cadeira de rodas rampa acessibilidade deficiente
Foto: Canva

*Artigo escrito por Hansley Rampineli e Patrícia dos Santos Madeira, arquitetos e urbanistas, sócios do Studio 3 Arquitetura, associado da Associação Brasileira dos Escritórios de Arquitetura-ES (AsBEA/ES)

O ano de 2025 representa um marco simbólico para o debate nacional sobre acessibilidade: a NBR 9050, norma técnica de referência que regulamenta os parâmetros de acessibilidade a edificações, mobiliário, espaços e equipamentos urbanos no Brasil, completa quatro décadas de existência.

Desde sua primeira publicação, em 1985, pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), a NBR 9050 tornou-se o alicerce técnico para a construção de ambientes mais inclusivos, servindo de base para arquitetos, engenheiros, urbanistas e gestores públicos em todo o país.

Ao longo desses 40 anos, a norma passou por diversas revisões (nos anos de 1994, 2004, 2015 e 2020), refletindo avanços no entendimento técnico, na legislação de direitos humanos e nas políticas públicas voltadas à pessoa com deficiência.

Cada atualização incorporou novos conceitos, adequações dimensionais e avanços metodológicos, alinhando-se a tratados internacionais como a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência da ONU, da qual o Brasil é signatário desde 2008.

Ainda assim, apesar da evolução normativa, o cenário urbano brasileiro continua desafiador quando o assunto é acessibilidade.

Basta uma simples caminhada pelos centros urbanos para observar calçadas com desníveis perigosos, ausência de piso tátil, sinalização deficiente e obstáculos que comprometem a segurança de pessoas com deficiência visual, idosos, gestantes, pessoas com mobilidade reduzida e até mesmo pais com carrinhos de bebê.

As calçadas, por exemplo, representam um dos maiores gargalos da acessibilidade urbana. Embora regulamentadas por normas como a própria NBR 9050 e por legislações locais, como Códigos de Obras e Posturas Municipais, muitas permanecem irregulares, com largura insuficiente, inclinação inadequada e obstáculos como postes, caixas de inspeção ou mobiliário urbano mal posicionado.

Essa realidade expõe o cidadão a riscos diários e limita o exercício do direito de ir e vir, previsto na Constituição Federal.

Nos centros comerciais, o panorama é igualmente desafiador. Enquanto grandes shoppings e empreendimentos corporativos vêm demonstrando avanços no cumprimento das normas de acessibilidade – especialmente após a entrada em vigor do Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/2015) –, pequenos e médios comércios ainda apresentam resistência ou desconhecimento técnico quanto às exigências normativas.

A falta de rampas adequadas, de sinalização acessível e de comunicação visual inclusiva são problemas recorrentes.

Outro ponto sensível é o cumprimento das regras relativas às vagas de estacionamento. A NBR 9050 estabelece dimensões mínimas, sinalização horizontal e vertical, e critérios de localização dessas vagas. Elas devem estar próximas das entradas principais dos edifícios, com rota acessível e sem barreiras arquitetônicas.

Além das vagas para pessoas com deficiência e idosos – previstas por legislações como a Lei nº 10.098/2000 e o Estatuto do Idoso (Lei nº 10.741/2003) –, novas categorias passaram a ser contempladas, como gestantes, lactantes e, mais recentemente, pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA), conforme a Lei nº 13.977/2020 (Lei Romeo Mion).

No âmbito da mobilidade urbana, o transporte coletivo também é objeto de atenção. A NBR 9050, juntamente com a Norma ABNT NBR 14022 e regulamentações do CONTRAN e da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), estabelece padrões para acessibilidade em ônibus, terminais e pontos de parada.

Embora a frota de veículos com plataforma elevatória e espaço reservado tenha aumentado, os desafios operacionais persistem.

Problemas como elevadores inoperantes, falta de capacitação de motoristas e cobradores e ausência de comunicação acessível continuam afetando diretamente a autonomia das pessoas com deficiência.

Na Região Metropolitana da Grande Vitória, o sistema Transcol, responsável pelo transporte coletivo intermunicipal, destaca-se pela implementação do serviço Transcol + Acessível, uma iniciativa que representa um importante avanço na promoção da inclusão social e da mobilidade para pessoas com deficiência severa ou com mobilidade reduzida.

Operado pela Companhia Estadual de Transportes Coletivos de Passageiros do Espírito Santo (CETURB-ES), o serviço oferece transporte porta a porta, mediante agendamento prévio, utilizando veículos devidamente adaptados, com elevadores, cintos de segurança específicos e espaços reservados para cadeiras de rodas.

Essa política pública é um exemplo positivo de como o poder público pode adotar medidas concretas para garantir o direito de ir e vir, contribuindo para a redução das barreiras físicas e sociais que historicamente limitaram o acesso dessas pessoas aos espaços urbanos e aos serviços essenciais da cidade, mas que isoladamente, não garante a acessibilidade na cidade.

Quando o foco se volta para as edificações públicas, o cenário revela que muitas delas ainda não estão plenamente adequadas.

Escolas, unidades de saúde, prédios administrativos e equipamentos culturais deveriam, obrigatoriamente, atender a todos os parâmetros da NBR 9050.

Isso inclui a instalação de rampas com inclinação adequada, corrimãos, sanitários acessíveis, sinalização em braile e rota tátil. As adaptações, no entanto, esbarram em limitações orçamentárias, falta de fiscalização efetiva e, em alguns casos, ausência de planejamento técnico específico.

Importante também abordar as áreas comuns em edifícios residenciais multifamiliares, cuja acessibilidade é obrigatória desde a entrada em vigor da revisão de 2015 da NBR 9050.

Áreas como halls de entrada, elevadores, garagens e espaços de lazer devem possibilitar o acesso de todas as pessoas, independentemente de suas condições físicas ou sensoriais. Embora as novas construções venham atendendo melhor a esses requisitos, os prédios mais antigos enfrentam dificuldades para realizar as adaptações necessárias.

No contexto da administração pública, as prefeituras municipais enfrentam desafios consideráveis nesse processo de adequação. A necessidade de conciliar restrições financeiras, deficiências técnicas nas equipes de engenharia e arquitetura, além da urgência em atender múltiplas demandas urbanas, tornam a implementação plena da acessibilidade um processo gradativo.

No entanto, observa-se um esforço crescente de muitos municípios em criar planos de acessibilidade urbana, revisar legislações locais e promover ações de conscientização junto à população.

Ao completar 40 anos de existência, a NBR 9050 reafirma sua importância como instrumento técnico indispensável para a construção de uma sociedade mais inclusiva.

Sua evolução acompanha uma mudança de paradigma que vai além de normas dimensionais: trata-se de reconhecer que a acessibilidade é um direito fundamental, que impacta diretamente a cidadania, a dignidade humana e a qualidade de vida de milhões de brasileiros.

Mais do que uma celebração, o aniversário da norma é um convite à reflexão. Um chamado para que gestores públicos, profissionais da construção civil, urbanistas e a sociedade em geral assumam um compromisso efetivo com a inclusão.

Afinal, a cidade acessível beneficia a todos: idosos, crianças, pessoas com deficiência, gestantes, pessoas com mobilidade temporariamente reduzida e qualquer cidadão que, em algum momento da vida, necessite de um ambiente urbano mais acolhedor e seguro.

Hansley Rampineli e Patrícia dos Santos Madeira são arquitetos e urbanistas
Hansley Rampineli e Patrícia dos Santos Madeira são arquitetos e urbanistas. Foto: Acervo pessoal