Especial educação

"OSCAR" DA EDUCAÇÃO

Professora de Vitória ganha prêmio por trabalho na educação especial

Educadora da rede municipal de Vitória, Priscilla Santos foi vencedora do Prêmio Educador Nota 10, conhecido como o “Oscar da Educação”.

Ariani Caetano

Redação Folha Vitória

As irmãs que se abraçam ao se encontrarem, a criança que vê a paisagem por meio de lentes coloridas, o aluninho que bate palmas ao conseguir terminar de contar até cinco com os dedos, a interação entre colegas no pátio... Essas cenas, tão comuns em uma escola, são, para a professora Priscilla Santos, do Centro Municipal de Educação Infantil (CMEI) Cecília Meireles, em Monte Belo, Vitória, momentos que revelam muito mais do que se pode ver.

Foto: Arthur Louzada

Por meio de um projeto pioneiro e inovador entre escolas públicas e privadas do Espírito Santo, a educadora demonstra que a estratégia de sair do automático e observar as sutilezas e expressões mais genuínas das crianças em sua vivência escolar pode promover uma pedagogia mais generosa e respeitosa, valorizando o cotidiano como currículo na educação infantil.

O resultado da observação proposta por Priscilla é a criação de mini-histórias, ou seja, o próprio relato em texto acompanhado por fotos da cena observada. 

A introdução dessa prática na educação especial foi o que fez a professora Priscilla ser vencedora do Prêmio Educador Nota 10 de 2023, um dos maiores prêmios da educação nacional, que enaltece nove boas práticas de aprendizagem idealizadas por professores e gestores escolares, da educação infantil ao ensino médio.

Foto: Divulgação

O projeto de Priscilla, chamado “Mini-história: um olhar poético do cotidiano na Educação Infantil", é desenvolvido com crianças dos grupos 2, 3 e 6 do CMEI Cecília Meirelles.

É com esses grupos que Priscilla atua na educação especial, apesar de também realizar o mesmo trabalho com alunos de sua turma regular.

A proposta da educadora é promover uma pedagogia que tenha um olhar mais generoso e respeitoso com as crianças e suas infâncias. 

Para isso, ela propõe que o professor faça uma pausa, diferente do automatismo do cotidiano, para observar e aprender sobre e com as crianças da educação especial.

Assim, é possível, por exemplo, evidenciar e registrar como as crianças com autismo pensam, constroem conhecimento, se relacionam e se comunicam através das múltiplas linguagens, dando sentido ao mundo ao seu redor. 

A documentação desses momentos é que são as mini-histórias, narrativas curtas que, além de serem expostas na escola, para que toda comunidade escolar tenha acesso, são enviadas às famílias pelos grupos de WhatsApp para que também elas possam acompanhar as especificidades e potência dessas crianças em seu dia a dia.

“A captura desses momentos pelo olhar de um professor pesquisador traz à tona a beleza dessas experiências e aprendizagens vividas pela criança. É preciso promover uma educação verdadeiramente inclusiva”, defende a professora.

Olhar generoso sobre a criança

Priscilla sempre teve certeza de que seria professora. Filha de médico e uma dona de casa, a educadora cursou Pedagogia e iniciou sua carreira numa escola da rede privada. Na rede pública de Vitória, atuou uma década com o Ensino Fundamental e desde 2020 passou a trabalhar exclusivamente com Educação Infantil, no CMEI Cecília Meireles.

Professora regular da rede municipal de Vitória, ela sempre atuou com educação especial, muito sob o ponto de vista da psicanálise, que é um olhar da particularidade, da individualidade que a criança já tem para ajudá-la a estar no mundo, e não mudá-la, anulando sua subjetividade e seu jeito de ser.

“Eu sempre fui uma professora muito dedicada as minhas crianças, mas eu não tinha esse olhar respeitoso com a infância. Era um olhar acelerado. Eu achava lindo, por exemplo, uma criança de quatro anos saber ler e escrever. Mas na pandemia eu desconstruí tudo isso, foi a grande virada de chave da minha vida, porque eu comecei a conhecer muitos estudiosos e todos vinham com essa fala da pedagogia da infância, da pedagogia participativa, com confiança na criança, respeito ao tempo dela. Comecei a aperceber que a educação infantil tem sua identidade, que está comprometida com o desenvolvimento integral da criança, não só do cognitivo, mas também do físico, do emocional, do social, ou seja, a criança por completo. O foco são as experiências no chão da escola, e não conteúdo.”

A diretora do CMEI Cecília Meireles, Monica Oliveira Mascarenhas, considera que a pandemia foi realmente um divisor de águas na escola, uma vez que toda comunidade escolar usou o tempo para mergulhar em formações.

“A equipe estava aberta e se permitiu viver novas práticas. Educação infantil não é só a criança desenvolver o conhecimento. Há as relações, e todos precisamos ter um olhar poético, para olhar a criança em suas potências, em suas outras dimensões.”

Priscilla começou a se apropriar do conceito desse olhar mais generoso sobre a criança e tomou para si a responsabilidade de passar a tê-lo também. Foi aí que conheceu as mini-histórias, uma técnica de documentação pedagógica criada pelo italiano Loris Malaguzzi e trazida para o Brasil pelo pedagogo Paulo Fochi.

Essas narrativas focam algumas crianças, pequenos grupos ou ainda interações entre crianças e adultos. São recortes do cotidiano que passariam despercebidos se o professor não fosse sensível, pesquisador, não desejasse conhecer mais sobre a criança, sobre como ela pensa, brinca, interage, dá sentido ao mundo. O professor, nessa dinâmica, precisa estar 100% presente.

Para isso, formação é muito importante. Para Priscilla, é necessário estar muito bem sustentado teoricamente para entender a educação infantil e, principalmente, o cotidiano, que é currículo na educação infantil. E foi a partir de sua própria fundamentação teórica que Priscilla voltou à sala de aula no pós-pandemia uma outra professora, determinada a ter outra atuação e outro olhar sobre suas crianças.

“A gente perde a capacidade de contemplar, e isso precisa ser recuperado. É um exercício. A escuta, para além de ouvir, exige que a gente pare para ser presença, se entregar para aquele momento, capturar a cena.”

Mini-histórias como vivência

A primeira mini-história de Priscilla foi feita em março de 2022, em sua turma regular. Em maio de 2022, veio o primeiro registro da educação especial. Umas da primeiras histórias foi sobre um aluno com autismo que, pela primeira vez, interagiu com outra criança de forma espontânea, sem mediação de um adulto.

Foto: Arthur Louzada
“Meu objetivo com as mini-histórias é sensibilizar o olhar dos profissionais e da comunidade para poder enxergar essa criança antes do diagnóstico. Quem é essa criança para além do diagnóstico de autismo é o meu ponto de partida. Não vou ver o autismo, por exemplo, mas a criança. Quem lê a mini-história é provocado a pensar, e isso ajuda a descontruir preconceitos.”

Priscilla revela que produzir as mini-histórias mudou seu olhar não só como professora, mas como ser humano. 

“Eu aprendi a olhar com mais calma, tempo e profundidade para a criança, e isso acaba inspirando outros profissionais a buscar essa forma mais respeitosa de trabalhar. Mudou meu modo de ser professora, e a criança passou a ser vista, saiu do anonimato. Quando você conta a história dela, você eterniza momentos, dá vida a eles. E a criança se sente pertencente a um grupo. As famílias, por sua vez, passam a ter certeza de que os filhos estão sendo vistos, acolhidos e respeitados em suas diferenças.”

Prática inspiradora

O projeto de Priscilla tem a força do coletivo. No CMEI Cecília Meireles, todos assumiram o compromisso de promover a inclusão das crianças de educação especial. E alguns professores acabaram se inspirando no trabalho da educadora e passaram a produzir suas próprias mini-histórias.

Foto: Divulgação

É o caso da também professora de educação especial Cláudia Rocha Braga, que atua no mesmo CMEI. Há 10 anos como especialista na área, ela já passou por muitas escolas em vários municípios.

“Conheci a professora Priscilla no ano passado e com muita alegria pude sentir as mini-histórias vindas com intensidade e amor. É muita dedicação que temos com nossas crianças especiais. Sou apaixonada por elas. Vi o tanto que ela registrava tudo que observava. Achava tudo encantador”, conta.

Sua primeira mini-história foi escrita em março de 2023. 

“Contei só para Priscilla, e ela me ajudou muito. A partir daí, descobri a importância fantástica desse tipo de narrativa. Uma gratidão tomou conta de mim naquele dia, me senti importante”, revela Cláudia, que já produziu outras mini-histórias depois daquela.

Criança como protagonista

Se a prática das mini-histórias é uma potência para quem as produz, não poderia ser diferente para quem as lê, como no caso das famílias das crianças, especialmente as da educação especial.

Karol Cuzzuol Takasaki, mãe do pequeno Masato, do grupo 6 do CMEI Cecília Meireles, considera que, além de vocação, os professores que atuam com educação especial precisam ter vontade de entrar no universo singular das crianças.

“Demonstrar com trabalhos escolares os progressos dos alunos já é uma prática rica do dia a dia, mas como expressar para as famílias das crianças da educação especial que seu filho também está participando do processo pedagógico, de modo inclusivo, lúdico e adaptado, respeitando seu tempo e suas especificidades?”, reflete Karol.

A resposta, ela mesma tem: 

“A professora Priscilla conseguiu isso por meio das mini-histórias! Além da prática inclusiva na educação diária dos seus alunos, com um olhar atento e uma escrita leve, ela consegue levar às famílias os momentos únicos vividos pelas crianças no ambiente escolar, onde múltiplas formas de saber podem acontecer, basta tentar olhar com carinho e respeito e transformar a cena numa memória de aprendizado para aquele pequeno indivíduo.”

A mãe de Masato considera que as mini-histórias possibilitaram incluir não só os pais, mas toda a família da criança protagonista, já que todos passaram a acompanhar toda a riqueza de aprendizado que ela pode alcançar.

O trabalho de Priscilla com as mini-histórias encantou também a secretária municipal de Educação de Vitória, Juliana Rohsner. Ela, que inclusive foi vencedora do Prêmio Educador Nota 10 em 2019, foi quem incentivou Priscilla a participar do concurso.

“Quando eu conheci as mini-histórias, eu realmente fiquei muito impressionada com a qualidade do trabalho. Enxergar a criança antes da deficiência ou do transtorno, no caso dos autistas, antes do espectro autista, era muito significativo dentro do que eu acredito e do que eu proponho para a rede de ensino de Vitória. Priscilla conseguiu, com muita habilidade e sensibilidade, enxergar o que cada criança tinha como potencialidade e trazer isso no registro da mini-história. E, a partir desse trabalho, ela engajou todos os profissionais.”

A secretária de Educação acredita ainda que esse trabalho é tão transformador que pode ser expandido para toda a rede de ensino de Vitória e para todo o Brasil como inspiração. 

“É preciso enxergar essas crianças, vê-las enquanto potencialidade e criar um coletivo da escola em que todos os professores e s profissionais partilhem desse mesmo saber, dessa mesma visão sobre a criança.”

Ela lembra ainda o caráter inclusivo da proposta da professora Priscilla. 

“É importante falar que, desde 1988, temos na Constituição a educação para todos e o que Priscilla fez foi garantir que todos fossem vistos, que todos fossem enxergados enquanto crianças. Na educação infantil, isso é extremamente relevante."

Sobre o Prémio Educador Nota 10

O Prêmio Educador Nota 10 é um dos maiores prêmios da educação nacional. A iniciativa é uma correalização do Instituto Somos com a Fundação Victor Civita. A 25ª edição da premiação enaltece nove boas práticas de aprendizagem idealizadas por professores e gestores escolares, da educação infantil ao ensino médio.

A cerimônia de premiação acontece nesta quarta-feira, dia 25 de outubro, em São Paulo. Na ocasião, também será conhecido o Educador do Ano, aquele com a melhor entre as nove práticas reconhecidas. 

Nesta terça-feira (24), a professora Priscilla vai apresentar seu trabalho com as mini-histórias presencialmente para uma banca e, a partir da defesa de todos os trabalhos, é que será definido o Educador do Ano.

A novidade da edição de 2023 é o seu alinhamento com Agenda Global 2030 das Nações Unidas, que engloba 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) para combater a pobreza, assegurar direitos, promover e combater mudanças climáticas. 

Em consonância com esses valores, as temáticas da 25ª edição do Prêmio foram categorizadas em três eixos: Direitos Humanos, Inovação e Tecnologia e Sustentabilidade.

Conheça algumas mini-histórias da professora Priscilla

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