adultos e em Docência do Ensino Superior, a religião e a fé não são sinônimos, apesar de serem termos intrinsecamente ligados.

Também bacharel em teologia e pastor da Igreja Congregacional da Serra, Arão destacou as definições do Dicionário de Teologia e Filosofia, o qual entende religiões como crenças e práticas organizadas que formam um sistema privado ou coletivo, pelo qual uma pessoa ou um grupo de pessoas são influenciados.

"Nesse caso, podemos inferir que a ideia de religião está ligada ao sistema organizacional sobre o qual se estabelece os pressupostos das diferentes expressões religiosas sejam elas individuais ou coletivas. A fé, por outro lado, pode ser definida, segundo a Teologia Sistemática de Charles Hodge, no seu sentido mais abrangente como “confiança”. Assim, temos que a Fé é o assentimento racional que a mente possui de algo que é certo. Desse modo, podemos dizer que a fé encontra o seu lugar de expressão no contexto da religião. Daí concebermos que a religião é um fenômeno social, sendo, portanto, objeto de estudo e se constitui como uma ciência", explicou.

Acerca do abandono da religião pela maioria da juventude e a adoção de práticas espirituais, o especialista fez uma observação.

"Os jovens possuem, por natureza, um espírito pescrutativo, ambicioso e aventureiro. Isso os leva, naturalmente, a buscar algumas experiências sobrenaturais e místicas" contou. 

O pastor afirmou que existe uma incompreensão do sentido da espiritualidade no significado mais extenso e, dessa maneira, os jovens suprimem as verdadeiras características de espiritualidades e se lançam numa busca frenética por algo que se mostre supranatural e encante. 

Arão detalhou que, na visão da juventude, a religião representa formalidades, rigidez, tradições, regras entre outras coisas que provocam verdadeira aversão.

Ainda segundo o especialista, a rejeição da religião enquanto fenômeno social deve ser observada com cuidado.

"Considerando que a religião faz parte da expressão social individual e coletiva, rejeitar ou mesmo desprezar pode provocar, com o passar dos anos, um esfacelamento das diretrizes ou ordenamentos dos segmentos religiosos presentes nas comunidades sociais. 

Para o teólogo, a religião, enquanto fenômeno incorporado aos indivíduos, possui a capacidade de contribuir para a formação dos cidadãos como um todo.

"O conceito provoca nos indivíduos, sejam eles de qualquer classe social, uma consciência de responsabilidade e respeito pela crença do outro e gera um espírito de tolerância e convivência religiosa saudável, atitudes tão caras no mundo hodierno", finalizou.

Experiências 

Foto: Reprodução/Arquivo Pessoal

Para o estudante de 20 anos, Natan Lagassa, aluno do curso de Sistema de Informação e praticante do Cristianismo, a fé possui um papel essencial.

"A minha história de fé é bem simples. Eu estava em completa depressão e tomava diversos remédios. Então, em uma noite comum, sem ninguém fazer um apelo ou essas coisas convencionais, eu ouvi uma voz falando comigo". 

O jovem contou que foi completamente curado. "Aquela voz disse que acabaria com meu sofrimento, não gostava de me ver assim e se apresentou para mim como Jesus. E foi assim que eu conheci a Ele. Desde então, somos amigos e eu não me lembro de um dia de tristeza que tive depois disso".

Acerca do debate sobre religião e espiritualidade, Natan contou acreditar que não se trata de uma lista de regras a observar. 

"Eu acredito nisso porque quando Jesus me curou e se apresentou para mim, ele me chamou para ser seu amigo. Ele não me deu uma lista de regras pra não ir pro inferno. Eu deixo de fazer coisas porque eu o amo, e se ele não gosta, eu também não. Se Jesus não for, eu não vou. Não é regra, é amor".
Foto: Reprodução/Arquivo Pessoal

Já para a estudante de Letras em Inglês, Layla Guimarães, de 20 anos, o relacionamento com a fé começou bem cedo. 

"Fui criada em um lar cristão e cresci indo na igreja. Com 5 anos eu entendi que não adiantava viver aquela vida de igreja por viver. Se eu fosse a minha vida inteira lá só por conta dos meus pais, de nada faria diferença". 

Layla contou ter entendido a fé cristã naquela época e decido seguir este caminho por conta própria. 

"Minha fé é importante para tudo em minha vida, mas principalmente porque é o que me dá razão para viver. Vejo tantos jovens da minha idade sempre procurando satisfação nas coisas mais diversas (faculdade, amizades, namoro, bebidas, drogas, academia, trabalho etc.) E talvez essas coisas realmente preencham o vazio desse "propósito" de vida que todo mundo busca, mas essas coisas são finitas e uma hora vão acabar. 

A estudante de linguagens afirmou encontrar paz, certeza e amor apenas na fé que possui. "Essa esperança me traz razão para fazer absolutamente tudo na vida, desde as coisas mais corriqueiras até as mais complicadas".

Acerca do conflito existente na geração sobre religiosidade e vida espiritual, a jovem contou ter fé em alguém, não em uma instituição. 

"Essa fé naquilo que eu espero e naquilo que eu não vejo me molda em tudo, absolutamente todas minhas ações. Me moldam em ser uma boa filha, irmã, estudante, trabalhadora, amiga, colega, professora, entre outros aspectos. Essa fé me molda em ser uma boa pessoa, não só para mim e para aqueles a quem eu amo, mas também para todas as pessoas que de certo modo, vivem ao meu redor", declarou. 

*Texto escrito pela estagiária Sofia Galois, sob a supervisão da editora Erika Santos

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