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Lei Maria da Penha completa 10 anos e promotora cita avanços no Espírito Santo

Cláudia Regina dos Santos Albuquerque Garcia

Dra. Cláudia Regina Santos Albuquerque Garcia Foto: Divulgação

No mês que vem, a Lei Maria da Penha completa 10 anos. Para abordar o tema, o Ministério Público Estadual realizará, no próximo dia 5 de agosto, o IV Encontro Estadual da Lei Maria da Penha, sob o tema "10 anos de aplicação: o que mudou em prol das mulheres?”. 

Serão realizados debates e apresentações sobre o atendimento à mulher em situação de violência, mediados pela promotora de Justiça e dirigente do Núcleo de Enfrentamento à Violência Doméstica (Nevid), Cláudia Regina Santos Albuquerque Garcia, entrevistada especial da semana do Folha Vitória.

A promotora irá falar sobre o evento, os avanços da Lei Maria da Penha no Estado, o trabalho do Nevid e as políticas para coibir esse mal tão arraigado na sociedade brasileira.

Confira:

Folha Vitória: A senhora está à frente do Nevid desde maio deste ano. Como é assumir o núcleo?
CLÁUDIA GARCIA: Para mim, que já era subcoordenadora, é uma honra, porém uma grande responsabilidade. Fico consciente da confiança que a minha procuradora depositou em mim, agradecida, mas acima de tudo consciente do desafio que temos frente a esses altos números não só de feminicídio, mas violência de todas as formas, como psicológica, moral e sexual.

FV: A Lei Maria da Penha completa 10 anos em 2016. Quais os principais avanços na opinião da senhora?
CG: Hoje eu vejo que a Lei Maria da Penha trouxe o debate da violência contra a mulher para o espaço público. Antes da lei, violência doméstica era uma questão íntima. Hoje o Estado tem o dever de coibi-la e enfrentá-la. Há publicização. Em segundo lugar, vejo que hoje, apesar de termos maiores registros, a violência sempre existiu. Mas, com a lei, as mulheres passaram a ter mais consciência de seus direitos e a buscá-los. Elas sabem que o Estado pode oferecer medidas protetivas e os juris de feminicídio têm acontecido. A sociedade tem visto que os homens que matam mulher têm sido responsabilizados, as instituições têm se debruçado sobre o tema, têm se capacitado. Nós mesmos, do Ministério Público, buscamos capacitar os policiais militares e civis a fim de uma humanização dos atores. Vejo preocupação do Estado Brasileiro e aos poucos as políticas vêm sendo fortalecidas. 

FV: Esses avanços se refletem aqui no Estado?
CG: O Espírito Santo é pequeno, então a mulher não encontra dificuldades territoriais para fazer denúncia. A Polícia Militar alcança todo o Estado, temos promotores em todas as comarcas, muitas delegacias, enfim, vários facilitadores. 

FV: Como ficava a situação do agressor antes da Lei Maria da Penha entrar em vigor?
CG: Antes da lei, a condenação de quem batia em mulher era uma cesta básica porque o crime era visto como de menor potencial ofensivo. Já com a lei é terminantemente proibido tratar a violência dessa forma. O homem não pode ser condenado à cesta básica nem à prestação de serviços e sim à pena restritiva de direito. Antes não dava prisão, hoje em dia mesmo antes da condenação, se a integridade física ou psicológica da mulher estiver em risco, o juiz pode determinar a prisão. 

FV: Em sua opinião, por que o Espírito Santo é tão violento com as mulheres?
CG: Creio que seja uma questão cultural. Essa violência tão presente, sobretudo no Norte do Estado, decorre da nossa formação histórica. Onde houve escravidão, há patriarcado forte e histórico de repressão. Para se ter uma ideia, segundo o último Mapa da Violência, das 100 cidades com mais de 10 mil habitantes que mais matam mulheres, 11 são do Espírito Santo. Com exceção das cinco cidades da Grande Vitória, que estão na lista, as outras seis são do Norte do Estado, que é justamente onde chegavam os navios negreiros. Ali havia os senhores de engenho, as senzalas e toda essa violência que faz parte do patriarcado. Disputa de poder, em geral, gera violência.

FV: E o VI Encontro? O que podemos esperar?
CG: Já temos em nosso calendário que todo mês de agosto fazemos esse encontro sobre a lei. Isso já vem desde 2013, e este ano o encontro tem toda uma temática diferenciada porque chegamos a 10 anos. Nosso objetivo será justamente verificar o que efetivamente mudou em prol das mulheres.

FV: Recentemente o deputado federal do Espírito Santo, Sergio Vidigal (PDT), apresentou um projeto que pretende dar aos delegados de Polícia o poder de conceder medidas provisórias. O que a senhora acha?
CG: Ministério Público, judiciário, Defensoria Pública, OAB e um movimento de mulheres formado por 80 ONGs, além da própria Maria da Penha, são contra essa mudança. Duas propostas dele efetivamente aumentam a proteção das mulheres, pois se preocupam com a estrutura física das delegacias e com a humanização do atendimento às vítimas. A elas somos favoráveis. Já sobre a possibilidade do delegado emitir medidas protetivas somos contra porque esse poder, de limitar o direito de ir e vir, só é dado ao juiz. Quando digo direito de ir e vir temos por exemplo as determinações de afastar o homem de casa e impedir que ele se aproximar a vítima. Então, se você começa a atacar o sistema, atingindo o que compete a cada instituição, podemos chegar a situações preocupantes. Outra questão é estrutural, pois as delegacias não têm estrutura para dar conta da demanda. 

FV: Foi criada recentemente a Secretaria de Estado de Direitos Humanos, cujo secretário é o professor de Ética da Ufes, Júlio Pompeu. Como vai ser essa parceria?
CG: Junto com a Secretaria de Direitos Humanos, foi a Subsecretaria de Políticas Para as Mulheres, que antes estava na Assistência Social. Minha expectativa é que a gente, da mesma forma que tinha parceria com a Assistência, tenha parceria com o Pompeu, como no projeto de humanização do atendimento às vítimas de estupro. Ainda não conversei com o Julio, mas minha expectativa é dar continuidade. Ele, além de muito sensível, sempre trabalhou com Direitos Humanos, além de falar e escrever muito bem sobre o tema. Vejo com muitos bons olhos a chegada dele. O governador foi feliz ao fazer essa escolha.

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