Geral

'Se cloroquina funcionasse, todo mundo usaria'

‘Se cloroquina funcionasse, todo mundo usaria’ ‘Se cloroquina funcionasse, todo mundo usaria’ ‘Se cloroquina funcionasse, todo mundo usaria’ ‘Se cloroquina funcionasse, todo mundo usaria’

Quando o coronavírus chegou à Inglaterra, a paramédica brasileira Priscila Currie, de 38 anos, viu seu trabalho virar de cabeça para baixo. A primeira onda da covid-19 atingiu o país com força e a segunda foi mais avassaladora ainda. Somente após três meses de lockdown e vacinação em massa a profissional conseguiu retomar parte de sua rotina.

Priscila mora na Inglaterra desde os 20 anos. Chegou para trabalhar como voluntária em um projeto que cuida de crianças deficientes e com doenças terminais. Se apaixonou pelo país e, meses depois, mandou um e-mail avisando à família que não voltaria mais para o Brasil.

Antes de fazer faculdade de Paramedicina, formação que não existe no Brasil, trabalhou em restaurantes para se adaptar ao novo país e dominar a língua. A graduação foi concluída em 2014 e, no mesmo ano, ela conquistou um emprego no Serviço Nacional de Saúde britânico (NHS, na sigla em inglês).

O diploma não permite que Priscila trabalhe dentro de hospitais – o serviço dela é na rua. “Sou a primeira a chegar nos piores atendimentos. Meu trabalho é estabilizar o paciente antes da chegada da ambulância”, conta.

Quando recebe um chamado, tem até oito minutos para dirigir ao local da ocorrência. Com o coronavírus, o tempo para atendimento acabou aumentando. “Antes eu chegava no lugar e imediatamente já atendia o paciente. Agora preciso colocar todos os equipamentos de proteção. Muitas vezes as famílias não entendem essa demora.”

Outra mudança foi na quantidade de pacientes graves. Antes do coronavírus, estava acostumada a atender dois ou três óbitos por semana. No pior momento da pandemia, no início deste ano, chegou a presenciar cinco mortes por dia. “Você vai trabalhar e todo mundo morre. Vai para casa, dorme, toma banho, vai trabalhar de novo e mais uma vez todo mundo morre. É horrível”, diz.

Em todos os atendimentos, durante a pandemia inteira, ela nunca recorreu a remédios como cloroquina e ivermectina – e garante que seus colegas da saúde também não fizeram uso desses medicamentos. “Aqui não existe isso. Se você quiser usar o remédio para algum caso que não está descrito na bula, precisa fazer isso dentro de um estudo científico. O resultado precisa ser documentado e os dados serão analisados. Aí sim esse remédio vai ser indicado ou não”, explica.

Priscila conta que a forma com que o governo brasileiro vem lidando com a pandemia é muito malvista na Inglaterra e ela acaba virando motivo de chacota entre os colegas. “Todo dia eles me perguntam ‘o que o louco do teu presidente disse hoje?’. Não converso sobre política e, mesmo assim, esses comentários surgem”, diz.

Depois do lockdown, o alívio

Priscila conta que o sistema de saúde da Inglaterra chegou muito perto do colapso. O esgotamento da rede só não aconteceu, diz, porque o primeiro-ministro Boris Johnson decretou um lockdown no país inteiro no início de janeiro. O alto índice de vacinação também ajudou a diminuir o número de casos e as admissões em hospitais. “Sinto que finalmente nós estamos ganhando da covid”, fala.

“Eu sei que o Brasil não tem como entrar em lockdown total como aqui. Tem gente que precisa trabalhar para não morrer de fome. Só peço que essas pessoas saiam com consciência: use máscara, mantenha o distanciamento”, pontua.

Mesmo morando no exterior há quase duas décadas, a paramédica mantém um relacionamento forte com o público brasileiro através de suas páginas no Instagram e no Facebook, que somam 82 mil seguidores. Nesses canais, ela trabalha para combater a desinformação acerca da pandemia e para conscientizar as pessoas.

Priscila começou um projeto chamado #DerrubeAsFakeNews com cerca de 20 colegas. O grupo “coleta” notícias falsas que circulam nas redes sociais, estuda a origem do boato e cria conteúdo em cima disso. “A ideia não é desmentir alguma coisa específica, mas trazer informações verdadeiras sobre aquele assunto”, explica. Dessa forma, sem “bater de frente” com a audiência, ela acredita que consegue alcançar as pessoas mais negacionistas.

Na sua visão, o trabalho vem dando certo. Muitas pessoas que não queriam tomar a vacina mudaram de ideia acompanhando as suas postagens e contam isso a ela. “Se eu só atacar, vou perder as pessoas que são ‘do contra’. E é com eles que preciso falar.”