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Brasil enviará tropa especial das Forças Armadas para operação no Congo

O Centro não é exatamente um local sem tensões. Desde a criação, há 55 anos, passaram por lá 6.446 militares; 561 estrangeiros

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Foto: Divulgação

Há certas noite sem lua em que é preciso entrar em um rio levando 30 quilos de equipamento e nadar 2 quilômetros evitando ruídos que não pareçam naturais. Um rio da Amazônia. Às vezes, a única ferramenta disponível é um grande facão de aço negro, ótimo para garantir a vida no mato – e para cortar a jugular do inimigo. Em silêncio.

Eventualmente, a única fonte de proteína é a larva branca de um certo tipo de inseto. Tem gosto de amêndoa. O time de 13 guerreiros de selva que o Brasil vai mandar para dar treinamento de combate à tropa da missão da ONU na República Democrática do Congo, a Monusco, é assim, uma bem preparada tropa de especialistas. Todos eles embarcam no dia 20.

O grupo esteve até o fim de maio em Manaus preparando o programa de instrução concluído, depois, no Rio. Os oficiais e sargentos sairão de sete cidades distribuídas por vários Estados. Seguirão em voos comerciais para Entebbe, em Uganda, onde é formalizada a incorporação dos militares que participam de operações das ONU na África.

O início efetivo do trabalho começa logo em seguida, em Goma, no Congo, onde está a sede das forças da Monusco; cerca de 16,2 mil soldados comandados pelo general brasileiro Elias Rodrigues Martins Filho. O destino final é a cidade de Beni, no nordeste do país, centro de uma região marcada pela ação intensa de 100 a 200 milícias armadas e centro de uma grave epidemia do vírus Ebola – na semana passada o número de mortos entre as 1.412 pessoas atingidas pela doença, passou de 900.

Os 13 especialistas foram formados no Centro de Instrução de Guerra na Selva, o Cigs, de Manaus. É a melhor escola do mundo nesse campo, disse o ex-secretário de Defesa dos Estados Unidos James Mattis, um general dos ‘marines’ americanos, veterano de campanhas no Oriente Médio e na Ásia. Mattis usou a referência para justificar o envio periódico ao Cigs de oficiais dos EUA.

O Centro não é exatamente um local sem tensões. Desde a criação, há 55 anos, passaram por lá 6.446 militares; 561 estrangeiros. E com destaque, apenas duas mulheres, as sargentos Elisângela Ferreira Xavier e Lidiana Reinaldo da Costa, ambas da área de saúde do Exército.

Ambas foram submetidas aos mesmos procedimentos aplicados a todo o pessoal. Tiveram de raspar a cabeça e passaram pelas mesmas provas. Perderam o nome e ganharam uma sigla, ‘Guerra 50’ para Lidiana, ‘Guerra 51’ para Xavier. Tinham de cumprir tempo curto e seguir as rotinas sem exceção. Uma delas, Lidiana, em um dia de ensaio de deslocamento rápido, ficou menstruada minutos antes de embarcar no caminhão levando todo o peso do material, mais o fuzil calibre 7.62, uma faca e uma pistola. Correu para o alojamento, cronômetro rodando. Voltou a tempo, mas na última posição da fila, sob gritos de repreensão – tinha 150 segundos para estar a postos, chegou no limite.

Depois de inscrita, Xavier gastou seis meses cuidando do condicionamento físico para os testes de admissão. É uma etapa levada a sério – o Cigs mantém em sua página na web uma tabela calórica e uma orientação nutricional para os candidatos.

O curso dura 12 semanas e é realizado duas vezes por ano. Cada turma tem em média 100 alunos divididos em equipes de 50, orientadas por 40 instrutores – 20 oficiais e 20 sargentos.

O dia começa cedo na área de 1.152 km² onde é feita a formação em sete diferentes cenários. Tudo é reservado e além da face pública, evidenciada por um parque zoológico aberto a visitação e a programas comunitários, os detalhes são sigilosos.

Os guerreiros de selva pulam da cama de madrugada, às 4h50, tomam café da manhã e só vão dormir à meia noite. O almoço com frequência é frio, comido em pé, com os 30 quilos de equipamento pesando nos ombros.

Determinadas atividades exigem que cada um encontre na mata o seu alimento. As duas últimas atividades do dia são uma inspeção pessoal (higiene, uniforme) e os cuidados com as armas. O ciclo final compreende ensaios de operações em São Gabriel da Cachoeira e Tabatinga, no Amazonas. A turma estará bem perto de receber o facão, uma espécie de distinção de luta – a extremidade da empunhadura traz uma cabeça de onça. Há uma versão mais pesada, de combate, em aço carbono negro. É para evitar reflexos. Em cada leva, de 10 a 20 inscritos desistem.

Eles passam por disciplinas psicológicas, de confronto pessoal, sabem como evitar doenças e encontrar água; manipular explosivos, preparar emboscadas e lançar ataques furtivos; a conduzir operações em helicópteros e embarcações.

No final, terão feito mais de mil disparos de precisão acima de 85%. Saberão que o curso terminou em uma cerimônia na qual serão cumprimentados com a saudação do Cigs, “Selva!”, e receberão a insígnia da “cara da onça”. A solenidade, fechada, é feita a noite. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.