
O Ministério Público Federal (MPF) e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) estão cobrando na Justiça a execução provisória da sentença que declarou que as terras da região do Sapê do Norte, que abrange os municípios de Conceição da Barra e São Mateus, devem ser tituladas em favor das comunidades quilombolas que ocupam o território.
A decisão foi proferida em ações civis públicas ajuizadas contra a empresa Suzano Papel e Celulose S/A (antiga Fibria Celulose S/A), o Estado do Espírito Santo e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
Conforme o processo, as terras foram obtidas pela Suzano de maneira irregular, por grilagem. Consta que a empresa utilizou funcionários como “laranjas” para obter os títulos de domínio do território público. A empresa nega e afirma ter adquirido o território de maneira legítima.
Uma das sentenças julgou procedente os pedidos para:
- declarar nulos os títulos da Suzano que foram obtidos “mediante fraude pelo Estado do Espírito Santo à Fibria S/A.”;
- condenar o Estado a titular as terras, que a partir da nulidade dos títulos da Suzano voltaram a ser bens públicos estaduais, em favor das comunidades quilombolas;
- condenar o BNDES a não conceder financiamentos a Suzano, para que a empresa não possa desenvolver atividades nas terras públicas.
A Suzano recorre das condenações e aguarda julgamento dos recursos. No entanto, segundo a procuradora da República Gabriela Câmara, as decisões não estão suspensas e ainda têm eficácia. Ou seja, segundo o MPF, a sentença deve ser cumprida apesar da existência de recursos ainda não julgados.
O BNDES afirmou que já cumpre a decisão “sem qualquer questionamento” e que “não financia qualquer investimento ou empreendimento em áreas que sejam objeto de litígio jurídico, como no caso em questão.”
Uma das ações movidas pelo MPF trata da região de Itaúnas, em Conceição da Barra. Lá, a fabricante de celulose e uma comunidade quilombola disputam a propriedade.
Em setembro deste ano, a reintegração de posse das terras à empresa, que colocaria famílias para fora da região, foi suspensa após uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
O que pedem o MPF e o Incra
Os órgãos pedem que os cartórios de registro de imóveis dos municípios do Norte capixaba registrem imediatamente a nulidade dos títulos da Suzano para que se confirme a conversão da propriedade das terras para o patrimônio do Estado.
Também solicitam que o governo do Espírito Santo apresente, em até 30 dias, um cronograma de início das atividades e demonstre as medidas administrativas ou judiciais que estão sendo adotadas para emitir os títulos de propriedade em favor dos quilombolas.
Além disso, pedem que a Suzano deixe de praticar “atos de domínio, exploração, uso ou qualquer pretensão possessória em face de quilombolas nas áreas obtidas mediante fraude.”
Na ação, o MPF e o Incra citam o entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) de que o direito de propriedade das comunidades quilombolas é um direito fundamental de eficácia plena e aplicação imediata que deve ser protegido mesmo que o processo de titulação não tenha sido concluído.
O que dizem os réus
O governo do Estado foi procurado pela reportagem para se manifestar sobre o pedido de execução provisória da sentença feito pelo MPF e o Incra, mas não retornou até o momento desta publicação. O espaço segue aberto para manifestações.
Já a Suzano disse em nota que “não há decisão definitiva sobre o processo mencionado, atualmente em análise de recurso”.
A empresa também alega ter toda a documentação imobiliária que comprova a propriedade e a posse legítima de suas áreas, “adquiridas de forma regular, a justo título e de boa-fé, em conformidade com a legislação vigente”.
“Reitera, ainda, seu compromisso com a legalidade, a transparência e o respeito às comunidades e instituições, e seguirá acompanhando o andamento do processo pelas vias legais cabíveis.”
O BNDES, por sua vez, disse que em cumprimento à determinação, restringiu o escopo das operações de maneira que os recursos não fossem investidos nas áreas sob disputa judicial. A liminar foi confirmada na sentença.
“Considerando que o Banco, desde o deferimento das medidas liminares, já não financiava os investimentos naquela localidade, não foram interpostos recursos. Em resumo, o BNDES já cumpre a decisão da Justiça sem ter apresentado qualquer questionamento.”
O banco também destacou que na etapa de celebração do contrato com as empresas, “o BNDES estabelece cláusulas e condições visando à promoção de medidas de estímulo ao compliance. Dessa forma, não financia qualquer investimento ou empreendimento em áreas que sejam objeto de litígio jurídico, como no caso em questão.”
“Vale ainda ressaltar que existe um procedimento rigoroso de aptidão jurídica dos empreendimentos. Em todas as etapas de relacionamento (análise do pedido de financiamento, celebração do contrato e acompanhamento das operações), o BNDES adota o procedimento de Conheça seu Cliente (Know Your Customer – KYC), cujo objetivo é conhecer a origem e constituição do patrimônio e dos recursos financeiros das empresas.”