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Recusa por aborto em criança de 10 anos seguiu critérios técnicos, diz superintendente do Hucam

Segundo a superintendente do hospital, o tempo de gestação e o peso do feto estavam fora do limite estabelecido por uma nota técnica do Ministério da Saúde

Foto: Reprodução

O motivo que fez com que a direção do Hospital Universitário Cassiano Antônio Moraes (Hucam), o Hospital das Clínicas, em Vitória, se recusasse a realizar a interrupção da gravidez de uma criança de 10 anos, vítima de estupro, foi estritamente técnico. É o que garante a superintendente do Hucam, Rita Checon, durante um pronunciamento feito na tarde desta segunda-feira (17).

Segundo a superintendente, o tempo de gestação e o peso do feto estavam fora do limite estabelecido por uma nota técnica do Ministério da Saúde, que é seguido pelo Programa de Atendimento às Vítimas de Violência Sexual (Pavivis) para a realização desse atendimento.

"Essa criança passou por uma avaliação médica, feita por um ginecologista, e foi feito também o diagnóstico por imagem. Os dados do ultrassom mostraram que já era uma gestação de 22 semanas e quatro dias, e o peso fetal era de 537 gramas. E a nota técnica do Ministério da Saúde deixa claro o que é considerado um abortamento. Ele é considerado se a gravidez está em um limite de 20 a 22 semanas e se tem o peso fetal de 500 gramas. Então essa criança estava um pouco acima desse ponto de corte que é dado pelo Ministério da Saúde", justificou.

A recusa do hospital em realizar o aborto, mesmo havendo uma decisão judicial que concedia esse direito à criança vítima do abuso, fez com que o Ministério Público Federal no Espírito Santo (MPF-ES) encaminhasse um ofício à superintendente do Hucam e ao reitor da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), Paulo Sérgio de Paula Vargas, pedindo explicações sobre a não realização do procedimento. A resposta deve ser encaminhada ao MPF até as 17 horas da próxima quinta-feira (20).

Durante o pronunciamento realizado nesta segunda, Rita Checon afirmou também que não houve qualquer interferência externa na decisão de não se realizar a interrupção da gestação. "Essa negativa foi absolutamente técnica. Quero deixar claro que não teve viés religioso, ideológico e nenhuma interferência externa, como tem sido ventilado em mídias sociais. Foi uma condução estritamente técnica da equipe do Pavivis, baseado no que faz sempre dentro do programa", garantiu. 

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Com a decisão do Hucam, a menina recebeu alta hospitalar, para que fosse encaminhada a uma outra unidade, fora do Espírito Santo, que poderia realizar o procedimento. A interrupção da gestação foi feita em um hospital de Recife, em Pernambuco, e concluída nesta segunda-feira.

"Foi informada à Secretaria Estadual de Saúde dessa limitação do Hucam, que nós não poderíamos fazer [o abortamento] baseado nesses critérios. E compartilhamos a necessidade de que nós tivéssemos uma outra forma de resolver o problema dessa criança. Então foi dada alta para essa menina, para que ela pudesse ser encaminhada para um outro local no país, dado que o nosso estado não tem condições de realizar, de forma segura, um procedimento com a idade dessa menina e com o avançar da idade gestacional, como foi realizado no estado de Pernambuco", frisou a superintendente.

Diocese

O bispo da Diocese de São Mateus, dom Paulo Bosi Dal'bó, divulgou uma nota, nesta segunda-feira, lamentando o aborto realizado na menina. Na nota, o bispo ressalta que a diocese tomou as providências que lhe eram cabíveis. 

"Uma equipe de profissionais (dos Estados de São Paulo e Espírito Santo) após uma frutuosa reunião com o bispo e com um padre (professor de Teologia Moral), protocolou junto ao Fórum do município um ofício no qual ofereceu-se uma estrutura hospitalar e de assistência social, capaz de responder com profissionalismo, ética e humanismo às necessidades do caso específico. A família da gestante foi visitada pessoalmente a fim de ser informada de todas as possibilidades de ajuda tão necessárias no momento", informou na nota.

A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) também se pronunciou sobre o fato. De acordo com o arcebispo de Belo Horizonte (MG) e presidente da CNBB, dom Walmor Oliveira de Azevedo, o caso encerra dois crimes hediondos.

“A violência sexual é terrível, mas a violência do aborto não se explica, diante de todos os recursos existentes e colocados à disposição para garantir a vida das duas crianças. As omissões, o silêncio e as vozes que se levantam a favor de tamanha violência exigem uma profunda reflexão sobre a concepção de ser humano”, afirmou.

O bispo de Rio Grande (RS) e presidente da Comissão Episcopal Pastoral para a Vida e a Família da CNBB, dom Ricardo Hoepers, também questionou a decisão de interrupção da gravidez, por meio de um artigo.

"Por que não foi permitido esse bebê viver? Que erro ele cometeu? Qual foi seu crime? Por que uma condenação tão rápida, sem um processo justo e fora da legalidade? Por que o desprezo a tantas outras possibilidades de possíveis soluções em prol da vida? Foram muitos os envolvidos, mas o silêncio e omissão dos órgãos institucionais que têm a prerrogativa de defender a vida, se entregaram às manobras de quem defende a morte de inocentes. Por quê?", questionou Hoepers.

"É uma história que precisa ser esclarecida. É um processo que precisa ser desvendado. Duas crianças que poderiam viver… teve laudo técnico a favor da vida, teve suporte profissional a favor da vida, teve hospital disposto a cuidar até o fim da gestação, tiveram todas as condições de salvar as duas vidas, mas, de repente, uma transferência, de um Estado para o outro, e toda uma mobilização para que o aborto fosse realizado. Nas mãos de quem ficou a tutela dessa menina, quem decidiu tudo por ela?", completou.

Entenda o caso

O caso que chocou o Espírito Santo e o Brasil se tornou público depois que a menina deu entrada no Hospital Roberto Silvares, em São Mateus, no norte do estado, se sentindo mal. Enfermeiros perceberam que a garota estava com a barriga estufada, pediram exames e detectaram que ela estava grávida de cerca de 3 meses.

Em conversa com médicos e com a tia que a acompanhava, a criança relatou que o tio a estuprava desde os 6 anos. Ela disse que não havia contado aos familiares porque tinha medo, pois ele a ameaçava.

A Polícia Civil fez buscas no Estado e também na Bahia onde o tio da criança, de 33 anos, suspeito pelo crime, tem familiares. Ele não foi localizado e é considerado foragido.

O Ministério Público, por meio da promotoria de Infância e Juventude, entrou com uma ação impedindo a divulgação de qualquer informação sobre o caso, para proteger a integridade da família e da criança.

O caso é considerado estupro de vulnerável, que consiste em ato libidinoso ou relação sexual com menor de 14 anos ou contra pessoa que por deficiência física ou mental não tem o necessário discernimento para a prática do ato ou que, por qualquer outro motivo, não pode oferecer resistência, conforme o artigo 217-A do Código Penal.

Por conta da ocorrência, a hashtag "#gravidezaos10mata" ficou nos assuntos mais comentados do Twitter Brasil na última quinta-feira (13). Usuários da rede social iniciaram campanha para que a menina tenha interrupção da gravidez garantida. A legislação brasileira permite o aborto para vítimas de estupro - e também em casos de risco de morte para mãe e feto anencéfalo.


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