Orquestra Som do Céu em apresentação. Foto: Divulgação/ Montanha da Esperança
Orquestra Som do Céu em apresentação. Foto: Divulgação/ Montanha da Esperança

A Orquestra Som do Céu promove a inclusão e a diversidade através da música. Composta por 37 participantes, de 12 a 70 anos, a orquestra reúne pessoas com e sem deficiência, sejam elas físicas, intelectuais ou múltiplas.

O grupo musical é uma ação sociocultural da Montanha da Esperança, uma organização social localizada em Cariacica-Sede que fornece educação, formação profissional, cultural e esportes para cerca de 1,5 mil crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade na Grande Vitória.

Orquestra mostra que arte é para todos

Sob a premissa da inclusão, a Som do Céu mostra que a arte é para todos. As apresentações incluem violinos, flautas, percussão, violoncelos, teclados e outros instrumentos, com músicas de louvores e adoração.

A iniciativa nasceu em 2022 com alunas do curso de violino da Montanha da Esperança, Raquel Messias e Rosiane Barcellos, que sugeriram a criação de uma orquestra ao professor Carlos Alberto.

O curso tinha data de início e término, mas quando terminou nos juntamos para pedir um nível intermediário porque eu não queria mais sair de lá. E conseguimos. Como o professor viu que a turma aumentou, surgiu a ideia de montar a orquestra, revelou Rosiane.

Inclusão e diversidade

A orquestra preza pela inclusão e diversidade. A maioria são adolescentes, mas também há quatro adultos e duas mulheres com mais de 60 anos. Além disso, três pessoas com deficiência fazem parte do grupo, sendo dois autistas e uma deficiente física, além de uma pessoa com mobilidade reduzida.

Carlos Alberto se esforça para garantir oportunidades a todos os alunos. Um desses casos é o de Laiza, de 16 anos, que nasceu sem a mão esquerda. Ela conta que sempre amou música clássica e tinha vontade de tocar um instrumento, mas alguns deles exigiam o uso das duas mãos.

O professor, que é técnico em arquitetura e possui uma oficina de reparo de instrumentos, se encarregou da função de adaptar o violino para ela. Segundo ele, eram três desafios: primeiro, criar o adaptador; segundo, Laiza se adaptar; e terceiro, virar as cordas do violino por ser canhota.

“Confesso que no início fiquei assustado, mas amo desafios. Aprendi a nunca dizer ‘não’ sem pensar nas possibilidades. Comecei a desenvolver um projeto de adaptação para a Lalá. Para minha surpresa, ela se adaptou, aprendeu e toca conosco. É uma menina de ouro”, disse Carlos Alberto.

Para a jovem, o começo não foi fácil e ela quase desistiu após a primeira aula. Graças à sua família e ao professor, ela decidiu continuar e passou a se dedicar mais quando ganhou o adaptador.

“Eu me sentia excluída, chorava e perguntava o porquê de não ter mão. Mas hoje a orquestra é um espaço de conexão profunda com a música e com as pessoas. É onde posso me expressar, aprender a escutar o outro e fazer parte de algo maior. Cada ensaio e apresentação é uma experiência única de crescimento e emoção”, comenta Laiza.

Laiza com o adaptador em apresentação da orquestra Som do Céu. Foto: Divulgação/ Montanha da Esperança

A orquestra conta ainda com dois membros com Transtorno do Espectro Autista (TEA). Deivid Lucas, de espectro nível dois, toca violino e clarinete.

Micharlison, que possui espectro de nível três severo, não verbaliza e já teve acompanhamento na Apae, onde perceberam seu talento para a música. Ele é baterista na orquestra.

Também faz parte do projeto a Thayná, a mais nova integrante do grupo. A jovem tem uma infecção na cabeça do fêmur e se locomove com o auxílio de muletas. Ela é saxofonista há cerca de um mês e, segundo o professor, é muito dedicada ao instrumento.

“Me faz tão bem que não ligo para as dores que sinto nem para a dificuldade que tenho para chegar nos ensaios. Estava em um momento ruim, de tristeza, e a orquestra me salvou. A orquestra hoje é meu porto seguro”, destacou Thayná.

Veja o vídeo:

Carlos Alberto destaca que está sempre de buscando possibilidades de garantir o acesso à orquestra e que mantém as portas do projeto abertas. Para ele, a inclusão tem um “grande poder de transformação”.

“A música em sua essência tem o grande poder de transformar, respeitar e disciplinar, entre tantas outras formas de aplicação”, afirma o professor.

Desafios e quase desistência

Carlos Alberto conta que, há dois anos, quase chegou a desistir da orquestra por conta da falta de recursos financeiros. O projeto se sustenta através de doações e apoios eventuais de empresas ou de emendas parlamentares.

Na época, o espaço onde são realizadas as aulas não era adequado e não havia recursos para uma reforma. Foram as alunas Raquel e Rosiane, duas das integrantes adultas da orquestra, que utilizaram recursos próprios e colocaram a mão na massa para manter o projeto vivo.

Veja o vídeo:

As duas conversaram com o professor e receberam a aprovação da direção da Montanha da Esperança para a reforma. Elas dividiram as despesas e levaram quase um mês para retirar tudo de dentro da sala e reformar. Também compraram novos materiais para o espaço.

O local era impróprio, mal cabíamos na sala. Era como se fosse um depósito. Fizemos uma festa de inauguração quando a sala ficou pronta. Ficou tão linda, nos traz tanta paz que todos que visitam ficam maravilhados, conta Raquel.

Sala de aulas e ensaios da orquestra após a reforma. Foto: Arquivo pessoal

As alunas contam que a relação da turma vai muito além das aulas, sendo quase uma família. Os alunos inclusive chamam o professor de pai.

“O que mais chamou a atenção foi o amor que os ex-alunos tinham pelo professor. Ele sempre foi muito carinhoso e atencioso. Não demorou muito para entendermos essa relação, pois passamos a sentir a mesma coisa”, disse Raquel.

Elas mesmas acolheram os adolescentes que chegaram ao projeto com problemas sérios e hoje tiveram as vidas transformadas pela orquestra. Rosiane conta que muitos dos jovens chegavam ao projeto com problemas familiares e quadros depressivos.

Ela e Raquel sempre sentavam para conversar, davam apoio e conselhos. Dessa forma, elas conseguiram ajudar os alunos a superar as dificuldades.

“Aquele quadro depressivo que elas chegavam acabou. Estar na Montanha da Esperança é uma experiência que enriquece de várias formas”, destacou Rosiane.

Projeto é apoiado pelo Instituto Americo Buaiz

A instituição é apoiada pelo Instituto Americo Buaiz (IAB), que, desde 2017, apoia diversos projetos em todo o Espírito Santo.

“A música é uma das mais poderosas formas de expressão cultural. Por meio dela, a Montanha da Esperança tem transformado vidas. O Instituto Americo Buaiz acredita que o trabalho realizado pelo projeto vai além do ensino musical. Ele promove inclusão, fortalece vínculos e impacta positivamente crianças, adolescentes e adultos de todas as idades. Dar visibilidade a iniciativas como essa é essencial para continuar levando cultura para todos”, afirma Carolayne Oliveira, assessora social do IAB.

Enzo Bicalho, estagiário do Folha Vitória
Enzo Bicalho Assis

Repórter

Jornalista formado pela Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes). Foi estagiário do Folha Vitória entre novembro de 2024 e outubro de 2025 e é repórter desde novembro de 2025.

Jornalista formado pela Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes). Foi estagiário do Folha Vitória entre novembro de 2024 e outubro de 2025 e é repórter desde novembro de 2025.